Monteiro Lobato e o folclore brasileiro

Monteiro Lobato e o folclore brasileiro

Originária da junção de duas palavras inglesas, ‘folk’ (povo) e ‘lore’ (conhecimento), a palavra ‘folclore’ surgiu no século XIX, através do pesquisador britânico William John Thoms, ganhando desde então o significado literal de “conhecimento do povo” ou “aquilo que o povo faz”. O termo foi registrado pelo autor, através de uma carta publicada pela revista britânica The Athenaeum, em 22 de agosto de 1846, na qual ele sugeria que todo o conjunto de tradições ou “antiguidades” populares poderia ser definido pela palavra “folklore”. De modo geral, podemos entender como folclore, o conjunto de práticas e saberes de um determinado povo, transmitido de geração para geração. A partir dessa carta de John Thoms, o termo “folklore” se popularizou entre os países ocidentais, despertando o trabalho de estudiosos e muitas nações decidiram eleger o dia 22 de agosto como o dia oficial do folclore, de modo a valorizar e mostrar a importância de todas as manifestações que caracterizam a cultura popular de um país, como suas lendas, canções, mitos, danças e artesanatos entre outros. Entendendo a sua significância e a necessidade da sua preservação, a Unesco reconhece o folclore como Patrimônio Cultural Imaterial.

Aqui no Brasil o movimento mais representativo aconteceu no Rio de Janeiro, em agosto de 1951, com o “Iº Congresso Brasileiro de Folclore”, onde foi elaborada a Carta do Folclore Brasileiro, mas o Dia do Folclore só foi oficializado no Brasil em 1965, sendo celebrado anualmente, também no dia 22 de agosto. Isso aconteceu graças ao grande volume de estudos sobre a cultura popular brasileira que já haviam sido feitos, desde o século XIX, onde se destacavam estudiosos como Mário de Andrade, Câmara Cascudo e Monteiro Lobato, entre outros intelectuais nacionalistas que estudavam as características culturais de cada canto do Brasil.

Natural do Vale do Paraíba, Lobato cresceu num ambiente interiorano, passando boa parte do seu tempo de infância entre a Fazenda São José do Buquira, a fazenda Paraíso, e a fazenda da cidade, chamada de chácara do Visconde. Desde pequeno, Lobato sempre ouviu muitas histórias sobre Saci, Mula sem Cabeça, Curupira, Cuca, que eram contadas pelos trabalhadores das fazendas. Todo esse contexto despertou o interesse do escritor pelo folclore nacional, especialmente pelo personagem do Saci.

Em 1914, passeando pelo Jardim da Luz em São Paulo com um amigo, Lobato se deparou com a famosa cena que ele imortalizou num texto publicado na Revista do Brasil em1916, chamado A poesia, de Ricardo Gonçalves:

Pelos canteiros de grama-inglesa há figurinhas de anões germânicos [...] porque tais nibelungices, mudas à nossa alma, e não sacis-pererês, caiporas, mães d'água e mais duendes criados pela imaginação do povo?

Inconformado com a falta de orgulho na nossa própria identidade nacional, Lobato passou a explorar mais a fundo a lenda do Saci-Pererê e no começo de 1917. Realizou uma pesquisa de opinião pública, no suplemento vespertino do jornal O Estado de São Paulo, chamado Estadinho, para colher as respostas dos leitores a respeito das versões sobre o lendário personagem. O inquérito foi um sucesso e Monteiro Lobato recebeu dezenas de respostas de todo o Brasil. No ano seguinte, 1918, Lobato reúne os relatos num livro e lança O Saci Pererê: resultado de um Inquérito. A ótima repercussão dessa iniciativa, então, o motivou a realizar também uma exposição de pintura e escultura sobre o mesmo tema.

Três anos mais tarde, em 1921, ele então lança O Saci, para o público infantil, que acaba norteando definitivamente a sua carreira de escritor. Nessa história, Pedrinho, orientado pelo Tia Barnabé, captura um Saci. Ambos vivem uma grande aventura na floresta onde durante a noite e o Saci protege Pedrinho dos diversos personagens do folclore brasileiro e acabam discutindo sobre temas relevantes, do tipo: quem é mais desenvolvido, os humanos ou os animais e criaturas das florestas? O Saci assume o protagonismo desta discussão filosófica, e dá uma verdadeira aula sobre comportamento, respeito, amor ao próximo e principalmente a importância da preservação da natureza. Em meio a essa aventura, o Saci ajuda Pedrinho a salvar Narizinho da Cuca e desta vez Lobato dá uma aula sobre o bem mais precioso do mundo: a liberdade.

Definitivamente, Monteiro Lobato foi um divisor de águas na literatura infantil. Ele criou um estilo próprio e inovador de escrever para crianças, dando outro sentido às histórias que ele próprio ouviu na infância. Suas histórias impressas no papel criaram um mundo imaginário ao alcance de todos, imortalizados. Recorrendo às fontes originais das lendas folclóricas e inserindo-as em suas obras, Monteiro Lobato criou uma ferramenta poderosa de ensino infantil, que deram aos seus livros um conceito didático, revolucionário e inovador. Fato é que Lobato sempre foi um exímio contador de histórias, que tinha em seu ‘DNA’, o brasileirismo para entender a importância e exaltar nossos mitos e lendas, contos e fábulas populares.

Curiosamente, a jornalista, pós-graduada em Educação Infantil, Rosângela Marçolla, enxerga Monteiro Lobato como um ‘folk’ comunicador que através dos seus livros, se tornou um agente ‘folk’ midiático, responsável pela disseminação de narrativas da nossa cultura popular em forma de obra literária. A “Folk-comunicação”, é uma teoria brasileira proposta pelo sociólogo e pesquisador Luiz Beltrão, em sua tese de doutorado em 1967, que analisa a comunicação que se dá por meio do folclore e as estratégias de comunicação adotadas pelos chamados “grupos marginalizados”, rurais e urbanos. Lobato absorveu muito das histórias da nossa tradição oral, da nossa cultura popular, vinda de ex-escravos, das nossas tribos indígenas e dos nossos emigrantes para enriquecer a mais fantástica e singular obra da nossa literatura infantil e sobretudo para revelar ao mundo a nossa extraordinária cultura popular. Como um legítimo agente ‘folk’ midiático, o escritor teve um papel inovador e revolucionário, através dos seus livros, como uma espécie de porta-voz das pessoas excluídas socialmente, sem acesso ao estudo, que formavam a maioria analfabeta do nosso país naquela época.

No Brasil, quando falamos de folclore, automaticamente lembramos do Saci, da Cuca, do Curupira, da Iara, da Mula sem cabeça, do Boitatá e de tantos outros personagens popularizados através das obras de Monteiro Lobato, em histórias que ainda hoje continuam passando de geração para geração.

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REFERÊNCIAS:

https://mundoeducacao.uol.com.br/datas-comemorativas/dia-folclore.htm

https://exame.com/pop/dia-do-folclore-entenda-a-origem-data-que-e-comemorada-no-dia-22-de-agosto/

https://www.educamaisbrasil.com.br/enem/datas-comemorativas/dia-do-folclore

https://biblio.direito.ufmg.br/?p=3052#:~:text=A%20Carta%20do%20Folclore%20Brasileiro,Janeiro%2C%20em%20agosto%20de%201951.

https://www.educamaisbrasil.com.br/enem/datas-comemorativas/dia-do-folclore

https://www.lobato.com.vc/2021/10/a-revolucao-do-folclore-atraves-de-monteiro-lobato/#:~:text=Lobato%20n%C3%A3o%20apenas%20transformou%20o,um%20Brasil%20continental%20e%20diverso.

https://www.diarionline.com.br/?s=noticia&id=118036

http://www0.rio.rj.gov.br/arquivo/pdf/cadernos_comunicacao/estudos/estudos17.pdfhttps://www.bocc.ubi.pt/pag/marcolla-rosangela-monteiro-lobato-contador-de-historias.pdf