TRADUÇÃO DE MONTEIRO LOBATO NO CHILE DÁ ATUALIDADE AO TEXTO

AUTOR: DIRCE WALTRICK

DATA ORIGINAL: 13 DE JANEIRO DE 2021

FONTE: ESTADÃO

CRÉDITOS: https://alias.estadao.com.br/noticias/geral,traducao-de-monteiro-lobato-no-chile-da-atualidade-ao-texto,70003578932

Umberto Eco dizia que “a língua da Europa é a tradução”. Acredito que a língua do mundo deveria ser a tradução, pois é através desta que se conhece outras culturas e novas formas de pensar. No que tange à literatura, particularmente, é através dela que autores estrangeiros ganham repercussão, por vezes muito mais do que os autores nacionais, como acontece no Brasil. A propósito, a tradução da obra de escritores brasileiros ainda é pequena, em parte porque não temos uma política de divulgação de nossa produção literária em países não falantes do português. Sem um programa governamental, esse trabalho de divulgação e de tradução da produção literária nacional vem sendo feito, em grande parte, por professores e alunos das nossas universidades em conjunto com universidades estrangeiras.

Las Travesuras de Naricita (Reinações de Narizinho) , de Monteiro Lobato , que agora chega pela primeira vez ao Chile, é fruto desse esforço que nasce na academia. A edição alentada e coordenada por Letícia Goellner, doutora pelo programa de Pós-Graduação em Estudos da Tradução da Universidade Federal de Santa Catarina e professora de Tradução na Pontifícia Universidad Católica de Chile. O livro, cujo texto de Lobato foi traduzido por Goellner, Pablo Saavedra e Vicente Menares, conta com paratextos importantes, assinados pelos tradutores e por pesquisadoras brasileiras como Regina Zilberman, Fernanda Coutinho e Marie-Hélène Torres.

Reinações de Narizinho , que faz 90 anos em 2021, é o segundo livro de Lobato para o público infantil. O primeiro, A Menina do Narizinho Arrebitado , de 1920, fez um sucesso tão grande que, em 1931, Lobato decidiu relançar a história, darando, contudo, outras aventuras inéditas ao volume. Nasceu, assim, Reinações de Narizinho , livro que “abre para a porteira do Sítio do Picapau Amarelo”, como afirmam Márcia Camargo e Vladimir Sacchetta.

As aventuras do Sítio de Lobato marcaram gerações de brasileiros. Em Felicidade Clandestina , de Clarice Lispector, uma narradora de experiência a “tortura chinesa” a que se submeteu para conseguir Reinações de Narizinho. Parece que valeu a pena: “Era um livro grosso, meu Deus, era um livro para se ficar vivendo com ele, comendo-o, dormindo-o”.

Lobato inaugurou uma nova era na literatura infantojuvenil. Reinações é uma espécie de Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll. Ambos são protagonizados por meninas sonhadoras; no entanto, no livro de Carroll, quando Alice desperta, a fantasia termina; já em Lobato, uma fantasia inunda a vida real. Em sonho, Emília, a boneca de Narizinho, começa a falar desenfreadamente depois de ingerir algumas pílulas. Findo o sonho, a boneca segue falando: realidade e fantasia passam a caminhar lado a lado.

Revista no século 21, a linguagem usada por Monteiro Lobato nas aventuras do Sítio do Picapau Amarelo se revelou racista. Cabe destacar que Lobato escreveu na primeira metade do século 20 e usava como expressões coloquiais da época. Todavia, não se pode desconsiderar que o escritor fez parte de uma sociedade eugenista, da qual participaram outros grandes nomes da época. Essa tomada de posição de Lobato é discutida, por exemplo, nos livros Raça Pura , de Pietra Diwan, e O Cosmopolitismo do Pobre , de Silviano Santiago.

Não é tão fácil quanto parece falar dessas questões na obra de Lobato, pois há nela algo de paradoxal no tocante à raça, à cultura, etc. Se por um lado tia Nastácia é “a negra beiçuda e ignorante”, como o escritor a aula , por outro lado, ela é uma das protagonistas da obra de Lobato e ganhou destaque num livro que confere o seu nome: Histórias de Tia Nastácia .

Na tradução para o espanhol chileno, essas marcas “racistas” e outras “politicamente incorretas” foram adaptadas com o intuito de dar atualidade ao texto. Segundo os tradutores, se uma linguagem e as palavras usadas por Lobato, “naquele momento, 1920, estavam naturalizadas”, hoje “não podem ser aceitas de maneira nenhuma”. Desse modo, tia Nastácia, completa em Reinações como “negra de estimação”, na tradução se tornada “una señora negra muy querida por la família” (uma senhora negra muito querida pela família). Já o “anãozinho” que se candidata a bobo da corte, no Reino das Águas Claras, se transforma em “duendecito” (duendezinho).

Mas os tradutores e a organizadora do volume são honestos com o leitor e esse tema polêmico é tratado tanto no ensaio que assinam, quanto em outro ensaio, de autoria de Alessandra Harden, que também compõe a edição chilena. A tradução pode dar nova vida ao texto ao atualizá-lo ou adaptá-lo à cultura de chegada. Em português, o texto de Lobato também pode ser adaptado, como já o foi, mas ninguém pode apagar o que Lobato de fato escreveu em língua portuguesa.

ESCRITORA, TRADUTORA, ENSAÍSTA E PROFESSORA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DA TRADUÇÃO

CENSURAR A OBRA DE MONTEIRO LOBATO É UMA TOLICE

AUTOR: Rogério Tadeu Romano

DATA ORIGINAL: 30 DE DEZEMBRO DE 2020

FONTE: ESTADÃO

CRÉDITOS: https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/censurar-a-obra-de-monteiro-lobato-e-uma-tolice/

O ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), negou pedido de liminar para suspender a distribuição, em escolas públicas, do livro Caçadas de Pedrinho, de Monteiro Lobato, obra publicada em 1933. O ministro rejeitou pedido do Instituto de Advocacia Racial (Iara), por entendre que não cabe ao Supremo julgar mandado de segurança contra ato do Ministério da Educação (MEC). O instituto alegou que a publicação apresenta conteúdo racista.

O caso começou a tramitar no Supremo em 2011. Uma audiência de conciliação chegou a ser feita pelo ministro, mas não houve consenso entre o MEC e o instituto.

Em 2010, o Conselho Nacional de Educação (CNE) determinou que uma obra Caçadas de Pedrinho não fosse mais distribuída às escolas públicas, por considerar que ela realmente apresentava o conteúdo racista. Em seguida, o MEC recomendou que o CNE reconsiderasse uma determinação. O conselho decidiu, então, anular o veto.

Em decisão recente, o ministro Toffoli determinou que os autos recebidos ao STJ para julgamento.

Fala-se hoje na reedição da obra “A Menina do Narizinho Arrebitado” pela bisneta do autor.

Não se nega a importância da obra de Monteiro Lobato, que perpassa várias gerações.

Uma revisão de Cleo Monteiro Lobato alterar ou suprimir “passagens problemáticas”, como a que se referia a Tia Nastácia como “negra de estimação”.

Bastou para que Sérgio Camargo, o presidente da Fundação Palmares que fez de sua marca a indicação ao movimento negro, fosse às redes sociais para denunciar aquilo como uma “mutilação politicamente correta”. Foi seguido por Mario Frias, secretário da Cultura, que achou a mudança uma vergonha.

Será importante fazer essa censura em trechos considerados racistas numa obra?

O exercício é fútil. A literatura tem, entre suas funções, a de documento histórico de uma época e do pensamento de seu autor. Change trechos, não importa por qual motivo bem-intencionado, causará inevitável distorção do conteúdo.

Não se pode destruir um legado intelectual.

Se assim fosse estaríamos, no Brasil, a destruir, de forma bárbara, músicas como “O seu cabelo não nega”, dentre outras, de Lamartine Babo. Então não vou ler uma obra de Heideger porque ele admirava ideias nazistas? Ora, isso é bestial.

Não se pode analisar o passado com olhar do presente.

Deve-se se examinar uma obra com o olhar dos tempos para a qual foi escrita, dentro de uma visão democrática.

Na democracia há a realidade permanente dialógica. Sem totalitarismo rompe-se o diálogo, aniquilam-se as liberdades. Desconhecem-se direitos.

Num Estado democrático de direito, cuja constituição libertária proíbe a censura, não se pode falar em proibição de divulgação de obra, voltando-se aos tempos de um Estado Autocrático.

Tal seria afrontar a liberdade de pensamento e exposição de uma obra artística.

A liberdade de manifestação de pensamento constitui um dos aspectos externos da liberdade de opinião. A Constituição Federal, no artigo 5º, IV, diz que é livre a manifestação de pensamento, vedado o anonimato, e o art. 220 define que a manifestação do pensamento, sob qualquer forma, processo ou veiculação, não sofrerá qualquer critério, observado o descrito nesta Constituição, vedada qualquer forma de censura de natureza política, ideológica e artística.

Cortar trechos de uma obra histórica a pretexto de defender a sociedade do racismo e exercer um ato que confronta a democracia.

No Brasil, Lobato é atacado desde a década de 1940, quando seus livros eram classificados como propaganda comunista. “Diziam que, com o sítio, ele queria criar o Estado Stalinista”, diz Ilan Brenman, pesquisador da obra de Monteiro Lobato. Segundo ele, Lobato foi acusado até deformar o caráter das crianças. Condenado a seis meses de prisão durante a ditadura de Getúlio Vargas, Lobato foi perseguido pelo então procurador da Província de São Paulo, Clóvis Cruel de Morais, que pediu ao Estado que apreendesse todos os exemplares da obra Peter Pan. “Alegou-se que um texto incutia um sentimento de inferioridade nas crianças brasileiras porque falava bem da Inglaterra”, diz Brenman. Emília era vista como uma ameaça à família brasileira, por subverter a hierarquia numa sociedade patriarcal, em que um menor jamais podia contestar os adultos. A desaforada Emília era a imagem da rebeldia. “Se não tomarmos cuidado, Emília corre o risco de se tornar uma Barbie bem-comportada, de aparência impecável, ou, simplesmente, de ser calada para sempre”, diz Brenman.

Exercer essa patrulha cultural em temos de uma constituição-cidadã, de 1988, é uma tolice, repita-se.

É mais do que isso: é um exercício de “analfabetismo histórico”.

É bom recordar a feliz manifestação da Academia Brasileira de Letras sobre o tema:

“Cabe aos professores orientar os alunos no desenvolvimento de uma leitura crítica. Um bom leitor sabe que tia Anastácia encarna a divindade criadora dentro do Sítio do Picapau Amarelo. Se há quem se refira a ela como ex-escrava e negra, é porque essa era a cor dela e essa era a realidade dos afro-descendentes no Brasil dessa época. Não é um insulto, é a triste constatação de uma vergonhosa realidade histórica ”.

É preciso ter cuidado com o politicamente correto que pode nos dar amarras que sejam intoleráveis. Aliás, essa onda pode nos levar ao abismo, pois nos leva à fuga do razoável.

* Rogério Tadeu Romano, procurador regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado

OBRAS DE MONTEIRO LOBATO PASSAM POR ATUALIZAÇÃO APÓS ACUSAÇÕES DE RACISMO

AUTOR: CLEO MONTEIRO LOBATO

DATA ORGINAL: 08 DE DEZEMBRO DE 2020

FONTE: REVISTA VEJA

CRÉDITO: https://veja.abril.com.br/cultura/obras-de-monteiro-lobato-passam-por-atualizacao-apos-acusacoes-de-racismo/?fbclid=IwAR0A72bc6MwzyWlMYw9IMjCWeNuuJzTu-dZ_EPwzYR9vZOHGQOVXdOEC37M

Há 100 anos, Monteiro Lobato (1882-1948) lançava seu primeiro livro infantil, A Menina do Narizinho Arrebitado. Foi a porta inicial que se abriu para o mundo mágico e popular da turma do Sítio do Picapau Amarelo, onde Narizinho, Emília, Pedrinho, o Visconde de Sabugosa, entre outros personagens, viveram aventuras extasiantes que ultrapassaram, e muito, as fronteiras da área rural em que a trupe fictícia vivia. Este foi o melhor e maior legado que o autor, que é meu bisavô, deixou: o poder de abrir a mente das crianças para o desenvolvimento do seu imaginário, criando a noção de possibilidades, de que com esforço conjunto existem soluções e de que tudo é possível. Esse legado é indelével, mas também não podemos ignorar as mudanças sociais ocorridas desde 1920.

Só tomei consciência de quem era meu bisavô quando tinha por volta de 13 anos, pois meu pai se tornou o representante legal da família e logo depois vieram os contratos com a TV, nos anos 70. Nasci Cleo Campos Kornbluh, filha de Joyce Campos, neta de Lobato, e do judeu polonês Jerzy Kornbluh, sobrevivente do Holocausto. Não tive de conviver com o peso do sobrenome de Monteiro Lobato na infância. Quando isso aconteceu, percebi que não era um fardo. Porém, senti uma necessidade de autoconhecimento, que me levou a mergulhar em sua vida e obra.

Os valores chamados “lobatianos” de pensar, de agir e de se posicionar eram constantes na família — e creio que ecoaram também entre seus leitores. Trata-se do gosto pela leitura, da capacidade de pensamento crítico, do amor à arte, ao desenho e à pintura e de uma imaginação e criatividade poderosas, além do empreendedorismo e do gosto por aventura. Adiciono ainda um maior entendimento da natureza, da oposição ao fanatismo, e da importância da educação.

Foi recentemente, após o falecimento do meu pai, em 2015, quando me inteirei dos assuntos relacionados a Lobato, que soube das acusações de racismo. No início, fiquei chocada, pois quem leu sua obra na minha geração não consegue entender como isso é possível, mas reli os livros e comecei a entender o porquê dessas queixas. Sou historiadora e imigrante (moro nos Estados Unidos há mais de vinte anos), experiência que me permitiu um distanciamento pessoal para analisar as acusações. Assim, digo: é preciso, primeiro, separar Lobato pessoa e Lobato escritor.

Para começar, é necessário contextualizar o momento histórico da época e depois colocar Lobato dentro do momento social em que viveu. Não há como negar que o Brasil foi um país colonizado e que os colonizadores escravizaram índios brasileiros e trouxeram ainda escravos africanos. Essa confluência de raças formou nosso país, nossa consciência, nossas estruturas sociais. E creio que esse cenário é retratado na escrita de Lobato. Essas estruturas têm evoluído à medida que os diferentes grupos sociais percebem a opressão do colonizador original branco e se voltam contra ela.

Eu acreditava no mito de que no Brasil não existia preconceito racial, que somente existia preconceito econômico. Mas hoje entendo que o fim da escravidão e a parca incorporação do negro à sociedade resultaram em um cenário propício ao racismo estrutural, além da desigualdade econômica e educacional. E foi nesse contexto social de debate que, em 2019, as obras de Lobato caíram em domínio público, e diversas editoras e escritores resolveram editá-lo. A discussão de adaptar sua obra tomou vulto, e as acusações de racismo se multiplicaram.

“Frases inadequadas foram mudadas, assim como a representação de alguns personagens”

 

Entre 2000 e 2010 houve uma ação contra o livro Caçadas de Pedrinho, em que o acusavam de ser racista. Ação esta que resultou na decisão de colocar em catálogo que o livro deveria ser mediado por um adulto. Ao reler os livros, concordei com a decisão. As obras infantis de Lobato contêm expressões, frases e descrições que não podem passar, mas que servem para a abrir a discussão sobre o preconceito, entre outros temas. Não há mais espaço para piadas racistas, homofóbicas ou misoginistas. Para mim, não adiantava mais dizer apenas que eu não era racista, eu precisava me posicionar como antirracista. Por isso decidi manter o legado de Lobato vivo, e atualizá-lo para as próximas gerações.

Junto com a editora Nereide Santa Rosa, da Underline Publishing, optamos por relançar as obras de forma atualizada. O primeiro a passar por essa edição, que já está nas lojas e vai ganhar tradução em inglês em dezembro, é justamente Narizinho Arrebitado. O texto está lá, praticamente por inteiro, mas frases inadequadas foram mudadas, assim como a representação de alguns personagens. A popular Tia Nastácia foi modificada cirurgicamente. Retiramos todas as frases que consideramos de cunho preconceituoso, além de dar-lhe uma injeção de “orgulho” através de um novo visual criado pelo ilustrador Rafael Sam. Vale ressaltar que também sou a favor da leitura do texto original, com o uso de notas de rodapé, prefácio e posfácio explicativo — assim, em vez de censurar, abrimos sua obra para debate.

Faço isso, pois, no fundo, ao me aprofundar mais na vida pessoal de meu bisavô através das memórias de minha mãe, Joyce, que conviveu com ele, percebi que Lobato realmente não foi uma pessoa com atitudes racistas. Quando ficou preso por três meses em 1941, por criticar a ditadura do Estado Novo, e sem tratamento especial, ele ficou amigo de todos os presos e rapidamente começou a dar aulas de português, história e geografia, e ensinou a ler e a escrever. À medida que os presos eram soltos, ele escrevia um bilhete com recomendações para que amigos ajudassem o tal preso a arranjar emprego. Não é necessário dizer que os presos, em sua maioria, eram negros, já evidenciando que no Brasil existe e sempre existiu um preconceito estrutural profundo: quem é negro vai para a prisão mais facilmente do que quem é branco. Tem uma citação que diz “viver com igualdade é saber respeitar as diferenças. Respeito não tem cor, tem consciência”. Acredito que essa era a verdade interna do meu bisavô. E esse respeito do outro como ser humano foi passado através das gerações e faz parte da minha essência.

* Cleo Monteiro Lobato é historiadora e curadora do novo projeto de livros atualizados do bisavô

“O PETRÓLEO É NOSSO”, AS DERRADEIRAS PALAVRAS DE MONTEIRO LOBATO

AUTOR: CARLOS RUSSO JR

DATA ORIGINAL: 22 DE NOVEMBRO DE 2014

FONTE: JORNAL OPÇÃO

CRÉDITOS: https://www.jornalopcao.com.br/opcao-cultural/o-petroleo-e-nosso-derradeiras-palavras-de-monteiro-lobato-21532/

No dia 2 de julho de 1948, Monteiro Lo­ba­to concedeu à rádio Record aquela que se­ria a última entrevista de sua vida, a qual encerrou com as palavras: “O Pe­tróleo é Nosso”! Dois dias após, “O Repórter Esso”, na voz de He­ron Domingues, anunciou a morte de um grande brasileiro, desses que surgem poucos a cada geração: “E a­gora uma notícia que entristece a todos: acaba de falecer o grande es­critor e patriota Monteiro Lobato!”

Monteiro Lobato, nascido em Taubaté em 1882, falecia aos 66 anos de idade; o corpo foi velado na antiga Biblioteca Municipal de São Paulo e em seu cortejo fúnebre, que seguiu a pé até o Cemitério da Consolação, havia mais de dez mil pessoas a quais cantavam o Hino Nacional. Compreendiam que Monteiro Lobato representou a seu modo o ímpeto pioneiro, renovador, criador de tantas iniciativas fecundas e ousadas, aventuras pessoais ou coletivas, que formatariam o Brasil moderno.

Advogado sem vocação, seu primeiro emprego foi o de promotor público na cidade de Areias. Depois, teve sua experiência como fazendeiro, quando suas inovações agropecuárias demonstraram-se desastrosas; no entanto, “enquanto o fazendeiro se enterra, o escritor se levanta”, diz seu biógrafo Edgard Ca­va­lheiro, porque os melhores “frutos da fazenda” foram os livretos “Jeca Tatu” (1919) e “Urupês” (1918).

Esses coincidiram com a greve geral de 1917/18, e com a onda de rei­vindicações operárias que se alastrou por todo o país até os anos 1920, e expressavam literariamente os novos anseios populares. No pe­queno volume de “Jeca Tatu” havia uma joia rara se revelava no propósito do autor de que o conto infantil fosse “um instrumento claro de luta contra o atraso cultural de nosso país, contra a miséria e o conservantismo corrupto e corruptor”. “U­rupês”, por seu lado, “era um brado de revolta que não se ouvia desde ‘Os Sertões’, de Euclides da Cu­nha”, no entender de Astrojildo Pereira.

Seguidor de Figueiredo Pi­mentel, o brilhante autor de “Contos da Carochinha“, Monteiro Lobato ficou popularmente conhecido pelo conjunto educativo de sua obra infanto-juvenil, constituindo aproximadamente a metade da sua produção literária.

O êxito dos primeiros contos impulsionou o homem empreendedor a investir com todas as suas forças no mercado editorial. Em uma época em que os livros brasileiros eram editados em Paris ou Lisboa, Monteiro Lobato tornou-se editor, passando a produzir livros no Brasil. Dentro de pouco tempo as edições da Monteiro Lobato e Cia. dominavam o mercado livreiro brasileiro. O voo, entretanto, fora alto demais. Sem nenhum apoio governamental, as grandes oficinas gráficas não suportaram a dificuldade de financiamento e a crise energética que se abatia sobre o Brasil. Lobato enfrentou dignamente a falência de sua Editora em cujos alicerces ele plantaria os da Companhia Editora Nacional.

É depois da primeira experiência com uma editora que ele deixa São Paulo e muda-se para o Rio de Janeiro, onde segue a carreira de escritor.

Em 1927, Lobato realiza um velho sonho: é nomeado adido comercial nos Estados Unidos. Os quatro anos que passará na América do Norte constituirão uma descoberta e um deslumbramento para o caipira de Taubaté: vê o gigantesco progresso americano e o compara com a nossa lentidão colonial. Ao voltar, trará planos grandiosos de salvação econômica para o Brasil. O primeiro deles é a Campanha do Ferro: é preciso “ferrar o Brasil”. A próxima, ainda mais ampla, será a Campanha do Petróleo.

Nos anos 1930 havia interesse o­ficial em se dizer que no Brasil não ha­via petróleo. Monteiro Lobato aliava a literatura e a prédica a atitudes concretas. Na contramão dos in­teresses dominantes, fundou a Companhia Petróleos do Brasil, e graças à grande facilidade com que fo­ram subscritas suas ações, inaugurou várias empresas para fazer perfuração, sendo a maior de todas elas a Companhia Mato-grossense de Pe­tróleo (em 1938), que visava realizar perfurações quase junto à fronteira com a Bolívia, cujo governo na­cionalista já encontrara seu ouro negro.

Em dois livros, “Ferro” (1931) e “O Escândalo do Petróleo” (1936), o escritor documenta os lances dramáticos da duríssima batalha que teve que travar contra a “carneirada” e contra os “moinhos de vento”, movido unicamente pelo afã de prover o Brasil de uma indústria petrolífera independente. O último livro esgotou várias edições em me­nos de um mês. Aturdido, o governo de Getúlio Vargas, o qual era a­cu­sado de “não perfurar e não deixar que se perfure” proibiu “O Es­cân­dalo do Petróleo” e mandou re­colher todos os exemplares disponíveis, naquilo que seria o primeiro lance da longa sequência de escândalos envolvendo o ouro negro brasileiro, que prosseguem até os dias de hoje.

A empolgação de Lobato fez com que ele percorresse todo o país em busca de apoios; a guerra que lhe moveram os governantes, os burocratas e sabotadores dos interesses pátrios, terminou por deixá-lo pobre, doente e desgostoso e, até mesmo, levá-lo ao Presídio Tiradentes, onde como preso político foi confinado por seis meses, naquela mesma cela do Pavilhão n.1, pela qual passariam tantos presos da ditadura militar de 1964.

O certo é que com admirável sentido de luta, Monteiro Lo­ba­to conseguiu sacudir o Brasil de alto a baixo, apontando ao povo brasileiro os caminhos de sua emancipação econômica, lutas que se aprofundariam após a sua morte e que redundaram na fundação da hoje A Petróleo Brasil S/A (Petrobras), empresa criada em 1953, na fase populista do então presidente Getúlio Vargas, impulsionada pela campanha popular iniciada em 1946, sob o slogan de “O petróleo é nosso”.

Mas voltemos a Monteiro Lobato escritor da maior parte das histórias infantis nacionais. Além de Narizinho Arrebitado, uma edição inicial de 50 mil exemplares no ano de 1921, outras tão importantes ou mais foram: “Reinações de Nari­zi­nho” (1931), “Caçadas de Pe­dri­nho” (1933) e “O Pica-pau A­ma­relo” (1939). Os “Trabalhos de Hércules” concluem uma saga de trinta e nove histórias e quase um milhão de exemplares em circulação.

Nesses trabalhos Lobato criou personagens inesquecíveis, que se incorporaram para sempre ao folclore brasileiro. Emília, a boneca de pano com sentimento e ideias independentes; Pedrinho, personagem com que o autor se identifica quando criança; Visconde de Sabugosa, a espiga de milho com consciência e atitudes de adulto; Cuca, a vilã. O folclore do Saci Pererê encontrou sua maior divulgação literária no autor de “Reinações de Narizinho”.

Lobato foi traduzido para diversas línguas como francês, italiano, inglês, alemão, espanhol, japonês, árabe e iídiche.

Em 1926, Lobato concorreu a uma vaga na Academia Bra­sileira de Letras, mas acabou derrotado. Era a segunda vez que isso acontecia. Na primeira vez, em 1921, iria concorrer à vaga de Pedro Lessa, mas desistiu antes da eleição, por não querer fazer as visitas de praxe aos acadêmicos para pedir seus votos. Desta vez, estava concorrendo à vaga do renomado jurista João Luís Alves. Na primeira, recebera um voto no terceiro escrutínio, e, na segunda, dois votos no quarto.

Digno de nota é que Lobato ainda sofreu crítica, censura e perseguição por parte da Igreja Católica. O influente padre Sales Brasil, na primeira fila do reacionarismo da guerra fria, denunciará o livro “História do Mundo Para as Crianças” como sendo o “comunismo para crianças”.

Lobato também provocou outros tipos de polêmicas. Quando publicou “Paranoia ou Mistificação”, a famosa crítica desfavorável à exposição de pintura de Anita Malfatti (na Semana de Arte Moderna de 1922), muitos modernistas passaram a tachá-lo de reacionário, com a notável exceção de Mário de Andrade. Na realidade, a crítica de Lobato era direcionada aos “ismos europeus”: cubismo, futurismo, dadaísmo, surrealismo, que ele denominava de “colonialismos”, “europeizações”, da mesma raiz do “academicismo da geração anterior”. Lobato era a favor de uma arte autenticamente brasileira, autóctone.

É bem verdade que a obra literária de Lobato da década de 1920 continha preconceitos raciais e eugênicos. Ele acreditava que a miscigenação fora um fator prejudicial na formação do povo brasileiro. Seu livro, “O Presidente Negro” (1926), descreve um conflito racial de um tempo futuro, após a eleição de um negro para a presidência dos EUA.

"Em dois livros, ‘Ferro’ (1931) e ‘O Escândalo do Petróleo’ (1936), o escritor documenta os lances dramáticos da duríssima batalha que teve que travar contra a ‘carneirada’ e contra os ‘moinhos de vento’, movido unicamente pelo afã de prover o Brasil de uma indústria petrolífera independente”

“Em dois livros, ‘Ferro’ (1931) e ‘O Escândalo do Petróleo’ (1936), o escritor documenta os lances dramáticos da duríssima batalha que teve que travar contra a ‘carneirada’ e contra os ‘moinhos de vento’, movido unicamente pelo afã de prover o Brasil de uma indústria petrolífera independente”

Posteriormente, com sua aproximação ao comunismo, essa faceta “eugênica” se desfaria. Monteiro Lobato sempre se declarou, co­rajosamente, sim­patizante da Re­volução So­vi­ética; diz o seu bi­ógrafo que “ele ansiava por um socialismo difuso, meio anárquico, meio ro­mântico”. “Não possuía, entretanto, nenhum gosto pela especulação doutrinária e por isso, jamais foi homem de partido, militante político.” Seu contato maior com os comunistas ocorreria a partir de 1941, após o período de confinamento no Presídio Tiradentes, durante a ditadura de Vargas.

Empolgou-se com a luta antinazista da União Soviética na Segunda Guerra Mundial e suas conquistas e vitórias nos campos das ciências, da educação. Jamais escondeu sua admiração e estima por Luís Carlos Prestes e o fazia de modo aberto, a quem lhe perguntasse. Em 1945, no famoso comício do Pacaembu enviou a Prestes uma das mais lindas e humanas saudações. Quando, em 1947, levanta-se uma nova onda de calúnias direitistas e perseguições políticas, de sua pena nascerá a história de “Zé Brasil”, panfleto que percorreu o país de norte a sul, acusando o presidente Dutra de implantar no Brasil uma nova ditadura: o “Estado Novíssimo”.

Sua visão sobre a problemática social ele a resumiria, já sexagenário, da seguinte maneira: “A nossa ordem social é um enorme canteiro em que as classes privilegiadas são as flores e a imensa massa da maioria é apenas o esterco que engorda essas flores. Esterco doloroso e gemebundo. Nasci na classe privilegiada e nela vivi até hoje, mas o que vi da miséria silenciosa nos campos e nas cidades me força a repudiar uma ordem social que está contente com isso e arma-se até com armas celestes contra qualquer mudança.”

Monteiro Lobato foi um dos homens mais íntegros e corajosos que já viveram neste país, um intelectual “à moda antiga”, daqueles que passados quase um século a nossa pobreza ética e intelectual ainda se ressente.

Carlos Russo Jr. é escritor e crítico literário.

LOBATO PRECISA DE DEFESA?

AUTOR: RICARDO ANTÔNIO LUCAS CAMARGO

DATA ORIGINAL: 8 DE MARÇO DE 2011

FONTE: OBSERVATÓRIO DA IMPRENSA

CRÉDITOS: http://www.observatoriodaimprensa.com.br/educacao-e-cidadania/caderno-da-cidadania/lobato-precisa-de-defesa/

Volta à pauta o tema da questão de a leitura de Monteiro Lobato (1882-1948) ser ou não ser uma ‘perigosa propaganda do racismo’ e, desta vez, com o reforço do texto do professor Muniz Sodré, ao falar do ‘racismo afetuoso’, criticando a postura do ministro Fernando Haddad (ver ‘Monteiro Lobato vai para o trono?‘). O curioso é que as expressões de que sempre se servem os acusadores para mostrar o caráter ofensivo aos ‘não-brancos’, em regra, estão no discurso direto, na boca de uma das personagens, a Emília, quando se dirige à Tia Nastácia. Não vou alinhar argumentos que foram deduzidos em outra oportunidade (ver ‘Datas redondas, Gandhi e Lobato‘), mas vou prender-me, sobretudo, ao texto do professor Muniz Sodré e aos comentários que aportaram, estes, efetivamente, mais virulentos.

Deixo bem claro que costumo ler os textos do professor Muniz Sodré e, em muitos pontos, manifesto concordância. Mas não é o caso deste, e é por conta disto mesmo que me sinto no dever de manifestar minha discordância num artigo, e não no espaço reduzido dos comentários. O texto do jornalista Júlio Ottoboni defende Lobato a partir do problema do perigo de se reduzir a sua obra a mera questão racial, contextualizando-a historicamente e recordando episódios como o veto à sua entrada na Academia Brasileira de Letras e o seu apresamento pelo Estado Novo (ver ‘Monteiro Lobato não precisa de buzinadas‘. Meu texto vai no sentido de aproximar mais diretamente os polemistas da obra em si mesma.

Como os personagens veem a Tia Nastácia?

Efetivamente, não é exatamente elogioso a quem quer que seja ser chamado ‘beiçudo’, ‘pretura’ e outros que tais. Mas também não é de ser esquecido que: (1) os adjetivos utilizados aparecem, sempre, num diálogo fictício; (2) os demais personagens, caso demos de barato esta circunstância, são respeitosos com a cozinheira – mesmo D. Benta somente vem a chamá-la de ‘analfabeta’ na Aritmética da Emília, sendo, em todos os outros volumes (e são dezoito, ao todo), extremamente cordial, apesar de patroa; (3) toda vez em que Lobato assume o discurso do narrador, é elogioso para com a negra. Tomemos, especificamente, a obra que rendeu ensejo a toda a polêmica em especial, Caçadas de Pedrinho, na edição da Brasiliense de 1960, em volume que trazia junto Hans Staden: ‘mais corajosa, a negra aproximou-se’ (p. 18), ‘a boa negra’ (p. 59), ‘a boa criatura'(p. 114). Quando não exprime carinho, exprime piedade, não sendo ela mais medrosa ou desajeitada do que sua patroa, D. Benta. Quanto a Emília, que, no conjunto, é uma personagem simpática apesar de politicamente incorreta, eis como ele se refere, quando assume a posição de narrador (no mesmo livro): ‘a terrível bonequinha’ (p. 8 e 27), ‘diabinha’ (p. 103).

E como é que os personagens, mesmo Emília, veem a Tia Nastácia? Em O Minotauro, continuação de O Pica-Pau Amarelo, vão todos à Grécia Antiga para resgatá-la das garras do filho de Pasífae com o touro de Minos. Claro que poderia vir o contra-argumento de que o motivo seria o utilitarismo de não perder a quituteira.

O resgate de tia Nastácia

Mas – recordando, sempre, que estamos diante da ficção, universo em que o autor pode moldar o mundo com uma liberdade, sem blasfêmia, semelhante à de Deus –, vejamos qual a percepção das personagens acerca do dever de resgatá-la (a referência é à edição de 1960):



‘A pobre tia Nastácia, que se distraíra nas cozinhas do palácio com o assamento de mil faisões, perdeu-se no tumulto. Fora atropelada, devorada ou aprisionada pelos monstros? Ninguém sabia.

‘Só depois do desastre é que Dona Benta e os meninos puderam ver o quanto a estimavam. Que choradeira!’ (p. 1).

‘Fique sossegada, vovó. Apesar daquilo lá ser um viveiro de hidras e heróis tebanos, eu aposto em mim mesmo. Hei de ir, ver e vencer – e trazer tia Nastácia, ainda que seja de rastos. A senhora não me conhece, vovó….’

‘Dona Benta, que voltara com Aspásia, fez a apresentação da preta:

‘Está aqui a minha boa amiga extraviada nos fundões da velha Hélade. Pedrinho jurou que a traria e trouxe-a. É um danado esse meu neto’ (p. 251).

‘Os europeus só roncam diante dos fracos’

Muito bem. O que dizia Monteiro Lobato a respeito da escravatura e do colonialismo? Afinal, toda esta movimentação para declarar a sua obra perniciosa – algo que não deixa de guardar uma forte analogia com a campanha que J. Edgar Hoover fez, através de políticos notoriamente reacionários, como Joseph McCarthy e Richard Nixon, contra Chaplin e sua obra cinematográfica – está a partir do pressuposto de que o autor paulista, nosso primeiro autor voltado à literatura infantil, teria estado a serviço de uma propaganda das ideologias racistas do início do século 20 e deveria, para não incidir em inconsequência, trazê-las e comentá-las, nem que fosse para dizer que elas, no seu ver, não diriam o que a literalidade delas dizem:



‘Nem queiram saber, meus filhos, o que foi o célebre `tráfico de escravos africanos´… Virou a maior tragédia da História. A crueldade dos brancos, a cupidez dos civilizados excedeu a tudo quanto se possa imaginar. Pegar negros na África para exportá-los para a América tornou-se o grande negócio dos tempos. […]

A tragédia foi longa mas passou. Os países da América foram libertando os escravos, primeiro este, depois aquele. A Argentina libertou-os em 1813 – foi um dos primeiros e, por isso, está agora gozando a recompensa. O México libertou-os em 1829. Os Estados Unidos, em 1863, e o Brasil em 1888…

`Por último, heim? Que vergonha para nós!´ – comentou o menino.

Sim. Fomos o último povo no mundo a libertar os escravos. Realmente, essa demora em nada nos honra…’ [Geografia de Dona Benta. São Paulo: Brasiliense, 1960, p. 213-5].

‘Os europeus só roncam diante dos fracos. Se o povo é forte, como os americanos ou os japoneses, eles desconversam’ [idem, p. 217].

‘Seu ódio aos negros não se deduz de seu texto ficcional’

A passagem da carta de Lobato a Godofredo Rangel que é referida pelo professor Sodré para comprovar as convicções racistas do escritor sob comentário não prova que sua obra infantil seja propaganda racista, assim como o fato de alguém ter uma opção homossexual não faz, necessariamente, prova de que ele tenha molestado sexualmente uma criança do mesmo sexo, ou o de alguém ser francamente homofóbico não faz, necessariamente, prova de que tivesse participado de um grupo que tenha espancado até a morte um homossexual, ou de alguém ser simpatizante de MST não faz com que tenha participado de ocupação da fazenda X ou Y, ou o de alguém antipatizar o MST não faz com que tenha participado de eventos como o de Eldorado dos Carajás. Prova da convicção não é prova do fato relacionado à convicção. Com efeito, o professor Muniz Sodré refere:



‘Monteiro Lobato era um racista confesso, seu ódio aos negros não é nada que se deduza por interpretação de seu texto ficcional. Mas quase todo o mundo leitor sabe disso. É lamentável fingir inocência ou alegar que o racismo brasileiro é diferente, é `afetuoso´. Aí estão publicadas as cartas ao amigo Godofredo Rangel, em que Lobato se perguntava como seria possível `ser gente no concerto das nações´ com aqueles `negros africanos criando problemas terríveis´. Que problemas? Simplesmente serem negros, serem o que ele chamava de `pretalhada inextinguível´. O escritor sonhou ficcionalmente com a esterilização dos negros (vide O Presidente Negro) e sugeriu, muito antes do apartheid sul-africano, o confinamento dos negros paulistas em campos cercados de arame farpado.’

Mas note-se: ‘seu ódio aos negros não é nada que se deduza por interpretação de seu texto ficcional’. A diferença está visível, aqui. Não é na obra ficcional infantil que se vai encontrar a manifestação do ‘racismo confesso’. E, por outro lado, quem tem uma obra tão prolífica – dezoito volumes para crianças, mais o mesmo número de obras para adultos, entre contos, ensaios – não pode ser julgado por trechos isolados de uma única obra – note-se bem, de ficção.

‘Apagar Lobato da fotografia’

O autor do texto ora comentado reconhece que não são perceptíveis, a uma primeira vista, os laivos racistas, e que o indivíduo tem que querer localizar tal mensagem:



‘Se me perguntassem qual a minha relação pessoal com a literatura infanto-juvenil de Lobato, eu teria de ser honesto e confessar que, ainda menino, no interior do Brasil, era fascinado por suas narrativas. Francamente, eu nunca havia percebido os laivos racistas, que não são tão numerosos assim em sua obra ficcional, mas estão lá para quem se dispuser a bem enxergar.’

Os trechos que transcrevi diretamente da obra de Lobato apontam visivelmente para o desmentido da tese de que sua obra infantil tenha estado a serviço de propaganda racista. Claro que, para os que estão empenhados em visualizar nele um agente deformador das mentes infantis, tais transcrições serão tidas como não feitas, ou então como distorções: mas não estou me dirigindo a estes, que se servem das razões do lobo, contra as quais toda a racionalidade é impotente, fato sobejamente narrado por Esopo, Fedro, La Fontaine e… Lobato. Estou me dirigindo àqueles que, como o professor Muniz Sodré, estão dispostos a alinhar argumentos e a enfrentar os dados de fato que se lhes apresentem com o espírito científico, e não com a fúria da militância. Para os que julgam que o autor do texto com que ora se polemiza se teria alinhado entre os que gostariam de ‘apagar Lobato da fotografia’, é bom transcrever o último parágrafo:



‘Lobato era, sim, um bom escritor, um editor importante, um visionário (sempre acreditou na existência de petróleo no solo nacional), mas também um racista confesso.’

A propósito, uma pergunta: quem foi o primeiro a editar as obras de Lima Barreto, estando este ainda vivo e sofrendo as discriminações por ser mulato?

O NEGRO NAS OBRAS DE MONTEIRO E LOBATO

AUTOR:  Maíra Althoff De Bettio

FONTE: INFO ESCOLA

CRÉDITOS: https://www.infoescola.com/literatura/o-negro-nas-obras-de-monteiro-lobato/

Monteiro Lobato apresentava em suas obras a realidade brasileira, que possuía (e ainda possui) características preconceituosas, ou seja, traços racistas em relação aos negros. Diante deste panorama, muitos consideravam o autor em questão preconceituoso. O que chama muito a atenção nas obras do autor é a ambiguidade, justamente o que gera esta discussão acerca do racismo ou não do escritor.

Particularmente, não vejo Monteiro Lobato como um escritor racista, apenas como alguém que representava a realidade brasileira em suas obras. Se ele assim o fosse, não intitularia uma de suas publicações com “Histórias de Tia Anastácia”, que conta com muitos causos populares e folclóricos, contados oralmente pela própria.

Tia Anastácia, como muita gente sabe, é uma das figuras criadas por Monteiro. Negra, trabalha na casa de uma família matriarcal branca e passa a maior parte do tempo na cozinha. Retomando a publicação que leva o nome da personagem, na qual constam desacatos da Emília (boneca de pano que tem vida) com a empregada, segue um exemplo:

“Parecem-me muito grosseiras e até bárbaras – coisa mesmo de negra beiçuda, como Tia Nastácia. Não gosto, não gosto, e não gosto!”

 

Mas a boneca tagarela não é mal-educada apenas com Tia Anastácia, ela passa dos limites com qualquer pessoa que vá de encontro ao seu gosto. Como continuação do exemplo anterior, na passagem em que Dona Benta (dona do sítio em que trabalha Tia Anastácia) censura Emília, esta retruca mostrando-lhe a língua. Aqui, a hierarquia também está presente, tendo em vista que Emília afronta de maneira diferenciada Dona Benta e Tia Anastácia.

Ao mesmo tempo em que Emília faz pouco caso das histórias que ouve de Tia Anastácia, Pedrinho (neto de Dona Benta) enaltece a cultura popular contada pelos negros:

“As negras velhas são sempre muito sabidas. Mamãe conta de uma que era um verdadeiro dicionário de histórias folclóricas, uma de nome Esméria, que foi uma escrava de meu avô. Todas as noites ela sentava-se na varanda e desfiava histórias e mais histórias”

E o menino ainda conclui:

“Tia Nastácia é o povo. Tudo o que o povo sabe e vai contando de um para outro, ela deve saber. Estou com o plano de espremer Tia Nastácia para tirar o leite de folclore que há nela”

Lobato utiliza características africanas na construção de outro de seus personagens negros, Tio Barbabé (que também é um sábio dos costumes populares e do folclore), e reconhece a importância desta influência africana na cultura brasileira. Além disso, o autor – no conto “Negrinha” – denuncia crueldades presentes no escravismo.

Fonte:
A Figura do Negro em Monteiro Lobato, por Marisa Lajolo. Disponível em: http://www.unicamp.br/iel/monteirolobato/outros/lobatonegros.pdf

 

LOBATO NÃO ERA RACISTA

AUTOR: ANTONIO SILVIO LEFÉVRE

DATA ORIGINAL: 08 DE JANEIRO DE 2021

FONTE: FOLHA DE SÃO PAULO

CRÉDITOS: https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2021/01/lobato-nao-era-racista.shtml

 

No começo de 1945, quando a ditadura Vargas já andava enfraquecida, Monteiro Lobato ao falou repórter Tulman Neto, do jornal "Diário de São Paulo". Uma entrevista foi por escrito, pois Lobato não confiava nos jornais. Afirmava que insistiam em publicar “asneiras” atribuídas a ele. Só dava revelou redigidas de próprio punho. Certa vez, adicionou a seguinte carta ao diretor da Folha da Manhã:

“Por acaso me chegou às mãos um recorte da Folha da Manhã, de 15 do corrente, com um tal telegrama do Rio no qual se transmite uma 'entrevista' minha. Li e corei. Desnaturações do pensamento, vulgaridades, chatices. E esta coisa me assombrou: 'Finalizando, disse Monteiro Lobato, vai melhorar o Brasil. Antigamente só elegiam esses sujeitos ossudos, soturnos, ou bojudos, têm horríveis, mal-encarados, convencidos etc. '”

Monteiro Lobato

Monteiro Lobato

E contínuo: “Por mais que eu lesse e relesse o recorte inteiro, fiquei na dúvida sobre a substância que enche a cabeça desse repórter. Venho, pois, declarar que a tolice não é minha ea tal entrevista desnaturada é tão chata e vulgar que a ideia que me vem é a seguinte: o que acima de tudo precisa melhorar no Brasil é a qualidade dos repórteres de seus jornais. Peço ao senhor diretor a inserção desta nota a fim de que meus amigos não fiquem a supor que já estou completamente gagá ”.

Setenta e cinco anos depois, em 27 de dezembro de 2020, a Folha cometeu outra falha, muito mais grave, expressa num editorial sob o título “ O racismo de Lobato ” e o subtítulo “Mostras claras de preconceito nas obras infantis devem ser contextualizadas, não suprimidas ”.

Endossando a visão de alguns dos “politicamente corretos” de hoje, que acusam Lobato de racismo por causa de uma ou outra frase dos personagens do "Sítio do Picapau Amarelo" em que a Tia Nastácia é chamada de “negra”, o editorialista ignora que são diálogos de um livro infantil, repleto de provocações, em especial por parte da desbocada boneca Emília. Levar isso ao pé da letra, como se fosse manifestação de racismo por parte do autor do livro, revela uma profunda e total ignorância sobre a obra de Lobato.

Livros de Monteiro Lobato

Livros de Monteiro Lobato

Quem leu todos os livros do "Sítio" na infância, como eu, sabe muito bem que não tem neles nada de racismo. Pelo contrário, um personagem Nastácia é apresentada como uma pessoa sábia, de enorme simpatia. E, ao chamá-la de “negra de estimação”, Lobato deixa claro que se opunha cabalmente a qualquer preconceito.

Mas o pior de tudo no editorial da Folha foi uma frase final, que obrigou a uma obra infantil de Lobato, considerada como racista, deva deixar de ser lida pelas crianças. Assemelhando-se a uma sentença do Tribunal da Inquisição, o editorial termina dizendo :: “Ora, se uma obra reflete uma sensibilidade ultrapassada, é natural que seja logo esquecida”.

Eu sou um legítimo “filho de Lobato”, conforme José Roberto Whitaker Penteado tão bem estudantes em seu livro a influência marcante do escritor nas gerações seguintes. A essa influência geracional se soma o fato de meu pai ter sido amigo e médico de Lobato, e eu mesmo ter interpretado o Pedrinho na primeira série de TV do "Sítio do Picapau Amarelo" (TV Tupi SP, 1954).

E hoje sou próximo e amigo de Cleo Monteiro Lobato, bisneta do autor, que está reeditando os livros do "Sítio", eliminando ou substituindo a palavra “negra” para evitar que os “corretinhos” de hoje julguem Lobato racista, quando o objetivo de Lobato era exatamente o oposto. Ele foi um ativo militante antirracista, e não um racista .

Novas edições de Monteiro Lobato

Novas edições de Monteiro Lobato

Algo me diz que se Lobato estava vivo ele escreveria novamente à Folha , dizendo algo semelhante ao que afirmou em 1945, cujo texto me permito adivinhar:

“Por mais que eu lesse e relesse o editorial inteiro, fiquei na dúvida sobre a substância que enche as cabeças do autor desse texto. Venho, pois, declarar que a tolice não é minha, ea ideia que me vem à cabeça é a seguinte: o que acima de tudo precisa melhorar no Brasil é a qualidade de muitos de seus jornalistas. Peço ao senhor diretor a inserção desta nota a fim de que meus amigos não fiquem a supor que eu já estava completamente gagá nos anos 1930 e 1940, a ponto de virar racista e da Folha mandar meus livros para a fogueira da Inquisição. ”.

Mauricio de Sousa ilustra 'Caçadas de Pedrinho'

Mauricio de Sousa ilustra 'Caçadas de Pedrinho'

Ah, a boneca Emília, que tudo percebe antes dos outros, me apontou o que ela descobriu como razão para o ataque da Folha a Lobato: “É que dois 'bolsominions' ignorantes, um tal de Sérgio Camargo e um tal de Mario Frias, ambos achando que Lobato era de direita, o estão defendendo e dizendo que ele não era racista. Então, como a Folha é contra o Bolsonaro (aliás, com toda razão), mas, por ignorância, não sabe que Lobato era de esquerda, achou que tinha que divergir dos 'bolsominions' e chamar Lobato de racista. Cada um mais bobo que o outro, não é, Pedrinho? ”

Eu, Pedrinho, espero que a Folha faça um mea-culpa para evitar que o próprio jornal, um dia, venha a ser colocado no índice por um governo de direita ou de esquerda, já que não sabe distinguir os dois lados e acusa um pensando ser o outro.

 

MONTEIRO LOBATO E O RACISMO

AUTOR: JUCA DE OLIVEIRA

FONTE: ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS

CRÉDITOS: http://www.academiapaulistadeletras.org.br/artigos.asp?materia=1868

Monteiro Lobato é um dos maiores escritores brasileiros. A ele devemos parte da nossa formação, instigados que fomos por suas reflexões sobre o homem e a sociedade. Através de suas histórias infantis, fábulas contadas por personagens inesquecíveis, ele conseguiu reunir numa família pouco convencional, suscetível à opinião das crianças e favorável ao avanço da sociedade, os elementos fundamentais para a assimilação da nossa evolução social. Em 1916 Lobato enviou uma carta a Godofredo Rangel manifestando a vontade de "vestir à nacional" as fábulas de Esopo e La Fontaine". Isso porque ele já sabia que as crianças guardavam na memória as suas fábulas para reconta-las aos amigos e delas deduzir a respectiva e inestimável lição moral. Portanto separar mecanicamente duas ou três malcriações de Emília comTia Nastácia e delas extrair uma justificativa para o nascimento do racismo entre os brasileiros é uma grande tolice. O radicalismo é fútil e insustentável. As alas radicais têm a tendência de tomar a parte pelo todo, incapazes de analisar o conjunto e generalizar.

Quando fiz o Otelo de Shakespeare em 1982, no Teatro de Cultura Artística, em determinada fase dos ensaios nos preocupou muito a possibilidade de não estarmos examinando corretamente a questão do racismo nessa tragédia. Othello é um general negro e se casa com Desdêmona, branca e filha de Brabâncio, rico senador veneziano. Deveríamos – quem sabe -enfatizar determinadas falas ou fazer alterações no texto a fim de realçar a pele negra do Otelo? Depois de muita discussão, resolvi consultar o grande Jorge Dória, um dos maiores atores brasileiros e grande conhecedor da estrutura dramática de uma peça. Dória me ouviu com atenção e me deu a solução definitiva, que a partir daí passei a usar em todas as minhas incertezas éticas: – "Olha, Juca, quando você tiver alguma dúvida sobre a comportamento da personagem ou o desenvolvimento correto da encenação, pergunte a você mesmo: – "O que é que o Maracanã acha? – ".

Claro, Dória, na sua sabedoria de gênio, estava certo! O público do Maracanã manifesta sempre uma ruidosa opinião sobre os fenômenos sociais. Otelo estava integrado a esse público. Não mexemos em nada, mantivemos o texto integral e o espetáculo se tornou um grande sucesso. É o que sugiro aos radicais do "politicamente correto" na questão Monteiro Lobato: "vocês devem fazer a seguinte pergunta ao Maracanã: – "Maracanã, me responda, devemos proibir Monteiro Lobato nas escolas por suas manifestações racistas? "

E eles irão ouvir do Maracanã lotado um uníssono e ensurdecedor NÃO!!!

SÓ QUEM NÃO LEU OU NÃO ENTENDEU LIVROS DE LOBATO PODE JULGÁ-LOS RACISTAS

AUTOR: JORGE COLI

FONTE: FOLHA DE SÃO PAULO

CRÉDITOS:https://www1.folha.uol.com.br/colunas/jorge-coli/2019/02/so-quem-nao-leu-ou-nao-entendeu-livros-de-lobato-pode-julga-los-racistas.shtml

Não se deve ter medo de livros. De nenhum livro. Muito menos dos livros infantis de Monteiro Lobato .

As consciências puras de nosso tempo eam condenando seus escritos por racismo . Creio, em primeiro lugar, que deveríamos separar o autor e a obra. A complexidade na arte é sempre maior do que no artista. Mas esta é uma outra história, muito comprida, que não cabe aqui. Quero, agora, trazer sobre o racismo nos livros infantis de Lobato.

Encasquetaram com “Caçadas de Pedrinho”, em que aparece uma frase: “Tia Nastácia, esquecida dos seus numerosos reumatismos, trepou que nem uma macaca de carvão pelo mastro de São Pedro acima”.
Algumas defesas bem-intencionadas dizem que é preciso “contextualizar na época”. Não acredito nessa solução.

Novas edições de Monteiro Lobato

Novas edições de Monteiro Lobato

Lobato inoculou o pensamento crítico a toda uma geração, a dos que têm hoje entre 50 e 80 anos. Lembro-me de Benedito Nunes, cuja inteligência filosófica nos faz tanta falta, mostrando-me, comovido, sua coleção do “Picapau Amarelo” guardada em lugar de honra.

São livros que abalam todos os confortos intelectuais. Têm horror à autoridade e à obediência. No Sítio, ninguém manda nem obedece: “Emília, respeite os mais velhos! – ralhou dona Benta. – A senhora me perdoe, – disse a pestinha – mas, cá para mim, isso de respeito nada tem com a idade. Eu respeito uma abelha de um mês de idade que me diga coisinhas sensatas —mas se Matusalém vier para cima de mim com bobagens, pensa que não boto fogo na barba dele? Ora, se boto! ”.

This é uma passagem de “Histórias de Tia Nastácia”. Lobato era fascinado pelas culturas afro-brasileiras, ao contrário dos modernistas que prolongaram o culto do indianismo romântico no século 20. Traz para o público infantil como histórias contadas por Tia Nastácia, que ele buscou em Sílvio Romero.

Graças ao Tio Barnabé, negro que mora entre o sítio e a floresta, faz os meninos serem conduzidos pelo Saci, um ser sincrético, mas fortemente carregado de taxas africanas, no mundo tenebroso das lendas.

Foi Tia Nastácia quem fez, fabricou, crioula Emília. É Nastácia a grande vencedora do Minotauro. Nastácia que tem a última palavra no malfalado “Caçadas de Pedrinho”: “Negro também é gente, sinhá …”.

Nem todos lembram que o primeiro livro publicado por Lobato foi, em 1918, “O Saci-Pererê: Resultado de um Inquérito”, a partir de uma pesquisa promovida por ele, fascinado que era pelo personagem.

'O Saci', de Monteiro Lobato

'O Saci', de Monteiro Lobato

Esquecem-se de “Negrinha”, conto tremendo, de crueldade dolorosa, sobre uma pequena órfã negra de sete anos, pouco tempo depois de 13 de maio, um testemunho do abandono no qual foram deixados os ex-escravos : “O corpo de Negrinha era tatuado de sinais, cicatrizes, vergões. Batiam nele os da casa todos os dias, houvesse ou não houvesse motivo ”.

Lobato era um iluminista e acreditava na racionalidade. Mas sabia que os homens são contraditórios. Por isso, no “Sítio”, os personagens são tão diferentes entre si.

Odiava o angelismo, que deixa insossos muitos livros infantis e que transformou as adaptações na televisão —exceto as velhíssimas, na TV Tupi, por Júlio Gouveia— em bobagem conformista.

Lobato não evitava uma crueldade. Um de seus livros mais assustadores é “A Chave do Tamanho”. Nele é uma frase de Lobato que mais me marcou: “A humanidade forma um corpo só”. Sem hierarquias. Quando uma parte sofre, é o corpo inteiro que sofre.

Seus livros levam as crianças a descobrir que o mundo nunca foi um mar de rosas. Emília é “sem coração”, como diz o Visconde, assinalando o caráter tirânico, ávido, cruel da boneca, capaz de surrupiar o que não é dela. Ela retruca: “Dizem todos que não tenho coração. É falso. Tenho, sim, um lindo coração —só que não é de banana. Coisinhas à toa não o impressionam; mas ele dói quando vê uma injustiça ”. Os dois, Visconde e Emília, estão certos, porque ninguém é sem contradições.

Só quem não leu ou não compreendeu os livros infantis de Lobato pode julgá-los racistas. Não ensinam o moralismo sentimental. Antes, induzem à crítica, ao exame, à independência do pensamento individual e autônomo.

Dona Benta não tem autoridade por ser adulta —chega a virar uma tartaruga de óculos, em “Reinações de Narizinho”. Mas o que ela faz é instilar no leitor o conhecimento ativo, interrogador, inconformado, sedento. Nisto está o gênio insuperável de Lobato.

Suas obras caíram agora em domínio público . Boa nova. Que as crianças —sejam lá de que origem principal— se apaixonem por elas. Mais do que nunca, é de pensamento livre que precisamos.

GRIPE ESPANHOLA FEZ MONTEIRO LOBATO ASSUMIR A REDAÇÃO DO ‘ESTADÃO’ EM 1918

AUTOR: EDAÇÃO, O ESTADO DE SÃO PAULO

DATA ORIGINAL: 04 DE JANEIRO DE 2021

FONTE:  ESTADÃO

CRÉDITOS:https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,gripe-espanhola-fez-monteiro-lobato-assumir-a-redacao-do-estadao-em-1918,70003569786?utm_source=estadao%3Aapp&utm_medium=noticia%3Acompartilhamento&fbclid=IwAR0M39fpxyIBduK_kfH_xFEzWbmBuvCz4Cgg81cQ3qL-QRTdM6vknrjKwY0

Estadão comemora nesta segunda-feira, 4, 146 anos de fundação. Lançado em 4 de janeiro de 1875, uma segunda-feira, como esta, com nome de A Província de São Paulo, contava com uma tiragem de 2.025 exemplares, em quatro páginas, uma delas dedicada aos anunciantes. O título O Estado de S. Paulo foi anunciado na edição de 18 de novembro de 1889, conforme comunicado de capa daquele dia: “Em consequencia da mudança radical havida no Governo da Nação Brazileira”, assim grafado logo após a Proclamação da República.

Ao completar 120 anos, em 1995, o jornal passou a ter também uma edição online e, atualmente, vive intensa transformação digital iniciando a contagem regressiva rumo a seu sesquicentenário, 150 anos, sempre com foco na modernização de processos de produção e divulgação de jornalismo de qualidade, marca histórica do jornal.

“Nossas audiências poderão conferir ao longo deste ano uma série de inovações, certamente um dos processos de transformação mais profundos dos 146 anos de história do Estadão”, disse João Caminoto, diretor de Jornalismo do Grupo Estado. “A contagem regressiva para os 150 anos será marcada por essas mudanças que, aliadas aos valores do jornal, reforçam a nossa parceria com a sociedade brasileira em busca de um Brasil melhor para todos.”

A transformação digital começou em 2017. No ano passado, com apoio da consultoria McKinsey, o processo do Estadão 3.0 foi acelerado em razão da pandemia da covid-19, situação que já levou a uma ampla revisão interna do jornal, com jornalistas e outros funcionários passando a trabalhar em home office na produção e publicação de notícias.

Agora, o jornal entra em 2021 reforçado por um ambiente de divulgação multiplataforma de informação, com foco no site estadao.com.br e no aplicativo, ampliando e diversificando na internet a já consagrada carteira de publicações do jornal em papel.

De acordo com Leonardo Contrucci, diretor-executivo de Estratégias Digitais do Grupo Estado, “nesta fase do Estadão 3.0 teremos um novo processo de produção de conteúdo centrado no leitor, levando uma experiência diferenciada no consumo de notícias nas mais variadas plataformas do grupo. E sempre com nosso propósito de gerar impacto positivo na vida das pessoas e do País”.

A inovação é uma das marcas importantes dessa longa história. Um ano depois de sua fundação, o jornal lançava uma das muitas novidades que marcariam a sua trajetória. Em 23 de janeiro de 1876, com o distribuidor francês Bernard Gregoire vendendo a publicação montado em um cavalo, o jornal iniciava a pioneira venda avulsa de exemplares pela cidade. A inovação entraria também para a história da cidade de São Paulo, então com cerca de 30 mil habitantes. No Estadão, o cavaleiro se tornaria o símbolo.

Desde a fundação, o Estadão noticiou e teve atuação decisiva nos principais fatos da cidade, do País e do mundo. Passadas a abolição da escravidão e o início do regime republicano, causas que defendeu em suas páginas, o jornal, além de informar, protagonizaria momentos importantes da História.

A abolição da escravidão, 13 anos após a fundação do jornal, foi um dos grandes acontecimentos históricos noticiados naquele fim de século 19. “Já não há mais escravos no Brazil. A lei n.3353 de 13 de maio de 1888 assim o declara no meio de festas que se estendem por todo o paiz, para a honra e glória desta nação da América”, dizia o texto “A Pátria Livre”, publicado em 15 de maio de 1888.

Nesse mesmo ano, o nome de Julio Mesquita, que começara a trabalhar na Província três anos antes, aparece pela primeira vez como diretor do jornal do qual se tornaria o único proprietário. Ele passa a comandar e a transformar a publicação, modernizando processos, formatos e linguagem, alçando o jornal a uma das maiores referências do jornalismo nacional e internacional.

No ano seguinte, a proclamação da República renderia outra edição histórica. A capa grafada apenas com os dizeres “Viva a República” sobre fundo branco é considerada até hoje uma ousadia do design gráfico.

A República ainda dava seus primeiros passos no final do século 19 quando o jornal foi o responsável por enviar Euclides da Cunha como repórter especial para cobrir a Guerra de Canudos, no sertão baiano, em 1897. Essa experiência como repórter atuando no conflito serviu como base para o escritor conceber o clássico da literatura Os Sertões.

Já no século 20, um outro conflito, a 1.ª Guerra Mundial, colocou o jornal na vanguarda do jornalismo – uma edição noturna, apelidada de Estadinho por causa do tamanho em formato menor, atualizava as informações e trazia uma análise contextualizada e apurada. A cobertura analítica de Julio Mesquita em textos publicados durante a Primeira Guerra Mundial é considerada por estudiosos como referência para a compreensão do conflito. A inovação da edição extra – desta vez vespertina – se repetiria anos depois com o relançamento do Estadinho na 2.ª Guerra Mundial.

Nas suas páginas, a cada dia, os mais variados intelectuais e jornalistas escreveram textos que mudariam o curso da história. Monteiro Lobato, outro ícone da literatura nacional, teve os primeiros textos publicados no jornal. O poeta Guilherme de Almeida escreveu por vários anos a coluna Cinematographo, noticiando e analisando a exibição dos primeiros filmes mudos até a chegada das vozes, cores e sons que transformaram o cinema. Exemplos como esse se estendem por outras áreas como esporte, cultura, comércio, economia, política e educação.

Da Revolução Constitucionalista de 1932 à criação da Universidade de São Paulo, o jornal continuou com uma história marcada pela defesa de temas relevantes para a sociedade e o País.

Em períodos diferentes, o Estadão resistiu aos arbítrios de regimes ditatoriais, sendo tomado por cinco anos pela ditadura Vargas e sofrendo uma feroz censura nos anos de chumbo da ditadura militar, quando denunciou a violência contra a liberdade de expressão publicando poemas de Camões no lugar das notícias proibidas.

Retomada a liberdade democrática a partir dos anos 1980, o Estadão continuaria a publicar reportagens que mudariam o rumo do País, ao mesmo tempo que aprimorava a sua capacidade de explorar as novidades tecnológicas – foi pioneiro no noticiário em tempo real com o Broadcast, um dos primeiros veículos jornalísticos na internet e nas redes sociais – para ampliar o alcance de seus conteúdos de interesse público nos mais diferentes formatos, do papel ao digital.

MONTEIRO LOBATO NÃO ERA RACISTA! EU, PEDRINHO, GARANTO!

AUTOR: ANTONIO SILVIO LEFÈVRE

DATA ORIGINAL: JANEIRO DE 2021

FONTE: CHUMBO GORDO

CRÉDITOS: https://www.chumbogordo.com.br/36234-monteiro-lobato-nao-era-racista-eu-pedrinho-garanto-antonio-silvio-lefevre/

Lamentável editorial da Folha de S. Paulo deste domingo 27/12, sob o título “O racismo de Lobato” e o subtítulo “Mostras claras  de preconceito nas obras infantis devem ser contextualizadas, não suprimidas”.

A respeito da polêmica que, há alguns anos, vem sendo levantada por alguns “politicamente corretos” que veem racismo nos livros infantis de Monteiro Lobato, por causa de uma ou outra frase dos personagens do Sítio do Picapau Amarelo, chamando a Tia Nastácia de “negra de estimação” ou termos assemelhados onde consta a palavra “negra’, o editorialista parece ignorar que se trata de diálogos de um livro infantil, repleto de provocações, em especial por parte da desbocada boneca  Emília. Levar isso ao pé da letra, com se fosse manifestação de racismo por parte do autor do livro revela uma profunda e total ignorância sobre a obra de Lobato.

Quem leu todos os seus livros na infância, como eu, sabe muito bem que não tem neles nada de racismo. Pelo contrário, a personagem Nastácia é apresentada como uma pessoa sábia, de enorme simpatia. E as menções ao fato de uma personagem tão positiva ser de cor negra são, ao contrário, uma demonstração de que Lobato se opunha cabalmente a qualquer preconceito vigente em sua época em certas mentes saudosas do tempo da escravatura.

Tivesse Lobato algo contra os negros teria escrito, em 1935, o seu livro O Presidente Negro, este para o público adulto, como que adivinhando ou mesmo desejando que os Estados Unidos um dia tivessem um Obama como presidente?

Fosse Lobato racista teria ele a enorme admiração pelos judeus, expressa em  vários textos seus, antes da Grande Guerra e do Holocausto, quando o anti-semitismo ainda era aceito em certos círculos de direita? (Veja meu artigo sobre Lobato e os judeus).

Cleo Monteiro Lobato, sua bisneta, me garante, por tudo que ouviu e vivenciou em sua família, através de sua mãe, Joyce Monteiro Lobato, que Lobato nunca teve o mais leve traço de racismo, nem contra os negros, nem contra qualquer outra raça ou origem.

Ao contrário, era extremamente anti-racista, de mente aberta. Meu pai também, Antonio Branco Lefèvre, que foi médico e amigo de Lobato, bem como todos os amigos comuns que ele teve com o autor, nunca levantaram a menor suspeita de racismo. E é sempre bom lembrar que Lobato foi muito próximo da intelectualidade  da época, que era em sua maioria de esquerda. E que ele editou toda sua obra pela Brasiliense, cujo dono, Caio Prado Junior, nunca escondeu sua ligação com o PCB, o famoso “partidão”. E se há  uma coisa da qual não se pode acusar os comunistas de então é de terem sido coniventes com o racismo… (Veja meu artigo Manda chamar o Brecheret)

Sim, é verdade que, de  uns tempos para cá, a moda do “politicamente correto” transformou qualquer menção à cor da pele em pecado mortal, prova de racismo. A tal ponto que houve uma tentativa (felizmente mal sucedida) de excluir o livro “As Caçadas de Pedrinho” da lista dos distribuídos às escolas por uma alusão considerada  racista à mesma Tia Nastácia…

Consciente de que esse radicalismo “bom mocista”  da atualidade estava criando constrangimentos à leitura de Lobato para alguns pais das crianças de hoje, sua bisneta Cleo, que desde 2018 trabalha para divulgar a obra e a memória do bisavô, tomou a iniciativa de lançar uma nova edição do clássico Narizinho através da Underline Publishing, junto com Nereide Santa Rosa. Nesta nova edição Nereide e Cleo decidiram conjuntamente fazer mínimas alterações, substituindo o qualificativo “negro” em algumas frases e mantendo o máximo do texto original.

Como explicita Cleo Monteiro Lobato, “basicamente cada vez que Lobato escreve “a negra”, colocamos o nome da personagem: Tia Nastácia.  A frase “negra de estimação”, na época usada para significar que a pessoa era muito amada ou estimada, foi substituída por “amiga de infância” pois esse sempre foi meu entendimento da relação de Dona Benta e Tia Nastacia”.

Pois não é que sua iniciativa, que tem como objetivo tornar os textos de Lobato isentos de qualquer conotação negativa, para voltarem a ser lidos e amados pelas crianças de hoje, despertou uma verdadeira revolta entre certos “puristas”, que passaram a criticar a Cleo e advogar para “manter a integridade dos textos, conceitos, ideias e sonhos de Lobato que estão sendo deturpados, censurados e malversados em nome de uma pretensa atualização de seus livros”? (objetivo declarado dos “conservadores” reunidos no grupo do Facebook Filhos de Lobato).

“Discordamos que seja uma reformulação da obra, pois tentamos ao máximo deixar Lobato intacto, no conteudo e no estilo”, escreveu Cleo. E eu, Pedrinho,  acrescento que o espírito lobatiano sempre foi o de estar o mais atualizado possível, a cada momento da sua vida. Tanto que nas várias edições de seus livros ele ia sempre modificando textos e ilustrações, em função da percepção de seus leitores e críticos. Com base neste critério “purista” de não alterar uma vírgula do que escreveu Lobato, para adequá-lo ao tempo presente, ele mesmo poderia ser acusado de “deturpação” das edições originais de seus próprios livros por alguns desses “críticos” atuais.

Os livros infantis de Lobato foram publicados também em quadrinhos e traduzidos para grande número de línguas estrangeiras, nas quais quem garante que foi “mantida a integridade dos seus textos”?. Sem falar nas adaptações para a TV, na primeira das quais eu interpretei o Pedrinho.  Se Lobato estivesse vivo não tenho dúvida de que ele faria, sim, muitas atualizações e adaptações em seus textos como fez nos livros infantis de autores estrangeiros que traduziu para o português.  Talvez muito mais até do que as poucas atualizações que foram feitas no brilhante trabalho da sua bisneta Cleo, para eliminar termos com uma conotação que hoje é vista por alguns como racista, embora nunca o tenha sido.

Lobato era um homem brilhante e aberto, sempre à frente do seu tempo. Por isso foi tão apoiado e festejado pela intelectualidade progressista brasileira que o defendeu com força contra a direita cristã e reacionária, que rejeitava seus conteúdos e punha seus livros no “index”, por considerá-los ateus e materialistas.  Eu vivi esse “preconceito cristão” contra Lobato na própria pele, desprezada que foi minha atuação como Pedrinho na TV tanto no colégio protestante onde estudei, o Mackenzie, quanto no acampamento católico onde passava as férias, o Paiol Grande.

Honrar a obra infantil de Lobato é olhar para a frente, para o progresso, para a liberdade de pensar, como ele fazia, sem medo da censura, tendo como alvo a compreensão e o amor das crianças de hoje. E não fazer de seus livros apenas objeto de estudos acadêmicos, recheados de notas de rodapé, “contextualizando” a linguagem da época. Transformando-os  assim em peças de um museu e fazendo do próprio Lobato uma múmia.  Como aliás sugere o editorial da Folha, quando escreve que “as crianças escolham outra coisa para ler” e completando com este “finale” trágico. “Ora, se uma obra reflete uma sensibilidade ultrapassada, é natural que seja logo esquecida.”

Curiosamente, entre os “puristas” que são contra qualquer alteração nos textos infantis de Lobato destacam-se dois membros do clã bolsonarista: Sergio Camargo, o Presidente negro da Fundação Palmares que afirma nunca ter havido preconceito contra os negros no Brasil e chegou a elogiar a escravidão… e Mário Frias, secretário da Cultura que substituiu o nazista Roberto Alvim e que por enquanto só fez deixar a Cinamateca às traças e tentar acabar  com a Lei Rouanet. Aposto que nenhum dos dois jamais leu Lobato na infância e ambos desconhecem totalmente que a direita cristã sempre foi contra o “ateu Lobato”. Pela lógica direitista eles deviam advogar, como a Folha, para que a obra integral de Lobato, “coisa de comunista”, seja logo enterrada.

Monteiro Lobato sobreviverá, sim, a todos os ratos e abutres que rondam a sua grandiosa obra, Pedrinho garante e a boneca Emilia deixa claro que irá puxar os cabelos e quiçá o rabo de todos eles se continuarem a falar bobagens e tentar atrapalhar o acessso de mais gerações de crianças ao Sítio do Picapau Amarelo.

 

LIVRO DE MONTEIRO LOBATO GANHA VERSÃO SEM EXPRESSÕES CONSIDERADAS RACISTAS

AUTOR: JULIO BOLL

DATA ORIGINAL: 07 DE DEZEMBRO DE 2020

FONTE: GZH

CRÉDITOS: https://gauchazh.clicrbs.com.br/cultura-e-lazer/livros/noticia/2020/12/livro-de-monteiro-lobato-ganha-versao-sem-expressoes-consideradas-racistas-ckiezckri007u017waq6bi72d.html?fbclid=IwAR2iaCh7p4fSlqEZ0k-Qen9_u0ixsDzMWDTJLYGXDY0jwvCv-kHMJ96pv9A

Logo na primeira página de A Menina do Narizinho Arrebitado, em sua edição de 1920, Monteiro Lobato  (1882-1948) descreve Tia Nastácia como uma "negra de estimação". Um século depois, essa adjetivação ficou para trás. Na semana passada, o livro ganhou uma nova versão como Narizinho Arrebitado: Reinações de Narizinho – Livro 1 (Underline Publishing, 35 páginas, R$ 34,99), organizada por Cleo Monteiro Lobato, bisneta do escritor, que modificou termos considerados racistas por estudiosos. Agora, a personagem é descrita apenas como "a amiga de infância de Dona Benta".

— O amor e o respeito, valores tão presentes neste e em outros livros do meu bisavô, somem com aquelas descrições antigas. Arrepia. Pessoas disseram que não tem nem condições de ler para os netos. Foi aí que começamos a mexer na obra para que a gente possa fazer as contações das histórias — explica Cleo, em entrevista a GZH.

Além de outras adaptações, o livro ganhou ilustrações de Rafael Sam que, em trabalho conjunto com Cleo, trouxe novas cores e novos desenhos para os personagens. A boneca de pano Emília, por exemplo, ganhou trancinhas mais coloridas (chegando a ter tons de roxo), e Tia Nastácia agora tem um turbante — tudo com a intenção de promover uma maior diversidade nas figuras eternizadas por gerações.

Lançamentos

Esse processo de readaptação da narrativa ganhou força a partir de 2015, após a morte do pai de Cleo, o judeu polonês Jerzy Kornbluh, que era casado com Joyce Campos, neta de Lobato. Historiadora e morando nos Estados Unidos há mais de 20 anos, Cleo viu os textos do bisavô ganharem domínio público e, com isso, veio a preocupação de registrar esse legado. Primeiro, ela produziu um site temático em que narra toda a construção das obras, descreve personagens e traz outras curiosidades. Além disso, críticas e pedidos de pais nas redes sociais, que ficavam incomodados em ler Lobato nas cabeceiras das camas dos filhos, tomaram força.

— Através de relatos de familiares, posso afirmar e reafirmar que ele não era racista. Ele sempre respeitou todos, independentemente de sua cor. O "problema" é que ele sempre foi muito questionador e nos ensinava a pensar, o que nem sempre foi bem visto — reitera Cleo.

Sobre o atual contexto social, a bisneta acredita que o escritor empregava seus valores a favor da sociedade. É isso que a motiva a promover as mudanças nas obras do antepassado.

— Acredito que o meu bisavô ia continuar contra as queimadas, o aquecimento global e falando contra todo governo autoritário e populista. Ele estaria nessa linha de frente, porque tudo isso sempre esteve ali em seus textos — finaliza Cleo.

Além do relançamento brasileiro, Narizinho Arrebitado ganha uma versão em inglês. No ano que vem, segundo Cleo, será a vez de O Sítio do Picapau Amarelo e O Casamento de Narizinho serem repaginados, nos dois idiomas e também com desenhos de Rafael Sam.

 

BISNETA AFIRMA: “MONTEIRO LOBATO NÃO ERA RACISTA”

AUTOR: RAFAEL BRAZ

DATA ORIGINAL: 04 DE DEZEMBRO DE 2020

FONTE: A GAZETA

CRÉDITOS: https://www.agazeta.com.br/colunas/rafael-braz/bisneta-afirma-monteiro-lobato-nao-era-racista-1220

Cleo Monteiro Lobato carrega o bisavô, motivo de muito orgulho, no sobrenome. Por isso, agora resolveu homenagear os 100 anos do lançamento do primeiro livro infantil dele, “A Menina do Narizinho Arrebitado”. Considerada uma das obras mais importantes da literatura brasileira, o livro foi lançado em dezembro de 1920.

Para comemorar a data, um evento on-line será realizado entre esta sexta-feira (4) e domingo (6). A programação tem conteúdos exclusivos, mesas de debate sobre a obra de Monteiro Lobato, podcasts, conteúdos de arte… Conteúdo para todos os gostos. As inscrições gratuitas podem ser realizadas em lobato.com.vc ou no site narizinho100anos.com .

De sua casa nos EUA, onde mora desde 1997, Cleo se sentou comigo para um papo sobre o evento, o legado do bisavô e como tão faladas questões raciais que têm sido foco de análise na obra de Monteiro Lobato nos últimos anos.

“Ele não era uma pessoa racista”, afirma Cleo, para completar em seguida: “mas vivia numa sociedade racista. Era uma pessoa boa, amorosa, que tratava todos bem ”. Com o relançamento do material lançado pelo bisavô no início do século passado, ela revela estar revendo expressões e termos utilizados na época, mas que hoje não têm espaço na sociedade. A mãe de Cleo, vale ressaltar, conviveu próxima ao avô até os 18 anos.

“Se você olhar aqui (mostra uma página do livro original), personagens como Narizinho, Emília e Dona Benta mudaram muito ao longo do tempo, a Tia Anastácia não. Por que isso? É um ponto do racismo estrutural da sociedade ”, pondera. “Quero construir a obra do Monteiro Lobato para lidar com essa questão do racismo estrutural no Brasil. Aqui nos EUA essa discussão já está muito mais avançada e organizada ”, conta.

Cleo conta que, via Instagram, mostra que existe uma demanda para a obra de Monteiro Lobato nos EUA. Muitos imigrantes brasileiros, hoje na casa dos 40 anos, querem introduzir a literatura “lobatiana” em seus filhos até como maneira de alfabetização em português, um idioma do qual as crianças acabam se esquecendo um pouco.

“A obra do Lobato atravessa os anos. É por isso que foi importante para as gerações e funciona até hoje como porta de entrada na literatura, como foi pra mim e pra você ”, defende Cleo.

Junto com o ilustrador e quadrinista Rafael Sam, Cleo reinventou o visual dos personagens, que ganharam cores vivas e um ar bem moderno. “Eu sempre senti falta das ilustrações. Era uma criança lendo e imaginando, mas queria mais revelação. Agora a gente tem ”, diz Cleo enquanto mostra a página para a câmera. O estilo mistura a magia cultura brasileira com o estilo mais Disney.

Página do livro

Página do livro "A Menina do Narizinho Arrebitado". Crédito: Rafael Sam / Monteiro Lobato Projetos Culturais

“A Menina do Narizinho Arrebitado”, obra em que Emília começa a falar, será apenas o primeiro lançamento realizado por Cleo e Nereide Santa Rosa, da Editora Underline. Juntas, elas planejam para 2021 mais três livros: “O Sítio do Picapau Amarelo”, “O Marquês de Rabicó” e “O Casamento de Narizinho”.

Toda a programação do evento “Narizinho 100 anos” por ser conferida no site narizinho100anos.com . O evento terá palestras e debates com nomes como Pedro Bandeira, Sonia Travassos e Renata Codagan. Além disso, no campo “Exposição”, há várias diferentes sobre os personagens, com áudios de seus autores explicando cada obra.

 

CENTENÁRIA, NARIZINHO É REPAGINADA POR BISNETA DE MONTEIRO LOBATO

AUTOR: Guilherme Simmer

DATA ORIGINAL: 06 DE DEZMEBRO DE 2020

FONTE: METRÓPOLES

CRÉDITO: https://www.metropoles.com/entretenimento/literatura/centenaria-narizinho-e-repaginada-por-bisneta-de-monteiro-lobato?fbclid=IwAR1SLnuv6qN2WAvZgsb33bNa8BIdnVpIAa0EYHVRPFJDd3UsMHJ4NAPOn_I

Pedrinho, Emília, Dona Benta, Visconde de Sabugosa e Narizinho são personagens que fizeram parte da infância de muitos brasileiros, seja pelos livros ou mesmo pelas adaptações para televisão de O Sítio do Picapau Amarelo. Marco da literatura infantil no país, as histórias de Monteiro Lobato tiveram seu pontapé inicial com A Menina do Narizinho Arrebitado, que completou 100 anos de sua publicação nessa sexta-feira (4/12).

Uma das mais famosas personagens brasileiras, Narizinho vai ganhar uma repaginação de suas histórias e ilustrações em comemoração de seu primeiro centenário. Através de parceria de Cleo Monteiro Lobato e a editora Nereide Santa Rosa, o livro A Menina do Narizinho Arrebitado, marco da literatura infantil do Brasil, vai ser relançado em português e em inglês.

Em entrevista ao Metrópoles, Cleo, que é bisneta de Monteiro Lobato, contou que a atualização do livro surgiu da ideia de tentar popularizar as história de Narizinho nos Estados Unidos e fazer com que as mensagens do Sítio voltassem a preferência das crianças brasileiras – que perdeu força nos últimos anos com a ascensão das produções norte-americanas no país.

“O Brasil tem uma fascinação pelo o que é americano, então aceitam e gostam com mais facilidade. Já aqui nos EUA, o povo não olha para o que está fora. Então se não tiver uma visual americano, meio ‘disneyano’, eles não aceitam. Eu acho que o texto com as ilustrações novas fazem essa ponte do brasileiro o transformando em universal”, contou Cleo.

Antes de dar início ao processo de atualização e tradução do texto, a curadora lançou um desafio em seu perfil no Instagram para incentivar ilustradores brasileiros a reimaginar os personagens do Sítio do Picapau Amarelo. O concurso foi vencido pelo recifense Rafael Sam, com uma releitura da foto dos Beatles, mas ao invés dos membros bandas, estão Visconde, Cuca, Emília e Saci.

Narizinho, Emilía e os demais personagens do sítio ganharam novas versões 

Cleo Monteiro Lobato é bisneta do autor Divulgação

De acordo com Cleo, a ideia foi manter de forma mais fiel possível a obra original de Monteiro Lobato, mas foi preciso fazer algumas alterações na linguagem utilizada na época, que tinha termos e frases de cunho racista, em referência a Tia Nastácia, por exemplo.

“Foi um processo interessante. Não dá para gente ficar isolado, sabe? A evolução social acontece e estamos vivendo ela. Na hora que eu fui publicar em português nós encontramos algumas coisas, que optamos por deixar para gerar debate, porque se não íamos desvirtuar a obra e Lobato sempre foi polêmico, até para criança”, explicou.

“O livro vai ser usado para quem quiser, os pais, professores para discutir. Mas o que não dá mais era a caracterização da Tia Nastácia. Na época alguns termos, como ‘Sinhá’, eram usados e elas não devem ser usadas hoje, nossa evolução social já passou desse ponto”, completou.

Popularização nos EUA

Além da versão em português, Cleo vai lançar, também, através da editora Underline Publishing, situada na Flórida, uma versão em inglês. O objetivo é atingir tanto a população de imigrantes brasileiros, quanto apresentar as histórias de Monteiro Lobato aos americanos.

“No processo de descobrir o público alvo nos EUA, descobri que era principalmente uma galera brasileira, imigrante, que tem por volta dos 40 anos e que tinha visto as histórias na televisão, mas não tinha lido. E que estavam querendo passar essa brasilidade, essa conexão com o Brasil aos filhos, além de ensinar português. Eu estava querendo traduzir, mas o público queria em português (risos)”, pontuou.

Além das mudanças sociais da versão em português, a atualização em inglês contou com algumas alterações para ambientar o público norte-americano, mas ao mesmo tempo apresentar a cultura e o folclore brasileiro. Para isto, ela contou com ajuda da historiadora Rose Lee Hayden.

 

“Eu queria muito manter Monteiro Lobato, manter essa brasilidade o máximo possível. Ela (Rose) me ajudou bastante a entender a cabeça do americano e, assim, mudamos algumas coisas como algumas expressões e onomatopeias”, explicou Cleo, que ainda ressaltou a opção por não traduzir os nomes das personagens para o inglês, mantendo da mesma forma que é no Brasil. “É o nariz mais bonito do mundo”, brincou.

DIVULGAÇÃO

 

Junto ao lançamentos dos livros – a versão brasileira já está sendo vendida e a em inglês estará disponível para compra a partir da semana que vem na Amazon – acontece até o próximo domingo (6/12), um evento on-line com debates, podcasts e leituras das obras de Lobato em comemoração aos 100 anos do lançamento de A Menina do Narizinho Arrebitado.

Cleo adiantou, que atualizações de outras obras estão em andamento: “Em 2021, lançaremos mais três livros: O Sítio do Picapau Amarelo, O Marquês de Rabicó e O Casamento de Narizinho. Comecei a traduzir a segunda história também para o inglês”.

 

Por fim, a bisneta de Lobato falou sobre a expectativa de manter a obra do bisavô viva. “Eu espero que Monteiro Lobato continue sendo lendo pelos próximos 80, 100 anos. Acho que essas pequenas adaptações vão facilitar muito para as histórias continuarem vivas”, disse.

“As edições originais vão continuar sendo vendidas, mas agora os professores e pais vão poder escolher. Além disso, algumas obras de Lobato estão sendo traduzidas para o alemão e o espanhol, então acho que está tendo um renascimento das histórias e gostaria que ele continuasse sendo lido por, pelo menos, os próximos 100 anos”, encerrou.

 

CEM ANOS DO LIVRO DE NARIZINHO, DE MONTEIRO LOBATO, É COMEMORADO COM EVENTO

AUTOR: Adriana Izel

DATA ORIGINAL: 04/12/2020

FONTE: CORREIO BRAZILIENSE

CRÉDITOS: https://www.correiobraziliense.com.br/diversao-e-arte/2020/12/4892950-cem-anos-do-livro-de-narizinho-de-monteiro-lobato-e-comemorado-com-evento.html?fbclid=IwAR1oQTg3c8LLuL0J7rAAifsZxV8cCbMmWPld9hDJftakHsvWzkD3X75OtqU

Em dezembro de 2020, celebra-se o centenário do livro A menina do narizinho arrebitado, a primeira obra infantil de Monteiro Lobato. A publicação nasceu como um conto até que se transformou num livro completo, sendo o pontapé para Reinações de Narizinho, de 1931, que deu origem ao Sítio do Picapau Amarelo. Para comemorar a marca, a bisneta de Monteiro Lobato, Cleo Monteiro Lobato, promove um evento on-line e gratuito, intitulado 100 anos de Narizinho, que começa nesta sexta-feira (4/12) e segue até domingo (6) com programação sempre das 11h às 22h.

 

"Começou com uma simples ideia. O Instagram me conectou com muitas pessoas ligadas à obra de Monteiro Lobato", explica Cleo em entrevista ao Correio. Na web, ela conheceu os trabalhos de Carol Pimentel e Mônica Martins sobre os centenários de Emília e Narizinho, além de especialistas no cânone do bisavô, como designer Magno Silveira, a pesquisadora Sônia Travassos e a ilustradora Mari Salmonson.

Conectada com essas pessoas, veio a iniciativa de juntar todo mundo num evento virtual, em virtude de pandemia de covid-19 e também pelo fato de Cleo morar desde 1997 nos Estados Unidos. A iniciativa tem curadoria de Cleo Monteiro Lobato ao lado de Mari Salmonson, artista plástica e ilustradora; Mônica Martins, escritora e curadora; e Sônia Travassos, especialista em literatura infantil e em Monteiro Lobato.

Programação

A programação é composta por contação de histórias e mesas redondas que envolvem a temática da obra de Monteiro Lobato, desde os personagens, as traduções, a relação com a educação e até as mudanças que a narrativa teve ao longo dos anos. Na lista de convidados, tradutores, ilustradores e pesquisadores do material do autor, além de grandes nomes da cultura lobatiana, como Pedro Bandeira, Luciana Sandroni e José Roberto Whitaker Penteado.

 

Cleo Monteiro Lobato

A própria Cleo participará de alguns bate-papos. Na sexta, às 14h, ela estará ao lado de Carol Pimentel e Mari Salmonson para falar da coletânea em HQ de contos ilustrados por mulheres em comemoração aos 100 anos de Emília. Depois, às 16h30, ela relata a experiência na tradução da obra do bisavô na mesa "Traduzindo Reinações de Narizinho", com participação de Vanete Santana-Dezmann e Letícia Goellner.

No sábado, às 14h, ela conduz um bate-papo sobre a evolução dos personagens do Sítio do Picapau Amarelo ao lado de Magno Silveira e Mari Salmonson. Às 19h, ela estará com Monica Martins, Mari Salmonson e ilustrações para falar sobre a recriação das cenas do livro original na mesa intitulada "100 anos de Reinações".

Já no domingo, às 14h, Cleo Monteiro Lobato faz o lançamento de Narizinho arrebitado: Reinações de Narizinho — Livro 1, que ganha edição em inglês e em português. A primeira traduzida por Cleo e a segunda adaptada por ela, com glossário para palavras em desuso e mudanças em relação ao tratamento da personagem Tia Nastácia, muitas vezes chamada na versão original apenas de "a negra". A obra é um lançamento da Underline Publishing. Participam da mesa Nereide Santa Rosa, que a ajudou na tradução, e Rafael Sam, ilustrador. No encerramento do evento, Cleo estará de volta com Magno em "Narizinho e Emília e seus ilustradores originais".

A publicação marca uma série de lançamentos comemorativos de Reinações de Narizinho, que ocorrerão entre 2021 e 2022, com Sítio do Picapau Amarelo sendo lançado na semana Monteiro Lobato em abril e Marquês de Rabicó e o casamento da Narizinho no Dia das Crianças em outubro. As demais obras ficarão para 2022. "Decidi fazer um livro pequeno, fácil da criança segurar e ler. Mas o livro (original) é enorme. Fizemos a primeira história e depois vamos lançar as outras", revela Cleo Monteiro Lobato.

Programação completa 100 anos de Narizinho

4 de dezembro
11h às 12h – Contação de história: A Costureira das Fadas e O Vestido Maravilhoso. Com Cristina Villaça e Eliza Morenno
14h às 16h – Mesa redonda: Emília 100, uma coletânea de contos ilustrados por mulheres reais. Com Carol Pimentel, Cleo Monteiro Lobato e Mari Salmonson
16h30 às 18h – Mesa redonda: Traduzindo Reinações de Narizinho. Com Vanete Santana-Dezmann, Letícia Goellner e Cleo Monteiro Lobato
19h às 21h – Mesa redonda: A importância sócio econômica, política e cultural de ‘A Menina do Narizinho Arrebitado’ e ‘Reinações de Narizinho’. Com Marisa Lajolo, Cilza Bignotto, Alex Gomes e Sônia Travassos

5 de dezembro
11h às 12h – Contação de história: No Palácio e Tom Mix. Com Augusto Pessoa. As Formigas Ruivas e outras histórias de Reinações de Narizinho. Com Daniela Fossaluza
14h às 16h – Mesa redonda: Dona Benta, Tia Nastácia e seus ilustradores. Com Magno Silveira, Cleo Monteiro Lobato e Mari Salmonson
16h30 às 18h – Mesa redonda: Reinações de Narizinho na Escola: como desenvolver projetos literários com este clássico?. Com Vanessa Camasmie, Renata Codagan, Ilan Brenman e Sônia Travassos
19h às 21h – Mesa redonda: 100 Anos de Reinações. Com Monica Martins, Cleo Monteiro Lobato, Mari Salmonson e ilustradores

6 de dezembro
11h às 12h – Contação de história: A Pílula Falante. Com Silvia Queiroz e Wagner Cavalleiro
14h às 16h – Mesa redonda: Lançamento de A Menina do Nariz Arrebitado por Cleo Monteiro Lobato. Com Cleo Monteiro Lobato, Nereide Santa Rosa e Rafael Sam
16h30 às 18h – Mesa redonda: Fantasia e Realidade Sem Fronteiras e um Novo Olhar Para a Infância. Com Pedro Bandeira, Eliana Yunes, Luciana Sandroni, Antonella Catinari, Sônia Travassos
19h às 21h – Mesa redonda: Narizinho e Emília e Seus Ilustradores Originais. Com Magno da Silveira, Cleo Monteiro Lobato

SERVIÇO
100 anos de Narizinho
De 4 a 6 de dezembro, das 11h às 21h. On-line e gratuito. Informações e inscrições em https://narizinho100anos.com/.

 

BISNETA DE MONTEIRO LOBATO QUER APAGAR O RACISMO DE SUA OBRA COM NOVAS EDIÇÕES

AUTOR: LEONARDO SANCHEZ

DATA ORIGINAL: 01 DE DEZEMBRO DE 2020

CRÉDITOS: FOLHA DE SÃO PAULO, SÃO PAULO

FONTE: https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2020/12/bisneta-de-monteiro-lobato-quer-apagar-o-racismo-de-sua-obra-com-novas-edicoes

Um dos cânones da literatura infantil brasileira completa, neste mês de dezembro, cem anos. Escrito por Monteiro Lobato, “A Menina do Narizinho Arrebitado” introduziu o universo do “Sítio do Picapau Amarelo” e agora suscita não só comemorações, mas também debates fervorosos em torno do autor, considerado racista por alguns leitores e estudiosos , e uma reedição de sua obra, adaptada por sua própria bisneta, Cleo Monteiro Lobato.

Adaptada porque esta não se trata de uma reimpressão do texto original, com adendos e novo prefácio, como já ocorreu em outras reedições, mas de uma reformulação da obra, com exclusões e mudanças de trechos e personagens sendo representados de maneiras diferentes, menos problemáticas.

Tudo para entrar em sintonia com as críticas de que o escritor paulista teria maculado a inocência das aventuras da boneca Emília ao incutir concepções preconceituosas e estereotipadas em seus livros.

Tia Nastácia, uma mulher negra que trabalha no sítio, “trepa que nem uma macaca de carvão” em específica passagem do original, por exemplo. Mas não mais nesta reedição, que vem na esteira de uma série de celebrações do centenário e é atrelada à publicação de uma tradução da obra para o inglês .

Confira as ilustrações do livro 'Narizinho Arrebitado', de Monteiro Lobato

Confira as ilustrações do livro 'Narizinho Arrebitado', de Monteiro Lobato

“Eu acho que há passagens problemáticas para quem lê os livros hoje em dia. A gente queria uma versão atualizada, cujo teor fosse compatível com os valores sociais contemporâneos, mas que mantivesse o estilo do Lobato ”, diz Cleo, a bisneta do autor. “Eu queria que essa versão provocasse essa discussão que provocou, que não é sobre o Lobato, mas sobre o racismo estrutural no Brasil. Essa é a intenção. ”

Cleo refuta o termo censura ao falar das mudanças feitas à obra e lembra que o bisavô foi responsável por traduzir diversos clássicos infantis para o português, como “Alice no País das Maravilhas”, mas não sem os adaptar, de forma incisiva, para o público brasileiro.

“A obra hoje está em domínio público. Nós não a desvirtuamos, porque a original continua lá, existindo e disponível ”, diz ela. “Se eu tenho a possibilidade de me posicionar de maneira positiva [por meio dos livros], eu escolho a mudança.”

A ideia de tomar essa liberdade criativa veio depois que Cleo notou diversos conhecidos ou fãs de Monteiro Lobato que teve dificuldade em ler a obra para crianças, já que, vez ou outra, era preciso interromper a narrativa para explicar termos e representações ofensivas —principalmente aquelas direcionadas a Tia Nastácia.

Mas, mesmo assumindo que alguns aspectos na obra não estão em concordância com os tempos atuais, Cleo é assertiva ao dizer que o bisavô não era racista e que os trechos problemáticos de sua obra também não são. É um posicionamento polêmico e complicado, ela assume, afirmando que é preciso ter um entendimento total da vida e da obra de Monteiro Lobato para opinar sobre o assunto.

“O que eu noto é que quem leu tudo, luta fervorosamente contra as acusações de racismo. Quem pega uma carta, um livro e analisa por um prisma estreito, enxerga o Lobato oposto ”, diz Cleo, sobre documentos escritos pelo autor em que ele faz menção positiva à Ku Klux Klan e às ideias eugenistas de seu tempo.

Monteiro Lobato ao lado da família, em foto de dados desconhecida

Monteiro Lobato ao lado da família, em foto de dados desconhecida – Arquivo Pessoal

Monteiro Lobato não é o primeiro —e nem será o último— artista com obras submetidas a intervenções cirúrgicas. Se no caso do pai de Emília o procedimento parece invasivo demais, em outros ele é mais comedido.

Sem audiovisual, avisos de que as ideias e representações observadas em alguns filmes são datadas , discriminatórias e que refletem o pensamento predominante de uma outra época se transformados, diante do ressurgimento de obras antigas em plataformas de streaming.

É esse tipo de mea-culpa que acompanhado, por exemplo, diversas animações disponíveis na plataforma Disney +, como “Peter Pan” e “A Dama e o Vagabundo”, e o clássico “ … E o Vento Levou”, agora no catálogo do HBO Max , hoje indisponível no Brasil.

“Eu entendo a decisão tomada pela família, mas a minha posição seria de que vale a pena fazer, no máximo, alterações ortográficas, em relação à língua, e manter a obra em si tal qual ela está”, diz Mário Augusto Medeiros da Silva , professor de ciências sociais da Unicamp e que se debruça sobre a área da literatura.

“Que o leitor seja beneficiado com uma nota prévia, um prefácio, um texto analítico para que faça suas próprias ponderações, embora eu entenda que a adaptação é uma saída que ela [Cleo Monteiro Lobato] encontrou para se adequar aos novos tempos.”

Segundo o escritor acadêmico, é importante compreender Monteiro Lobato inserido no contexto em que viveu, também enquanto cidadão e não só como. Segundo ele, limpar esse aspecto de sua vida e obra é uma opção da família, mas que ofusca a trajetória e como contradições do autor.

“Isso não apaga o editor, o homem preso pelo Estado Novo, o nacionalista que lutou pela Campanha do Petróleo, o criador de uma literatura infantil no Brasil. Mas também faz parte dele ser pensado como um autor que não foi tão além de seu tempo, um tempo racista. Nenhum artista deve ser tratado de maneira sagrada, todos estão envolvidos com as questões de seu tempo, e é saudável que os leitores saibam disso. ”

“Eu não defendo censurar e também não concordo com o apagamento de sua obra —e mesmo essa limpeza dessa nova versão pode ser lida como apagamento, o que precisa ser debatido. Mas uma atitude antirracista talvez mais seria inserir um estudo crítico a respeito da obra e, então, deixar para o leitor tomar suas posições ”, conclui.

Monteiro Lobato

Monteiro Lobato

 

“A MENINA DO NARIZINHO ARREBITADO” COMPLETA 100 ANOS E RECEBE EVENTO ONLINE EM COMEMORAÇÃO.

Em 2020 acontece o centenário do primeiro livro infantil de Monteiro Lobato, “A Menina do Narizinho Arrebitado”, uma obra que mudou completamente a literatura infantil brasileira. Para celebrar esse marco, acontecera em dezembro deste ano o “100 anos de Narizinho”, um evento online dinâmico e interdisciplinar.

Contando com a curadoria de Cleo Monteiro Lobato, idealizadora do projeto e bisneta de Monteiro Lobato, Mari Salmonson, artista plástica e ilustradora amante da cultura e das lendas brasileiras, Mônica Martins, escritora e especialista em Monteiro Lobato e Sônia Travassos, especialista em literatura infantil e contadora de histórias, o evento terá ainda a participação de outros grandes nomes da cultura lobatiana, como Pedro Bandeira, Luciana Sandroni, José Roberto Whitaker Penteado, entre outros.

Assim como o livro celebrado, o evento traz luz aos personagens da obra e àqueles que a amam. O “100 anos de Narizinho” se adequará ao momento em que estamos vivendo, trazendo conteúdos exclusivos com mesas de debate, podcasts, lives, ilustrações, cultura, muita interação e conhecimento.

O evento acontecera nos dias 4, 5 e 6 dezembro de 2020 e espera-se que todos os fãs de “A Menina do Narizinho Arrebitado” participem e possam se reunir no evento que vem para exaltar o livro e inspirar leitores e escritores de todas as idades.

Você pode obter informações e spoilers sobre 100 anos de Narizinho nas redes sociais oficiais do evento: @lobatocomvc. As inscrições são gratuitas e podem ser realizadas pelo site lobato.com.vc.

O caso Monteiro Lobato: por uma outra literatura infanto-juvenil brasileira

AUTOR: PALOMA FRANCA AMORIM

DATA ORIGINAL: 25 de jan de 2021 às 18:50

FONTE E CRÉDITOS: https://operamundi.uol.com.br/cronica/68260/o-caso-monteiro-lobato-por-uma-outra-literatura-infanto-juvenil-brasileira

Em algumas rodas de escritores corre a anedota, dizem, de que existe um purgatório para as obras que caem em desuso e esquecimento editorial no país, e que Monteiro Lobato está sempre na boca do guichê quando alguém o salva com mais um novo projeto a partir da coleção de O Sítio do Pica-Pau Amarelo, então ele volta ao rabo da fila e fica mais algumas décadas marinando, não sem desconforto, o aguardo do próprio ostracismo.

Na última década, Monteiro Lobato viu autores e autoras negras, que estavam no purgatório, ressurgirem na vida literária brasileira, Maria Firmina dos Reis, o próprio Lima Barreto que ele mesmo editou nas primeiras décadas do século XX, Carolina Maria de Jesus, Dalcídio Jurandir, Lélia Gonzalez, dentre outros, e se assustou: como pode ser possível que esses, ainda poucos, negros sejam encorajadamente divulgados no contexto literário brasileiro? O que estará acontecendo no Brasil contemporâneo?

A campainha toca, Lobato é salvo novamente, dessa vez com uma reedição d'O Sítio na qual são suprimidas as falas racistas, Emília por exemplo nunca mais dirá que Tia Nastácia é negra por dentro mas branca fora, nunca mais dirá que é uma preta beiçuda ou até mesmo que lhe falta inteligência por causa da cor da pele.

Foi-se a violência racial contra Nastácia, mas por tabela, foi-se também Emília, afinal, o comportamento mais elogiado da boneca-gente é o que os críticos chamaram e chamam até hoje de atrevimento. Ora, esse atrevimento pode ser detectado através de suas ações preenchidas de ousadia e de suas palavras duras para com aqueles que preconizem alguma ordem de advertência ou de interdição aos seus desejos.

Nastácia, junto a Dona Benta, sua patroa, a quem a empregada alegremente chama de "Sinhá", sugerem a organização cotidiana e os pilares da educação e do bem-estar das crianças no Sítio, são a gota de realidade em contraste à presença de sacis, da cuca e das mitologias clássicas, universo onde Emília reina absoluta. O que chama a atenção é o fato de que no questionamento da realidade Nastácia é alvo da conduta racista de Emília e não de sua atitude transgressora como gesto de modificação, aliás, talvez para Emília, Nastácia e os demais pretos do Sítio sejam os únicos elementos que devam permanecer na mesma posição, uma vez que são os sustentáculos materiais das aventuras possíveis dos netos da Sinhá que vêm da capital para curtir as férias maravilhosas propiciadas somente pelo cenário fantástico da zona rural.

 

Lobato: uma discussão infindável, porém necessária

AUTOR: CLEO MONTEIRO LOBATO

DATA ORIGINAL: JANEIRO DE 2021

FONTE: https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2021/01/lobato-uma-discussao-infindavel-porem-necessaria.shtml?utm_source=whatsapp&utm_medium=social&utm_campaign=compwa

O editorial "O racismo de Lobato", publicado nesta Folha em 27 de dezembro último, afirma que a discussão sobre a presença de racismo na obra de Monteiro Lobato é infindável —e concordo. Quem quiser ver racismo nos seus livros pode sempre os encontrar.

Mas discordo absolutamente da conclusão de que a obra deva ser esquecida. Monteiro Lobato é o pai da literatura brasileira infantil, além de ser uma das mais importantes figuras históricas nacionais.

Seus livros infantis estão no imaginário e no emocional deste país há mais de 60 anos. Os benefícios de se ler Lobato, hoje em dia, continuam enormes. A leitura de Lobato gera crianças com imaginação fértil, que passam a ser amantes da leitura, atuantes, contestadoras e com pensamento crítico. Lobato abre as portas de possibilidades infinitas em nossas vidas.

Não desejo simplesmente “ajustar a obra para nenhum ideal político”, como diz o editorial, mas sim absolutamente influenciar positivamente o pensamento das próximas gerações de leitores pelos próximos cem anos, assim como meu bisavô fez com as gerações passadas.

Também concordo quando o editorial afirma que não se deve simplesmente apagar os trechos problemáticos de uma obra e sim usá-los para iniciar discussões de temas atuais. Por isso, junto com a minha editora Nereide Santa Rosa, da Underline Publishing, decidimos colocar um prefácio explicativo dirigido aos pais e educadores convidando-os a fazer exatamente isso —além de, ao final do livro, um glossário sobre as alterações feitas e as definições dos termos em desuso.

Os livros do meu bisavô, com sua revisão final de 1947, continuarão à venda pela Globo, editora autorizada pela família, desde 2007, a publicá-los. Em 2019, a obra do escritor caiu em domínio público e qualquer editora pode, desde então, publicá-la, alterando-a com notas explicativas, como já foi feito diversas vezes.

E agora, com a minha nova adaptação em português e a tradução para o inglês, os pais têm também a opção de lerem para seus filhos livros onde Tia Nastácia é tratada como todos os outros personagens, com respeito e dignidade. Essa mudança é claramente presente nas ilustrações de Rafael Sam, ilustrador recifense, a quem eu pedi para criar a Tia Nastácia do jeitinho que ele gostaria de mostrá-la para seus filhos.

CRÉDITOS E FONTE: https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2021/01/lobato-uma-discussao-infindavel-porem-necessaria.shtml?utm_source=whatsapp&utm_medium=social&utm_campaign=compwa

MONTEIRO LOBATO DA MINHA INFÂNCIA Cresci sentindo imensa compaixão por Tia Nastácia

Autor: ITAMAR VIEIRA JUNIOR

Data Original: janeiro 2021

Fonte: https://piaui.folha.uol.com.br/materia/monteiro-lobato-da-minha-infancia/

A polêmica obra de Monteiro Lobato voltou ao debate público porque sua bisneta acaba de lançar uma adaptação de Narizinho Arrebitado, uma das onze histórias que integram o livro Reinações de Narizinho. A iniciativa atualiza as ilustrações originais, dando à trama uma identidade visual mais próxima ao nosso tempo. Tia Nastácia, por exemplo, deixa seu habitual figurino para ser representada de turbante, bata e colar de búzios pelos traços de Rafael Sam. O principal motivo da adaptação de Cleo Monteiro Lobato é fazer com que seu bisavô seja descoberto pelos mais jovens. Para tanto, ela suprimiu da versão anterior trechos que hoje soam racistas. Assim, a frase “a boa negra deu uma risada gostosa, com a beiçaria inteira” virou apenas “Nastácia deu uma risada gostosa”.

O racismo nas obras de Lobato tem sido alvo de intensa discussão nos últimos anos e atingiu seu ápice com o parecer técnico de 2010, do Conselho Nacional de Educação, sobre outro livro do escritor, Caçadas de Pedrinho. O documento recomendava a sua utilização em sala de aula apenas “quando o professor tiver a compreensão dos processos históricos que geram o racismo no Brasil”, de modo a acolher os diversos segmentos populacionais que formam a sociedade brasileira, em especial os negros.

 

BISNETA DE MONTEIRO LOBATO EXCLUI PASSAGENS RACISTAS EM ADAPTAÇÃO DE CLÁSSICO

AUTOR: Anna Gabriela Costa

DATA ORIGINAL: 2 DE DEZEMBRO DE 2020

FONTE: CNN BRASIL

CRÉDITOS: https://www.cnnbrasil.com.br/entretenimento/2020/12/02/bisneta-de-monteiro-lobato-exclui-passagens-racistas-em-adaptacao-de-classico

Como viveriam Emília, Tia Nastácia, Dona Benta e outras personagens icônicas do escritor Monteiro Lobato se vivessem na atualidade? Para a bisneta do autor, Cleo Monteiro Lobato, o universo criado no Sítio do Picapau Amarelo seria mais inclusivo e consciente. A escritora está prestes a lançar uma adaptação do clássico centenário “A Menina do Narizinho Arrebitado”, onde trata com mais delicadeza a forma como a personagem Tia Nastácia fora retratada na obra, excluindo falas consideradas racistas. O livro “Narizinho Arrebitado” será lançado nesta sexta-feira (4). 

Formada em História pela USP, Cleo Monteiro Lobato diz que passou a sentir a necessidade de apresentar as obras de seu bisavô para o público dos Estados Unidos, numa tentativa de desmistificar alguns conceitos criados pelos americanos em relação ao Brasil e aos brasileiros. Entretanto, deparou-se com algumas barreiras ao traduzir a obra para o Inglês, e decidiu criar uma versão adaptada também para o público no Brasil.

“Hoje em dia, se você é uma pessoa negra e vai ler o livro para seu filho, você se engasga.  Ao traduzir para o inglês me vi defrontada aos problemas culturais do Brasil, aí entendi o que é preconceito e racismo estrutural, foi fundamental para a minha compreensão, sendo branca, do que é o racismo”, esclarece Cleo. 

Em um comparativo entre Brasil e Estados Unidos, país que vive há mais de 20 anos, Cleo alega que, apesar das diferenças intrínsecas, o momento que Brasil e os Estados Unidos estão vivendo é muito parecido. “Para mim não dava mais. As pessoas não podem simplesmente dizer que não são racistas, elas têm que se posicionar como antirracistas”.

A escritora explica que a essência da obra não foi modificada, e acredita que 98% do material original foi mantido. Segundo a autora, as conotações que se referiam à personagem Tia Nastácia foram alteradas, trazendo uma forma mais humana de retratar a personagem, que é a cozinheira do sítio na obra original de seu bisavô.

“Alterei algumas frases. Em vez de chamar a negra, a negra tem nome: Tia Nastácia. Em vez de dar risada com beiço, troquei. Se fosse um tratamento equivalente com a Dona Benta, eu deixava”, afirmou. “Acho que a minha versão é a versão que eu tinha dentro do meu coração. Com minha cabeça de criança a Tia Nastácia era amada, respeitada e acolhedora; eu mantive exatamente o que eu li, que acho que é o que Lobato escreveu”, complementou. 

“Não vejo passagens racistas no livro do meu avô”

A bisneta garante que Monteiro Lobato não era racista e destaca a evolução na sociedade como o principal fator para tais questionamentos. Segundo ela, porém, as obras do escritor retratavam pontos que eram comuns àquela época, com uma linguagem carinhosamente chamada pela autora como o “caipirês” do interior de São Paulo. 

“A sociedade evoluiu, não vejo passagens racistas no livro do meu avô, acho incrível que tenha ocorrido essa evolução da sociedade. O termo sinhá, o bolinho de fubá eram do universo do interior paulista, o ‘caipirês’. O Monteiro Lobato que sei como bisavô, como avô, como pai, não era racista. Os valores que ele passou para filhos, netos e bisnetos não eram racistas”, disse. 

A autora destacou também que o próprio Monteiro Lobato realizava adaptações de suas obras a cada nova edição. 

“Tem a obra original para ler. Quem quiser ler a de 1920 pode ler! Ele modificava a obra dele, a cada nova edição ele modifica palavras, evoluía sem parar.  As pessoas que estão tão ofendidas, para mim, isso quer dizer que elas amam meu bisavô e amam os livros, que a obra do Monteiro Lobato está dentro do coração delas. Mas, a minha intenção é que Lobato seja lido pelas próximas gerações, daqui a 80 ou 100 anos, sem ser associado ao racismo estrutural no Brasil”. 

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Adaptação com responsabilidade

Para a escritora Sonia Travasso, doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e especialista em literatura infantil e juvenil, existe um grupo que não admite que a obra seja modificada em nada e outros grupos que consideram que é interessante mudar uma ou outra palavra, especialmente aquelas que trazem uma ideia de racismo, o que, para a educadora, não significa que Lobato era racista, pois utilizava termos que eram naturalizados naquela época. 

“Uma das editoras optou por colocar, quando há termos considerados estranhos ou termos de antigamente, como nota de rodapé, a Emília e a Narizinho conversando e comentando aquele termo, foi uma saída bem inteligente da Companhia das Letrinhas”, afirmou a educadora. 

Sonia Travasso explica que, desde que a obra de Lobato caiu em domínio público, diversos escritores e editoras vêm fazendo alterações. “Muitos acham que vale a pena tirar estas palavras, para deixar o texto mais de acordo com debates e questionamentos muito presentes na sociedade de hoje. Essas questões esbarram muito na questão educacional, na mediação desta leitura que se faz na escola”, diz. 

A educadora defende, entretanto, a importância em manter a essência da obra e dos personagens. “Eu acredito que é importante a gente escrever o texto como o autor escreve, na mediação da leitura na escola, e colocar em debate essas questões que por vezes aparecem na obra de Monteiro Lobato. Mas, não vejo problema em trocar alguns termos. Só acho que tem que tomar cuidado para não adulterar a obra”.

Sonia usa como exemplo a boneca falante Emília. “A Emília, por exemplo, ela é atrevida, fala coisas erradas e agressivas às vezes, mas, se você tira tudo isso da Emília, ela deixa de ser a Emília, tem que tomar cuidado nas adaptações com o que tira, de forma que não adultere a obra. Acho importante que tenha um texto de apresentação, explicando que ali é um texto de adaptação, mostrar o que foi adaptado e porque foi adaptado desta forma, e que existe a forma original que as pessoas podem ter acesso também”, concluiu. 

 

Clássico da literatura nacional ganhou uma nova adaptação Clássico da literatura nacional ganhou uma nova adaptação Foto: Ilustração/ Rafael Sam 

Narizinho 100 anos 

O evento “100 anos Narizinho” irá reunir diversos apaixonados pelo escritor Monteiro Lobato, com apresentação e adaptações de suas obras e traduções para exportar o legado mundo afora. O encontro acontece a partir dessa sexta-feira (4), onde ocorrerá o lançamento do livro “Narizinho Arrebitado”, de Cleo Monteiro Lobato.