Três anos após haver escrito o livro O Saci-Pererê: resultado de um inquérito, Monteiro Lobato lançou, em 1921, a primeira edição de O Sacy (sim, naquela época a grafia era escrita com a letra y), um livro elogiadíssimo até hoje, considerado um ícone da obra do escritor por reforçar as suas ações na linha de uma nova literatura infantil brasileira, processo que ele próprio já havia iniciado com o sucesso de A menina do Narizinho Arrebitado, o seu primeiro livro infantil, lançado em 1920. Além disso, O Saci resgatou e valorizou o folclore brasileiro e tornou os seus personagens, conhecidos de todos.
A história gira em torno de um diálogo reflexivo entre o Saci e Pedrinho. O neto de Dona Benta, que morava na cidade, e costumava passar suas férias escolares no Sítio do Pica-Pau Amarelo, onde brincava de tudo e gostava de se gabar por não ter medo de nada, a não ser de vespas. No fundo, o menino também morria de medo de Saci, um sentimento comum, afinal todos naquele tempo ficavam amedrontados com as histórias correntes a respeito do endiabrado moleque duma perna só que fazia travessuras.
Apesar do temor, Pedrinho vivia com o Saci na cabeça, falando do danado e tomando informações a seu respeito. Um dia, conversando com Tia Nastácia, ficou sabendo que o Tio Barnabé sabia como capturar Saci e essa descoberta deixou o menino determinado a aprender a caçar um. Pedrinho resolve então procurar o velho sábio, que com mais de 80 anos, era um profundo conhecedor das coisas da natureza, de religiosidade, sabedor de histórias que ele próprio viveu e de outras, as quais ouviu ao longo da vida, para saber mais sobre o Saci. Tio Barnabé explicou ao menino que o Saci, era na verdade um diabinho de uma perna só, pito aceso na boca e uma carapuça vermelha na cabeça, que vivia solto por aí aprontando com todo mundo. Revelou também que a força dele está na carapuça, assim como a força de Sansão estava nos cabelos e que quem consegue tomar e esconder a carapuça de um Saci, se transforma o seu senhor pelo resto da vida.
Tio Barnabé explicou ainda, que não havia apenas um Saci no mundo, mas vários! Contou do aparecimento de um deles ali, na sua casa e revelou que havia muitos jeitos de pegar Saci, mas o modo mais fácil era atirar uma peneira em cima de um rodamoinho de poeira e folhas secas, pois todos os rodamoinhos são provocados por algum Saci, como todos sabem. Depois ele deveria prender o diabinho numa garrafa, fechá-la bem com uma rolha, tomar a sua carapuça e escondê-la bem escondida.
Resumidamente, sem dar “spoiler”, Pedrinho consegue pegar um verdadeiro Saci e em seguida se mete em uma grande aventura, que se passa do mundo natural (a floresta) para o mundo sobrenatural (mitologia/folclore), com total naturalidade, até porque para uma criança não há muita diferença. Além da valorização do nosso folclore, O Saci passa ao leitor, mensagens e ensinamentos sobre comportamento, respeito, amor ao próximo e principalmente, nos leva a refletir sobre o eterno embate entre natureza contra a civilização, desenvolvimento contra a preservação, tendo como pano de fundo uma discussão filosófica entre Pedrinho e o personagem que dá nome ao livro. A primeira delas sobre quem é superior: o homem que tem de aprender as coisas ou os animais que já nascem sabendo?
A medida que avançamos na leitura, fica claro que quem vence essa discussão é o Saci, porque ele fala das guerras que o homem costuma fazer, estampa toda a estupidez do ser humano e conclui, por exemplo, que se todos se mantivessem crianças, assim como Peter Pan, não haveria guerras e a vida endireitaria.
Num outro trecho, na hora da fome, o Saci sabe o que fazer, arranjando palmito e mel para comer, enquanto dá início a outra discussão, sobre “o que é a vida e o que faz os seres viverem”? Mais uma vez o danado tem outra explicação feita com enorme delicadeza.
Com a chegada da noite eles falam de medo, passando a mensagem de que é o medo quem cria os seres terríveis, os monstros, os fantasmas, e aí surgem mais figuras do nosso folclore na história, como o Curupira, o Negrinho do Pastoreio, além de outras criaturas como o lobisomem, a mula-sem-cabeça, a Cuca e a Iara. Essa parte da história é um verdadeiro dicionário de seres do nosso folclore. Não há qualquer exagero em afirmar, que esse livro realmente resgatou todos os personagens do folclore brasileiro, além de trazer importantes reflexões que vão sendo apresentadas no desenrolar da história protagonizada por Pedrinho e pelo Saci.
Para fechar a história, avisados por uma coruja, nossos dois personagens centrais ainda tem o desafio de enfrentar a Cuca para salvar Narizinho, transformada em pedra pela velha bruxa. E o final… bem… vamos deixar que você leia o livro, porque no desfecho há outros ensinamentos que você só vai entender através desse mergulho na leitura.
O que podemos garantir é que O Saci é um livro que todos os pais precisam ler para os seus filhos e compartilharem juntos essa experiência. Ler pausadamente, sem pressa, se atentar as ricas mensagens e valores morais passados ao longo da história que se mantém atual e ricamente transformadora, mais de cem anos após ser escrita!
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REFERÊNCIAS:
# edição nº 1 “O Sacy”.
http://www.labpac.faed.udesc.br/monteiro%20lobato%20e%20o%20folclore_ivan%20vale%20de%20sousa.pdf
https://acervo.estadao.com.br/noticias/acervo,ha-um-seculo-inquerito-sobre-o-sacy,12665,0.htm