Lobato vai ao cinema

Por Antonio Silvio Lefèvre – intérprete de Pedrinho no “Sitio do Pica Pau Amarelo”, TV Tupi, 1953

No final  de 1940, um ano e meio após o falecimento de Lobato em 04 de Julho de 1948 os apaixonados por sua obra sonhavam em vê-la no cinema.  Faltava, contudo, onde e como fazer isso.

            Afinal, a televisão não havia ainda chegado ao Brasil (faltava pouco: a TV Tupi seria inaugurada em setembro de 1950) e, além dos livros, o que de mais importante existia era o teatro, com produções e artistas já famosos, como Procópio Ferreira, Maria Dela Costa, Henriette Morineau e muitos outros. O cinema era mais recente, até porque a primeira sala de maior porte em São Paulo, o Cine Metro, no centro da cidade, havia sido inaugurada em 1938, por iniciativa do representante da Metro Goldwin Mayer (MGM) no Brasil, meu avô materno Benjamin Fineberg. Neste cinema e nos poucos outros abertos por ele e por concorrentes, nos anos seguintes, predominavam então os filmes americanos, de Hollywood, pois quase nada havia ainda de produções nacionais: apenas alguns documentários e, na ficção, o foco era nas chanchadas. Pois foi justamente no final dos anos 1940 que se começou a produzir cinema no Brasil, sendo fundados dois importantes estúdios cinematográficos, quase ao mesmo tempo: a Companhia Cinematográfica Vera Cruz, em novembro de 1949 e a Cinematográfica Maristela, em agosto de 1950.
            Arthur Neves, um dos sócios da Editora Brasiliense, a editora então responsável pela obra de Lobato, havia trocado idéias com um jovem, chamado Rodolfo Nanni, que acabara de chegar de Paris, onde havia feito um curso de cinema, sobre a possibilidade de levar a obra de Lobato às telas. E juntos haviam escolhido a primeira obra de Lobato a merecer ser filmada: era o conto infantil O Saci, da série do Sítio do Pica Pau Amarelo.
            Artur não teve dúvidas ao escolher o estúdio em que poderia produzi-la. Só podia ser a Cinematográfica Maristela, até porque a mesma havia sido fundada por Mario Audrá Jr, filho de Mario Audrá, um poderoso industrial do ramo têxtil, proprietário da Cia. Fabril de Juta Taubaté S.A. Ou seja, uma família de Taubaté, o berço de Lobato, certamente sensível à importância de sua obra e que deveria adorar a ideia de transformá-la em cinema.

A própria denominação “Maristela” estava fortemente vinculada à região de Taubaté, pois era o nome de uma fazenda localizada num município próximo, Tremembé, que Mario Audrá pai havia comprado, em 1931, de monges trapistas franceses que tinham desistido de sua missão de converter brasileiros… e tinham voltado para a França.
            Era o início de 1951 quando Arthur Neves, Rodolfo Nanni e o então novato cineasta Nelson Pereira dos Santos iniciaram os preparativos para produzir O Saci. Só que a Cinematográfica Maristela, recém-fundada, não tinha ainda todos os recursos, humanos e materiais, para produzir o filme como um todo. A equipe de Nanni realizou então o que, em cinema, se denomina uma “produção independente”. Ou seja, alugou equipamentos que a Maristela tinha acabado de adquirir e bancou todos os custos da realização do filme, com as filmagens se iniciando em outubro daquele ano.


Paulo Matozinho interpretou o personagem principal, o Saci, e o fez tão bem que seria chamado, em 1952, para interpretar o mesmo personagem na primeira versão do Sítio do Pica Pau Amarelo na TV Tupi, recém fundada. Os outros atores do filme foram: Lívio Nanni, filho de Rodolfo Nanni, fez o Pedrinho; Otávio Araújo foi o Tio Barnabé; Olga Maria Amâncio, criança de apenas 8 anos, foi a Emília; Maria Rosa Ribeiro fez Dona Benta; Aristéia Paula de Souza foi a Narizinho e Benedita Rodrigues, ex- empregada de Lobato e sua esposa fez a Tia Nastacia.

            Conforme bem descrito na Enciclopédia Itau Cultural, no verbete sobre filme O Saci ,  “A narrativa desdobra-se com as brincadeiras dos meninos. A mesma atenção é dada a elementos que fundamentam o lazer e o trabalho rural, como entoar canções populares, cozinhar no fogão à lenha, estourar pipoca e lavar a roupa no córrego. A trama abre-se com a exposição dos sonhos dos dois protagonistas, netos de dona Benta [Maria Rosa Moreira Ribeiro]. Narizinho [Aristéia Paula e Souza] rememora sua aventura com Escamado, príncipe do Reino das Águas Claras, e Pedrinho [Lívio Nanni] almeja aventurar-se pela mata virgem para caçar um saci.

Emília [Olga Maria], a boneca de pano, não sonha, vive o presente. Cai no riacho durante uma pescaria e passa o resto do filme secando ao sol. Dona Benta e tia Nastácia [Benedita Rodrigues], representam o mundo adulto e temem as empreitadas infantis. Todavia, é tia Nastácia quem diz a Pedrinho que ele deve procurar tio Barnabé [Otávio de Araújo]. Somente o “preto velho”, sabe que saci existe e como capturá-lo. 

Apesar de seguir à risca os ensinamentos de Barnabé, Pedrinho decepciona-se com o resultado: o saci está invisível dentro de uma garrafa. Seu corpo só vai se materializar, na hora do sono do menino. Nesse ínterim, Narizinho torna-se vítima do feitiço da Cuca, que a transforma em uma estátua de barro. Pedrinho torna-se amigo do saci [Paulo Matosinho] e recebe dele a proteção na floresta. Graças ao novo amigo, Pedrinho fica sabendo do desaparecimento da prima e de como exigir da Cuca que a libere.

Duas provas difíceis têm de ser cumpridas: conseguir um fio de cabelo de Irara, mãe das águas, e encontrar uma flor azul. O saci consegue o fio de cabelo e Pedrinho encontra a flor que quebra o feitiço. Narizinho, assim, liberta-se do encantamento e volta para casa. Emília, que secava ao sol, não acredita nas aventuras dos meninos. Para provarem veracidade das histórias, saem atrás do saci, mas ele retorna ao seu lugar de origem, como atesta tio Barnabé. As duas crianças e a boneca despedem-se do amigo e também do espectador, trepados em uma cerca de madeira.

Linhas divisórias, como a da cerca, são recorrentes no filme, representando o limite entre o mundo “real” e a fantasia. Narizinho defronta-se com a Cuca ao ultrapassar uma cerca de arame; Pedrinho sai do campo arado para penetrar na mata virgem e fica frente a frente com o saci quando transpõe um regato. Da mesma forma, a cerca do final do filme reforça a chave dada na abertura: a porteira do sítio se abre, convidando o espectador a penetrar em um mundo rural “verdadeiro” por onde aflora o universo da imaginação”.

            Produção custosa e demorada, o filme O Saci acabou sendo lançado em 1953. Considerado a primeira produção infantil importante do cinema brasileiro, ganhou o prêmio que consagrou os melhores filmes brasileiros da década de 1950 e que, não por acaso, recebeu o nome de Prêmio Saci.

            Enquanto acontecia a produção independente do Saci, a Cinematográfica Maristela foi se ampliando consideravelmente, montando um grande estúdio no bairro do Sacomã, em São Paulo e preparando-se  para produzir seus primeiros filmes: Presença de Anita, estrelando a já famosa atriz de teatro Tônia Carrero, e também O Comprador de Fazendas, baseado no conto de Monteiro Lobato, do livro Urupês.

            Para O Comprador de Fazendas foi contratado um elenco com alguns dos mais consagrados artistas de teatro da época. Entre os quais a dupla Procópio Ferreira e Henriette Morineau, interpretando o casal de fazendeiros falidos, que fizeram de tudo para “enfeitar” a propriedade, a fim de agradar um pretenso interessado em comprá-la e que, no final, revela-se um farsante.. (Na cena da foto, Procópio aparece desafiando o comprador…) O já famoso sanfoneiro Luiz Gonzaga compôs e interpretou A Festa no Arraiá, especialmente para o filme.
           
O lançamento de O Comprador de Fazendas, ou “avant-première”, como se dizia na época, foi realizado em Taubaté, em homenagem à terra de Lobato e também da família Audrá, proprietária da Maristela. E em São Paulo o filme foi lançado nos melhores cinemas de então, entre os quais  os fundados e administrados por meu avô Benjamin Fineberg, como o cine Metro, Art-Palácio, Lux, Ipiranga e outros. Foi um estrondoso sucesso, que trouxe uma forte injeção de recursos para a Cinematográfica Maristela.

            Inseguro quanto à capacidade de Mario Audrá Jr. para administrar um negócio que começava a crescer e já preocupado com o que considerou gastos excessivos com produções caríssimas e várias viagens à Europa para divulgar os filmes recém lançados, seu pai Mario Audrá resolveu “profissionalizar” a cinematográfica e para isso contratou como diretor meu avô, Benjamin Fineberg, o ”homem da Metro” que havia ficado famoso por ter trazido o cinema americano para o Brasil, como um interventor para colocar “ordem na casa”. Descontente com a entrada “deste americano” na Companhia Maristela, sentindo-se inferiorizado,… Mario Audrá Jr. resolveu tirar “férias’ e foi para a Europa, lá ficando por um longo tempo…

            Benjamin Fineberg, meu avô, havia nascido em 1895 na Rússia numa família de judeus que havia emigrado para os Estados Unidos em 1904 e considerava-se um legítimo americano. Emigrou para o Brasil em 1915 e ficara muito surpreso de não haver ainda aqui as salas de cinema, como nos Estados Unidos. No início dos anos 1920 foi então para Hollywood, conseguiu a representação da MGM para o mercado brasileiro e, para inauguração dos seus cinemas, ele trouxe de navio, para o Brasil, ao vivo, o famoso leão da Metro, na verdade o filho do leão original e que, em homenagem ao Brasil, havia recebido o nome de Tupy. A propaganda da Metro ficara também famosa por ter sido patrocinadora da exportação do então principal produto do país: o “café do Brasil”. Na foto aparece Benjamin com a então famosa atriz americana Bebe Daniels, posando para a propaganda do café brasileiro.
            No início da década de 1950 meu avô Benjamin já estava há alguns anos longe dos cinemas que havia fundado, pois os havia vendido para Luis Severiano Ribeiro, que havia criado uma distribuidora de cinema, a Serrador, que controlaria os principais cinemas do país. Meu avô havia mudado de ramo, tendo adquirido, logo após a guerra, em 1945, os dois principais hotéis das Termas de Lindoya (SP), onde esperava abrir cassinos. Intenção frustrada pela proibição do jogo no Brasil pelo General Dutra, logo após ele ter comprado os hotéis…

            Mas meu avô ainda era o representante da MGM e tinha um velho sonho que era não apenas de trazer os cinemas para o Brasil, o que já tinha feito, mas também o de fazer “Hollywood no Brasil”. Ou seja, não apenas vender ingressos de cinema, mas realmente fazer cinema.  A indicação de que seria a hora certa para fazer isso fora dada pela inauguração, com grande pompa, da Cinematográfica Vera Cruz, em fins de 1949. Benjamin julgou então que estava na hora de usar todos os seus contatos em Hollywood para fazer da Maristela uma companhia capaz de deixar a Vera Cruz “no chinelo”. 

Durou pouco a intervenção de meu avô na Companhia Maristela. Em 1954 Mario Audrá Jr. voltou das suas longas férias na Europa, o desacordo entre eles sobre os planos para a companhia foi total e a convivência entre ambos se tornou inviável.  Meu avô desistiu então do seu sonho cinematográfico e resolveu ficar apenas no ramo hoteleiro, agora já como administrador do Grande Hotel de Águas de São Pedro.

            Já sem Fineberg, de 1954 a 1958, a Companhia Maristela lançou ainda alguns filmes com super produções, como Quem matou Anabela, A pensão da Dona Stela, Getulio: Glória e Drama de um Povo (logo após o suicídio de Vargas, em 1954) entre outros. Porém um problema que existia desde o começo foi se agravando ano a ano: as receitas provenientes dos filmes, mesmo os de mais sucesso, nunca eram suficientes para cobrir os grandes custos, gerados pela compra de caros equipamentos,  a contratação de artistas famosos e de técnicos estrangeiros e, como diziam então as “más línguas”,  as manias de grandeza e os luxos de Mario Audrá Jr….Enfim, a Cinematográfica Maristela, afogada em dívidas, encerrou suas atividades em 1958.
            A Cinematográfica Vera Cruz, sua concorrente, teve problemas semelhantes e  mesmo com grandes sucessos como O Cangaceiro, premiado no Festival de Cannes, também não conseguiu ter bom resultado financeiro e encerrou suas atividades até mais cedo, em 1954. Vera Cruz e Maristela foram duas iniciativas pioneiras do cinema no Brasil. Mas a hora do “cinema novo” no Brasil, só chegou mais tarde, na década de 1960.
            Lembro-me de ter visto vários filmes da Maristela no cinema que existia no Grande Hotel Águas de São Pedro, administrado por meu avô Benjamin e onde eu, ainda criança, passava minhas férias. Na noite em que foi passado O Saci meu avô anunciou com pompa, para os hóspedes, no refeitório; “Venham assistir  hoje o filme do saci, do Sítio do Pica Pau Amarelo. E aproveitem para encontrar o próprio Pedrinho do sítio, em carne e osso, que se encontra hospedado em nosso hotel ”.

Jeca Tatuzinho: o anti-herói que virou símbolo nacional de saúde

Criado como retrato do homem do campo, lá no início do século 20, o personagem Jeca Tatu se transformou em um símbolo nacional de campanhas sanitaristas e de mobilização em torno da melhoria nos investimentos em saúde naquela época. Além de projetar o escritor Monteiro Lobato nacionalmente, ao longo do tempo o personagem sofreu mutações, saltando de um simples artigo de jornal, para dois livros e posteriormente como protagonista do Almanaque Fontoura, a maior peça publicitária da história do Brasil, que em 1990, atingiu a impressionante marca de 100 milhões de exemplares distribuídos.

Mas quem é e como surgiu o Jeca que nasceu Tatu e depois virou Tatuzinho, para fazer história e ajudar a transformar a saúde no nosso país?

É importante ressaltar que este texto não é, e nem tem a menor pretensão de ser, um artigo científico, algo que deixamos a cargo das inúmeras pessoas que dedicam suas vidas a pesquisar a vida e resgatar a vida e a obra de Monteiro Lobato. Este artigo busca resumidamente, sem o devido aprofundamento que um artigo científico exige, destrinchar a figura desse icônico personagem, desde a sua gênese até seu sucesso se transformando numa referência nacional que ainda hoje desperta a curiosidade, principalmente dos profissionais em publicidade.

Queremos, assim como Lobato brilhantemente fazia, provocar você leitor, a mergulhar cada vez mais fundo no universo lobatiano, despertando a sua curiosidade para desvendar os muitos ‘porquês’, além de estimular, quem sabe, novos estudos em torno das tantas curiosidades que esse gênio ainda hoje insiste em alimentar em nossa mentes.

Para escreve-lo, nós nos baseamos em dois trabalhos de pesquisa: na tese de mestrado em história do professor Evandro Avelino Piccino, “A persistência de Jeca Tatuzinho – Igual a si e a seu contrário”, para a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), em 2018; e na tese de doutorado em História Social, da professora Carmem Lúcia de Azevedo, “Jeca Tatu, Macunaíma, a preguiça e a brasilidade”, para a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, em 2012. Além da orientação e revisão do designer e bibliófilo Magno Silveira.

De acordo com o que encontramos, o Jeca nasceu Tatu em 1914, como parte da argumentação de dois artigos escritos para o jornal O Estado de S. Paulo: “Velha Praga” e “Urupês”. O primeiro, na verdade era uma carta escrita por Lobato para a seção de queixas e reclamações, mas que chamou a atenção dos editores do periódico, por seu conteúdo, que decidiram então publica-la como um artigo em destaque no jornal, no dia 12 de novembro daquele ano. O personagem foi a forma encontrada pelo escritor para expressar a sua revolta com a velha praga das queimadas provocadas pelos caboclos da Serra da Mantiqueira, local onde à época ele vivia a vida de fazendeiro, na propriedade herdada do avô, o Visconde de Tremembé.

Quarenta dias depois da publicação de Velha Praga, em 23 de dezembro, 1914, o mesmo jornal publicava “Urupês, um longo artigo de aproximadamente 3.400 palavras e organizado em duas partes. Na primeira, Monteiro Lobato coloca uma questão de fundo, da qual ele próprio se tornara um grande crítico: o “caboclismo”, uma representação idealizada do caboclo – e na segunda ele faz uma descrição detalhada do personagem Jeca Tatu, nome com o qual batizara o seu caboclo: “um piraquara do Paraíba, maravilhoso epítome da carne onde se resumem todas as características da espécie.

Mas, na realidade, a idéia de concepção do personagem, a gestação do Jeca Tatu, propriamente dita, começou alguns anos antes, como demonstram algumas cartas escritas por Lobato ao amigo e colega de Cénaculo, Godofredo Rangel, com quem costumava se corresponder enquanto Lobato vivia sua experiência de fazendeiro. Numa carta, de fevereiro de 1912, Lobato comenta com o amigo, que andava pensando sobre uma teoria do caboclo como “o piolho da terra, o Porrigo decalvans das terras virgens”, e que essa sua teoria daria “um livro profundamente nacional”. Em abril daquele mesmo ano, o escritor confidencia a Rangel: “Vou ver se consigo escrever um conto, o Porrigo decalvans, em que considerarei o caboclo um piolho da terra, uma praga da terra”. Por fim, no dia 20 de outubro de 1914, numa nova correspondência, a última onde trata sobre o assunto com o amigo, antes de escrever a famosa carta para a seção de queixas e reclamações do jornal O Estado de S. Paulo, Lobato escreveu: “Contar a obra de pilhagem e depredação do caboclo. A caça nativa que ele destrói, as velhas árvores que ele derruba, as extensões de matas lindas que ele reduz a carvão. Havia uma gameleira colossal perto da choça, árvore centenária – uma pura catedral. Pois ele derrubou-a com ‘três dias de machado’ – atorou-a e dela extraiu… uma gamelinha de dois palmos de diâmetro para os semicúpios da mulher! […] Como aproveitou a gameleira, assim aproveita a terra. Queima toda uma face de morro para plantar um litro de milho”.

Com o título inspirado no urupê – um tipo de cogumelo parasitário que destrói a madeira – Monteiro Lobato publica, em agosto de 1918, Urupês, obra focada no personagem Jeca Tatu, que reúne uma coletânea de contos escritos pelo autor, além do artigo homônimo, escrito anteriormente para o jornal O Estado de S. Paulo, considerado a jóia do livro. Na segunda edição, o escritor incluiu o artigo jornalístico Velha Praga e assim o livro assume seu formato definitivo com 12 contos e 2 artigos, pela ordem: Velha Praga e Urupês.

Mas foi a partir das teses sobre saúde pública de Belisário Pena e Artur Neiva, que o próprio Monteiro Lobato reformulou o seu juízo sobre o Jeca, respondendo assim já na segunda edição de Urupês: “Está provado que tens no sangue e nas tripas um jardim zoológico da pior espécie”, admite então. “É essa bicharia cruel que te faz papudo, feio, molenga, inerte. Tens culpa disso? Claro que não.”

Se o Jeca Tatu nasceu como uma espécie de ‘anti-herói’ nacional nos dois primeiros artigos para O Estado de S. Paulo, ele passa a se transformar, à medida que o escritor vai conhecendo de perto o árduo trabalho dos sanitaristas da época, através das campanhas e expedições científicas do Instituto Oswaldo Cruz, em um símbolo da luta por melhores condições de saúde no Brasil. Essa mutação pode ser percebida, a partir de 18 de março de 1918, quando Lobato passa a escrever no mesmo jornal, uma série de artigos sobre saúde pública e saneamento, que posteriormente foram reunidos no livro “Problema Vital“, publicado no final daquele ano e onde afirma categórico: “O Jeca não é assim; está assim“, deixando claro que o estado lastimável em que se encontrava o caipira era culpa do descaso das autoridades públicas. Antes descrito pelo autor como um parasita, um piolho da terra, o Jeca passou a vítima da falta de atenção e investimentos em saúde por parte do governo.

Em 1919, Lobato propõe ao farmacêutico Cândido Fontoura, fundador e sócio majoritário do Instituto Medicamenta Fontoura & Serpe, de quem era amigo, o lançamento de Jeca Tatuzinho, um folheto publicitário, para o medicamento vitamínico Biotônico Fontoura (ankilostomina). O diminutivo do título, para ‘Jeca Tatuzinho’, segundo seu criador, se justificaria pelo pequeno formato da peça publicitária, semelhante a de um almanaque de farmácia, e não ao personagem Jeca Tatu. A ideia entretanto só sairia do papel em 1926.

Em 1924, Monteiro Lobato lança por sua própria editora o livro Jeca Tatuzinho, com capa dura, ilustrações do alemão Kurt Wiese e dirigido ao público infantil. A obra narra a história de um médico que se hospeda na casa do Jeca e fica  horrorizado com a condição da saúde do Jeca. O medico lhe dá instruções de como ir lá no mato e  pegar a erva de Santa Maria e prepará-la para matar o amarelão. Alem disso o médico o orienta tomar um vermifugo forte e sempre usar sapatos, pois a infecção ocorre por andar descalço! Este livro foi reeditado apenas mais uma vez em 1930, pela Cia. Editora Nacional, mantendo a capa dura, mas em tamanho maior do que a primeira edição. O enredo não mudou mas as ilustrações de Kurt Wiese da edição anterior, ganharam um novo projeto gráfico ocupando mais espaço, com cores mais vivas e texto mais rebuscado, sem a divisão em pequenos capítulos. Essa segunda edição trouxe ainda uma nota do autor, explicando que foi o texto do livro quem gerou a idéia do folheto (e não o contrário).

 A primeira edição do folheto publicitário Jeca Tatuzinho, patrocinado pelo laboratório Fontoura, foi finalmente publicada em 1926. Não há como precisar a data de produção e distribuição exata dessa primeira edição do Almanaque Fontoura porque nenhuma das primeiras edições, ilustradas por Kurt Wiese foi datada. Há indícios de que inicialmente o lançamento dessa que é considerada a maior peça publicitária de todos os tempos no Brasil, seria 1925, porém ele só aconteceu em 1926, através da distribuição dos primeiros exemplares nos estados do Rio de Janeiro e São Paulo.

O Almanaque Fontoura continha a mesma história do livro Jeca Tatu mas agora com uma importante modificação: O médico passa a  receitar o Ankilostomina Fontoura para curar o amarelão e o Biotônico Fontoura para fortalecer o Jeca. O folheto era impresso em papel jornal, o formato pequeno (formato 11×15 cm), em preto e branco, com propagandas do Biotônico e da Ankilostomina Fontoura em seu interior. O Almanaque Jeca Tatuzinho tinha como estrutura narrativa, um texto composto por cerca de 2.200 palavras, apoiado por ilustrações e uma didática bem acessível às crianças, público prioritário do folheto. Dividido em 18 pequenos capítulos, cada um deles aberto por uma ilustração sintetizando visualmente o conteúdo e ocupando perto de dois terços da página. Com um total de 40 páginas, incluindo capa e contracapas, as edições ilustradas até 1939 pelo alemão Kurt Wiese são formadas por uma história narrada em 36 páginas e as demais preenchidas por anúncios de produtos do Instituto como o Biotônico e a Ankilostomina Fontoura. A argumentação do folheto respeita a clássica construção publicitária em dois momentos: o antes e o depois, com a narrativa apresentando inicialmente a frágil situação sanitária e de saúde do Jeca Tatuzinho, para depois dramatizar a quase milagrosa eficácia dos produtos do patrocinador. A partir de 1940, até 1957, a ilustração do Almanaque passou a ser feita pelo paulistano Jurandyr Ubirajara Campos, genro de Monteiro Lobato e pai de Joyce Campos, que ilustrou a publicação.

Outra curiosidade, é que muitas pessoas na época não sabiam ler e a saída que Lobato encontrou para tornar o Jeca Tatuzinho acessível ao maior número possível, foi falar com os adultos como quem fala com crianças, não apenas com textos bem simples, mas sobretudo utilizando ilustrações concebidas para se comunicarem por si só. Assim o simples folhear das páginas, combinado com a observação das figuras, facilitava a compreensão básica, embora superficial, do enredo. Desse modo, o papel dos ilustradores era muito importante na comunicação do personagem. O Almanaque Jeca Tatuzinho,somente passou a ser datado a partir de 1941, já com o ilustrador Jurandyr Ubirajara Campos, quando a publicação também passou a ser feita em duas cores e já acumulando naquela época, mais de 10 milhões de exemplares. A marca dos 12 milhões de exemplares foi atingida na 15ª edição, em 1958, quando o Almanaque passou a ser totalmente colorido. Já em 1962, a capa é redesenhada em cima de um desenho de Jurandyr Ubirajara Campos, ganhando um aspecto mais comercial e batendo a casa dos 32 milhões de exemplares distribuídos. Em 1973, quando o Brasil tinha apenas 100 milhões de habitantes, o Almanaque Jeca Tatuzinho ultrapassa a impressionante marca de mais de 84 milhões de exemplares. O Almanaque também foi editado em outros idiomas, como o alemão e o japonês, nos anos de 1940 sendo até hoje a peça publicitária de maior sucesso no Brasil!


REFERÊNCIAS

https://monteirolobato.com/evandro-avelino-piccino%20-jeca-tatuzinho.pdf

https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8138/tde-10012013-100230/publico/2012_CarmenLuciaDeAzevedo_VCorr.pdf

https://www.bbc.com/portuguese/brasil-45254398

https://www.encontro2018.sp.anpuh.org/resources/anais/8/1525294469_ARQUIVO_eventoampuh.pdf

Lobato Publicitário

Escritor, tradutor, jornalista, pioneiro, homem de ação… são tantas as facetas de Lobato que algumas acabam ganhando pouco destaque e quando são lembradas, causam até certa surpresa. É o caso da sua da sua relação com a propaganda, que vai muito além do perfil de propagador de ideias. Lobato foi, numa época que esta profissão era incipiente, desenhista publicitário, técnico em anúncios, garoto-propaganda, pioneiro no uso da venda de anúncios para divulgar seus livros – isto dentro dos textos, usando de menções de um livro para vender outro, e fora, como anúncios – criou “jingles” e “slogans” e também fez parte da maior companha publicitária do Brasil.

Segundo a professora Paula Renata Camargo de Jesus, doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP e mestre em Comunicação Social/ Comunicação Científica e Tecnológica pela UMESP, em “Poesia e arte na publicidade de medicamentos: um diálogo imprescindível na história da publicidade brasileira”, trabalho apresentado no Xº Congresso Nacional de História da Mídia, realizado na cidade de Porto Alegre, RS, Monteiro Lobato, sem recursos, precisou recorrer a patrocinadores para custear a publicação do livro “O Sacy Pererê, resultado de um inquérito”, seu primeiro livro, publicado com o pseudônimo Josbem, no início de 1918. O livro chegou ao público com quatro anúncios ilustrados por Voltolino na abertura, vendendo máquinas de escrever Remington, chocolates Lacta, cigarros Castelões, Caza Stolze (artigos fotográficos), além de outras três propagandas no fechamento: Casa Freire (louças e objetos de arte), Chocolate Falchi e Bráulio & Cia (drogaria e perfumaria). Ela cita ainda, que muito provavelmente, este deve ter sido o primeiro merchandising da publicidade brasileira, com produtos sendo oferecidos pelo personagem Sacy Pererê, em situações deliciosamente irreverentes.

Mas a campanha publicitária de maior sucesso que Lobato participou teve início com  a junção de sua experiencia como fazendeiro enter 1911-1917 e o movimento sanitarista de Oswaldo Cruz junto com sua amizade de longa data com Candido Fontoura. O movimento sanitarista permitiu um maior conhecimento das moléstias que assolavam o país. Esse movimento sensibilizou várias personalidades para a situação das moléstias endêmicas entre os brasileiros e a falta de saneamento básico existente, entre elas, Monteiro Lobato, que já era famoso à época. Graças ao contato com as pesquisas de Manguinhos, principalmente os trabalhos de Belisário Pena e Arthur Neiva, o levaram a se engajar numa grande campanha pelo saneamento do país, tendo como base a alteração da concepção do Jeca Tatu, nascido no artigo Velha Praga. A convivência com Arthur Neiva, Belisário Pena e outros pesquisadores, bem como a leitura do livro de Pena, “O saneamento do Brasil”, levaram o escritor a rever totalmente sua concepção do caboclo Jeca Tatu. No prefácio da quarta edição de Urupês, ainda em 1918, ele reconheceu: “Eu ignorava que eras assim, meu caro Jeca, por motivo de doenças tremendas. Está provado que tens no sangue e nas tripas todo um jardim zoológico da pior espécie. É essa bicharia cruel que te faz papudo, feio, molenga, inerte.”

Monteiro Lobato não parou mais. Indignado com a situação do país, se lançou numa vigorosa campanha jornalística em favor do saneamento, denunciando, sem medir palavras, a realidade nacional, apresentando estatísticas, como os 17 milhões de brasileiros com ancilostomose, três milhões com Chagas e dez milhões com malária. Ele ainda denunciou fraudes nos produtos consumidos pela população, além de ironizar os poucos recursos investidos na saúde pública. A campanha de Lobato acabou forçando o governo a dar atenção ao problema sanitário, começando pela criação de uma campanha de saneamento em São Paulo, sob o comando de Arthur Neiva. O código sanitário foi então remodelado e finalmente transformado em lei. O escritor reuniu seus artigos sobre a questão no livro “O problema vital.

Mas Lobato queria mais. Considerava imprescindível, mobilizar não apenas as elites, mas alertar e educar toda a população brasileira sobre as consequências da falta de saneamento. Ele escreveu então “Jeca Tatu – a ressurreição”, livro que ficou mais conhecido como “Jeca Tatuzinho”, em 1924. Este livro, de capa dura ilustrado por Kurt Wiese em preto e branco contava a história onde o nosso Jeca era visitado por um médico que o diagnosticava com verminose e lhe ensinava a receita de como fazer um vermifugo com a erva Santa Maria, que nasce no mato. Alem disso o médico mandava o Jeca usar sapatos e tomar um bom purgante. Quando o medico volta dali a um mês o Jeca é um homem novo, curado e revigorado!

De acordo com o escritor e biógrafo de Lobato, Edgard Cavalheiro, em “Vida e Obra de Monteiro Lobato”, o primeiro grande trabalho do escritor como publicitário foi quando ele adaptou seu livro homônimo, tendo Jeca Tatuzinho como protagonista, para a o folheto de propaganda de dois preparados farmacêuticos, o “Biotônico” e a “Ankilostomina Fontoura”. fazendo campanha contra a ancilostomose (amarelão), uma verminose contraída quando entramos em contato com o solo contaminado por fezes. Esses vermes entram através da sola dos pés e chegam à corrente sanguínea e atingem o sistema digestivo, onde se desenvolvem, passando ali a se alimentam de sangue e podendo provocar anemia em casos mais graves.

Na disssertacao de mestrado do professor Evandro Avelino Piccino “Jeca Tatuzinho: um ‘causomemorável da história da publicidade brasileira”, para a PUC/SP, disponível no banco de teses aqui do nosso site, o professor relata que o lançamento do panfleto aconteceu em 1926, e se chamou Jeca Tatuzinho. Neste almanaque Lobato basicamente pegou sua historia original do seu livro homônimo e alterou para o medico receitar od produtos do laboratório do seu amigo Cândido Fontoura. Desta vez, o medico após ver o paciente com verminose, fraco, receita Ankilostomina Fontoura como vermifugo e para recuperar as forças, o Biotônico Fontoura. O folheto original é uma publicaçao barata, em papel jornal, com ilustrações em preto e branco feitas pelo Alemao Kurt Wiese que ilustrou o almanaque até 1939 quando foi substituído pelo paulistano Jurandyr Ubirajara Campos, genro de Monteiro Lobato que por sua vez, ilustrou o almanaque entre 1940 e 1957. Jeca Tatuzinho, em seu formato original, foi publicado de 1926 regularmente até 1973. Um ano depois, em 1974, a historia passa a ser editada em quadrinhos, e circulou até o ano de 1988.

Do ponto de vista publicitário, não só a história era uma peça publicitária mas tambem, o folheto continha anúncios do Biotônico e do Ankilostomina Fontoura recomendados pelo médico na história. O almanaque Jeca Tatuzinho é considerado a peça publicitária de maior sucesso na história da propaganda brasileira, inspirando inclusive a agência Castelo Branco e Associados, a criar em 1982, o Prêmio Jeca Tatu numa homenagem “à obra-prima da comunicação persuasiva de caráter educativo, plenamente enquadrada na missão social agregada ao marketing e à propaganda”. De acordo com a publicação “Vendendo Saúde – A História da Propaganda de Medicamentos no Brasil”, publicada pela Anvisa, no portal Gov.br, o Almanaque Fontoura alcançou na década de 1980, a incrível marca de 100 milhões de exemplares distribuídos.

Monteiro Lobato não apenas redigiu, mas chegou também a ilustrar anúncios do Biotônico Fontoura, além de acompanhar o amigo no lançamento e na sustentação do Almanaque do medicamento, protagonizado pelo personagem Jeca Tatu, que passou a ser chamado Jeca Tatuzinho.

Em artigo de Julho de 2020, no portal “SP in Foco”, o jornalista Abrahão Oliveira afirma que o nome do medicamento, seria uma homenagem ao seu criador, o farmacêutico Cândido Fontoura Silveira, que teria criado uma fórmula rica em ferro para a sua esposa, que sofria com muito cansaço e tinha o físico debilitado. Com os bons resultados do seu tônico, ele decidiu então fundar em São Paulo, em 1910, aos 25 anos de idade, uma fábrica/farmácia para produzir seu tônico em escala comercial. Essa era uma prática normal no início do século 20. Ainda de acordo com a publicação, Cândido não conseguia pensar em um bom nome comercial para o medicamento e aí entra a figura de José Bento Monteiro Lobato, acostumado a usar técnicas publicitárias em seus livros e que teria então sugerido o nome de “Biotônico Fontoura”. Essa informação porém, não é confirmada pelo fabricante em seu site oficial, que apresenta apenas um breve resumo histórico, citando Monteiro Lobato como padrinho de peso da marca e criador do “Almanaque Fontoura”.

Em nossas pesquisas não encontramos referências à remuneração ou não desse trabalho, e se tivesse ocorrido, de que modo teria sido essa remuneração? O artigo “Estudos Mediáticos da Publicidade Infantil: Proposta de análise do discurso publicitário na interface com o discurso literário”, publicado na revista Pensamento & Realidade da PUC, das professoras Lívia Silva de Souza e Cinira Baader, cita que a diferença entre Monteiro Lobato e outros escritores e poetas que redigiram propagandas na época, é o fato de que ele fazia isso gratuitamente, como uma simples troca de favores, sem maiores detalhes. Embora isso classifique o personagem Jeca Tatuzinho como atividade publicitária não profissional, a obra ainda hoje é uma referência da redação publicitária brasileira, sendo o Jeca Tatuzinho, o mais longo texto publicitário escrito em forma de história de ficção no Brasil.

Além do Biotônico Fontoura, o publicitário Monteiro Lobato também contribuiu com ideias publicitárias para a editora que levava o seu nome, bem como com a “Revista do Brasil”, fundada por ele, e que se tornou um importante veículo de propaganda para o escritor. Lobato uniu o seu talento publicitário com a sua veia jornalística, para fazer a propaganda comercial da sua companhia de petróleo. Fundou ainda um jornalzinho-revista chamado “Coisas Nossas”, que ajudou a tornar mais fácil a penetração no mercado, das coisas que ele vendia, ressaltando a sua veia estratégica para os negócios.

É interessante registrar que a fórmula original do Biotônico Fontoura possuía 9,5% de álcool etílico, o que levou a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), a obrigar a empresa a modificar a fórmula do medicamento em 2001. A revista Veja SP, no artigo “Dez curiosidades sobre o Biotônico Fontoura”, relata que o medicamento foi exportado em grande quantidade para os Estados Unidos, durante a Lei entre os anos de 1920 e 1933. Por ser um remédio, apesar do seu teor alcoólico, a sua venda nos Estados Unidos foi permitida.

O artigo “Lobato Publicitário” publicado pelo site Almanaque Urupês, ainda nos revela que como publicitário, Lobato também vivenciou o papel de ‘garoto propaganda’ no modelo testemunhal, tão comum nos dias de hoje, atestando a qualidade de produtos para empresas de propaganda, como o fac-símile de um anúncio sobre máquina de escrever.

Uma pesquisa mais aprofundada sobre a vida do escritor, nos revela o seu olhar inovador na área da publicidade no Brasil. É fácil perceber que é a partir de Lobato que a propaganda começa a se desenvolver no país. Indiscutivelmente Monteiro Lobato era dono de um talento ímpar e possuía um processo criativo ilimitado. Lobato soube, como poucos, percorrer os mais diferentes caminhos ao longo de sua vida. Pesquisar esse universo lobatiano, é mergulhar num mar de infinitas possibilidades e que nos desperta um desejo imenso de ir cada vez mais fundo.

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REFERÊNCIAS

almanaqueurupes.com.br/index.php/2013/04/18/lobato-publicitario/

http://almanaqueurupes.com.br/index.php/2013/09/10/o-caipira-de-rui-barbosa/

https://www.revistas.usp.br/comueduc/article/view/43279/46902

colecionadordesacis.com.br/2018/01/24/monteiro-lobato-jeca-tatuzinho-1925/

https://revistas.pucsp.br/index.php/pensamentorealidade/article/view/7560/5500

http://www.ppe.uem.br/publicacoes/seminario_ppe_2009_2010/pdf/2010/021.pdf

https://dspace.mackenzie.br/bitstream/handle/10899/25191/Rog%c3%a9rio%20Aparecido%20Martins.pdf?sequence=1&isAllowed=y

https://docplayer.com.br/19902885-Poesia-e-arte-na-publicidade-de-medicamentos-um-dialogo-imprescindivel-na-historia-da-publicidade-brasileira-1.html

http://www.poeteiro.com/2019/09/lobato-publicitario-resenha.html

zolerzoler.wordpress.com/2019/03/14/monteiro-lobato-na-publicidade-biotonico-fontoura/

https://www.encontro2018.sp.anpuh.org/resources/anais/8/1525294469_ARQUIVO_eventoampuh.pdf

https://vejasp.abril.com.br/coluna/memoria/dez-curiosidades-sobre-o-biotonico-fontoura/

https://www.biotonicofontoura.com.br/historia-da-marca

http://memoria.bn.br/pdf/102725/per102725_1948_00004-00005.pdf

https://revistaesa.com/ojs/index.php/esa/article/view/165/161

Observatório Monteiro Lobato

Nota: Este artigo foi escrito a partir de diversas entrevistas concedidas via WhatsApp pela professora Vanete ao jornalista Ricardo Aguiar, autor deste artigo, em novembro do ano passado. Nestas entrevistas, a professora Vanete explicou sobre a gênese do grupo e a especificidade e originalidade da linha de pesquisa sobre a questão do não-racismo [1] na obra do escritor. O Grupo Observatorio Lobato parte do pressuposto de que Lobato não era racista.

Atualmente, temos conhecimento de dois grupos de estudos que se dedicam a pesquisar a vida e a obra de Monteiro Lobato; o grupo Lobato em Rede, liderado pela professora Milena Martins e o grupo Observatório Lobato, que tem como sua principal coordenadora a professora Vanete Santana Dezmann.

Para entender o surgimento do grupo, é preciso fazer uma conexão a outros dois movimentos nascidos da iniciativa da professora Vanete Santana-Dezmann e do professo John Milton: as Jornadas Monteiro Lobato e os Encontros com Lobato. O primeiro surgiu em 2019, com a realização da primeira Jornada nos dias 17 e 18 de dezembro daquele ano na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, reunindo presencialmente pesquisadores de temas relacionados a Lobato e sua obra.

No início de 2021, a professora Vanete e o professor John, criaram, a partir das Jornadas, os Encontros com Lobato – uma série de palestras, debates e entrevistas mensais também dedicadas ao autor e sua obra e que trouxe para o grupo o professor Sílvio Tamaso D’Onofrio, pesquisador não apenas de Lobato, mas também de Edgar Cavalheiro, biógrafo do autor, e a pesquisadora, bacharel em Letras, Taís Diniz Martins.

Assim, na esteira desses eventos, foi nascendo o grupo de estudos Observatório Lobato, que é voltado a investigar a questão das acusações de racismo que passaram a envolver o escritor há cerca de 15 anos, tendo como ponto de partida específico a ideia de que o escritor não era racista. O Observatório parte da premissa de que antes de qualquer acusação é preciso que seja feito um estudo aprofundado, detalhado do que estava acontecendo no mundo naquela época e somente a partir daí fazer a correlação entre a obra de Lobato dentro do contexto histórico da época em que viveu.

A única exigência para ser aceito como integrante do Observatório é que o membro seja desprovido de qualquer pré-conceito e esteja disposto a estudar profundamente a vida e a obra do escritor antes de qualquer posicionamento. Todos os resultados desses estudos aprofundados sobre o escritor e sua obra, são sempre debatidos e acatados sejam lá quais forem. Ainda sobre seus integrantes, não há um processo específico de seleção. Eles não necessariamente precisam ser do meio acadêmico, mas obrigatoriamente devem se apresentar desprovidos de qualquer pré-julgamento, precisam chegar no grupo sem acusar Lobato e sua obra de racismo.

Nós normalmente não escolhemos as pessoas, elas chegam até nós. As pessoas nos procuram e dizem eu gostaria de fazer parte do grupo tal e normalmente nós analisamos o currículo da pessoa, não com caráter eliminatório, apenas para saber onde ela poderá se encaixar melhor. Nós procuramos entender quais são os interesses dessa pessoa, o que pode ser mais útil para ela, quais os benefícios que ela poderá ter ao fazer parte do grupo e daí nós marcamos uma conversa para deixar claro que nós não temos preconceito e não queremos no grupo pessoas que tenham preconceito. Por fim nós conversamos, já vemos qual pode ser a função da pessoa dentro do grupo de acordo com o que for interessante para ela e para o próprio grupo”, explica a Dra. Vanete Santana-Dezmann.

O grupo se reúne desde o início do ano passado, sem uma frequência pré-estabelecida e as reuniões acontecem sempre que necessário. Em geral no começo do ano, quando o grupo precisa definir quais serão as pesquisas para o decorrer do ano, depois no meio do ano, quando é necessário analisar o andamento das pesquisas, e no final do ano, para organizar as o evento anual Jornadas Monteiro Lobato. Além disso, o grupo também se reúne informalmente uma vez por mês, sempre numa quarta-feira, nos chamados Encontros com Lobato, transmitidos pelo canal da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, no YouTube. Os integrantes do Observatório têm total liberdade para desenvolverem suas pesquisas conforme a sua disponibilidade de tempo, não havendo um cronograma pré-estabelecido para a conclusão de cada estudo.

“O principal objetivo do grupo é analisar a obra de Monteiro Lobato, estabelecendo as correlações com sua biografia e com o momento histórico, com base em profundas e detalhadas investigações, por muitas vezes parecendo aquele trabalho investigativo desenvolvido por detetives. Isso é necessário para descobrir elementos, fatos, detalhes que muitas vezes estão lá, em livros de história, mas que acabam passando despercebidos até mesmo aos olhares mais atentos.” “Um exemplo clássico é que todas as pessoas que escreveram sobre o livro O presidente Negro, escreveram que a obra é tão racista que nem os norte-americanos quiseram publicá-lo. A partir de uma pesquisa de detetive eu descobri que o livro não foi publicado porque a mecenas da literatura, de todas as artes, mas sobretudo da literatura em Nova York, nos anos 1920 e 1930, era filha da Madame CJ Walker e essa moça, A’Lelia Walker, era a herdeira da fábrica de alisante de cabelo Madame CJ Walker. Quer dizer, o problema não estava no livro, mas estava em quem financiava, quem bancava os editores nos Estados Unidos na época. Então informações como essas estavam presentes ali o tempo todo, mas ninguém tinha olhado para ela. Ninguém tinha estabelecido essa relação e um dos principais objetivos do nosso grupo é justamente estabelecer as relações”, explica a professora Vanete nesta entrevista concedida em novembro do ano passado.

As pesquisas concluídas têm seus resultados apresentados na forma de palestras nos Encontros com Lobato ou nas Jornadas Monteiro Lobato, dependendo da época em que ela é concluída. Além da apresentação em palestras, o material normalmente é transformado em artigo, indo para um dossiê do Observatório, para o livro das Jornadas Monteiro Lobato ou ainda para outro meio de divulgação de trabalho científico.

No site do Observatório você encontra uma lista com vários trabalhos realizados pelo grupo, entre eles, destaque para a análise de O Presidente Negro, publicada no livro chamado Entre Metafísica a Distopia e Mecenato, escrito pela professora Vanete Santana-Dezmann e publicado no ano passado. Outro trabalho interessante é a tradução de Reinações de Narizinho para o alemão, livro publicado também no final do ano passado na Alemanha. Ambas as obras foram lançadas no Brasil em 2022.

Para saber mais sobre o Observatório Monteiro Lobato, conhecer os membros do grupo e os trabalhos já realizados, basta acessar o site: https://www.observatoriolobato.org/

Se você é uma pessoa que aprecia a boa literatura, destituída de preconceito e que está disposta a investigar o universo lobatiano com o objetivo de trazer à luz o autor e sua obra sem filtros, vale muito a pena conhecer o trabalho do Observatório Lobato e quem sabe integrar esse respeitadíssimo grupo de pesquisa sobre um dos mais brilhantes e aclamados escritores brasileiros.

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REFERÊNCIAS:

Texto escrito com base em pesquisa ao site https://www.observatoriolobato.org/ e entrevistas via Whatsapp, concedidas pela professora Vanete Santana-Dezmann ao autor  deste artigo, o jornalista Ricardo Aguiar, em novembro de 2022.


Lobato e a democracia

Todos nós brasileiros falamos em DEMOCRACIA. Mas será mesmo que sabemos o seu significado, entendemos e respeitamos o seu real conceito?

Democracia não se resume apenas a eleições, ao direito ao voto, afinal em ditaduras também ocorrem eleições, assim como havia no Brasil durante o regime militar, na Russia e até mesmo em regimes totalitários como a Coréia do Norte. Nesses regimes, as eleições ajudam a dar uma máscara democrática e de legitimidade, mesmo que elas não sejam livres e nem competitivas. Democracia também não se resume apenas ao poder da maioria no momento de alguma escolha, muito menos ao simplório conceito de “governo do povo”.

Fato é que o conceito de democracia precisa observar uma série de aspectos. Em linhas gerais, podemos conceituá-la como o exercício do poder político por parte do povo, e o exercício da cidadania – direitos e deveres civis políticos e sociais previstos pela constituição federal.

É importante lembrarmos, que de acordo com o artigo primeiro da nossa Carta Magna, o Brasil é um Estado Democrático de Direito. Mas será que todos nós sabemos o que isso significa? O Estado Democrático de Direito pode ser definido pela soberania popular, por uma Constituição elaborada conforme a vontade do povo, por eleições livres e periódicas, por um sistema de garantia dos direitos humanos e pela divisão dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário – independentes e harmônicos entre si – fiscalizados mutuamente.

Durante toda a sua vida, Monteiro Lobato foi um grande defensor do Estado Democrático de Direito e da democracia brasileira. Certamente, seria uma das principais vozes a se levantar contra o triste episódio que assistimos no último dia 8 de janeiro, que atentou não apenas contra os três poderes democraticamente constituídos, mas contra a nossa democracia e a soberania nacional.

Infelizmente o desrespeito a democracia é algo que volta e meia assombra o nosso país. Foi assim com Julio Prestes, o único presidente eleito impedido de assumir na história do Brasil. Prestes ganhou a eleição para presidência da República em 1930, com o apoio de 17 dos 20 estados brasileiros, em uma disputa bastante acirrada e cercada de acusações de fraudes por ambos os lados. Ele teve pouco mais de um milhão de votos, cerca de 300 mil a mais do que Getúlio Vargas, seu adversário. Após sua vitória, Prestes viajou ao exterior, sendo recebido como presidente eleito em Paris, Londres, Washington e Nova Iorque, onde Monteiro Lobato (adido comercial à época) e a comitiva do presidente eleito, foram recebidos pelo presidente estadunidense Herbert Hoover.

Mas aqui no Brasil, governantes que apoiaram o candidato derrotado, inconformados com o resultado das eleições, criaram a chamada ‘Aliança Liberal’, um movimento armado, liderado pelos estados do Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Paraíba. No dia 26 de julho, João Pessoa, candidato derrotado à vice-presidência na chapa com Getúlio Vargas é assassinado, fato que acaba acelerando os preparativos para um golpe antidemocrático. Alçado à condição de mártir, João Pessoa foi enterrado no Rio de Janeiro e seu funeral provocou grande comoção popular, levando setores do Exército a apoiar a ideia do golpe de 1930.

Sob a liderança do golpista Getúlio Vargas e do tenente-coronel Góes Monteiro, no dia 3 de outubro várias ações militares tem início no Rio Grande do Sul, em Minas Gerais e no Nordeste. Os militares passaram a exigir a renúncia do presidente Washington Luís, que se negou a renunciar. Porém no dia 24 de outubro de 1930, ele é deposto da presidência da República e o país passa a ser governado por uma junta militar até o dia 3 de novembro, quando Getúlio Vargas, o arquiteto de todo esse golpe antidemocrático toma o poder através do chamado Governo Provisório.

Esse “Governo Provisório”, chefiado por Vargas, teve, no chamado grupo dos “tenentes”, um dos seus principais pilares de sustentação política. Vários líderes militares ocuparam cargos de importância na administração federal e nos estados. Porém, grupos regionais, numa tentativa de retomar posições que haviam perdido reagiram, pedindo uma nova Constituição para o Brasil. Esse conflito político aumentou e acabou provocando um novo movimento político em São Paulo, que ficou conhecido com a Revolução Constitucionalista de 1932. Depois de três meses de luta contra as forças federais, em outubro de 1932, os paulistas acabam se rendendo. Porém, consciente da importância dos paulistas e de olho em conseguir esse apoio político, Vargas estrategicamente cede à exigência de uma Constituição.

Assim, no dia 16 de julho de 1934, é promulgada a nova Constituição Federal e quatro dias depois, Getúlio Vargas foi empossado presidente constitucional (ou seja, de acordo com a Constituição), eleito por voto indireto pelo Congresso Nacional. Pela nova Constituição o mandato de Vargas deveria durar até 1938 e o seu sucessor deveria ser escolhido por eleição direta, o que acabou não acontecendo. Em 1937 a ditadura de Vargas se tornou uma realidade, com um golpe de estado, a extinção do parlamento, a censura aos meios de comunicação oficializada e a proibição dos partidos políticos. O ditador Getúlio Vargas permaneceu no poder até 1945, quando desprestigiado e pressionado interna e externamente pela democratização do país, foi deposto sem luta, pelos militares, no dia 29 de outubro de 1945, encerrando ali o chamado período do Estado Novo.

A relação conturbada entre Lobato e Getúlio Vargas, culminou com a prisão do escritor em 1941, por ele discordar da política governista para o setor petrolífero nacional, que privilegiava empresas estrangeiras e criava barreiras para as nacionais. Mais adiante, Vargas descaradamente, ainda roubou os ideais de Monteiro Lobato para criar a Petrobrás, em 1953.

Apesar de toda perseguição sofrida, a prisão e a censura que o impossibilitou de dar entrevistas ou escrever para jornais da data da sua soltura em 20 de junho de 1941, até o final da ditadura Vargas, em 1945 quando Vargas foi deposto, Lobato sempre manteve o respeito às instituições, às leis e à ordem.

O escritor sempre combateu suas discordâncias ou se defendeu de seus perseguidores, de modo absolutamente democrático. Já em agosto de 1932, após a Revolução de ’30, preocupado com o rumo anti-democrático do Governo Novo, Lobato escreve uma carta-manifesto pela democracia brasileira, dirigida à Waldemar Ferreira, então secretário da Justiça e Segurança Pública do Governo Constitucionalista Revolucionário de São Paulo, fazendo críticas ao crescente “militarismo federal” e considerando a insurreição uma “guerra de independência”, declarando que: “São Paulo, depois da vitória, deverá expressar-se na fórmula Hegemonia ou Separação”, título que deu ao documento.

Na verdade Monteiro Lobato soube como poucos usar sua voz e suas prerrogativas como cidadão em um regime democrático, para defender o desenvolvimento do Brasil e

cobrar melhores condições de vida para o povo brasileiro, independente de governo ou de partidos. O cidadão Monteiro Lobato, não precisou desrespeitar qualquer um dos poderes democraticamente constituídos para sacudir o Brasil de alto a baixo, apontando ao povo brasileiro os caminhos para a sua emancipação econômica, cultural e social. Entre as bandeiras que defendeu em vida, podemos destacar a sua imensurável contribuição para a nossa independência cultural, o combate ao analfabetismo, a luta por uma escola modelo e a revolução pedagógica sonhada por ele, a melhoria da saúde pública, a modernização industrial e o investimento tecnológico.

A figura secular de Monteiro Lobato e o seu exemplo de respeito à democracia, ao estado democrático de direito e principalmente, no combate à corrupção, precisa ser reavivada através da sua obra, junto aos mais jovens, para que momentos como este que vivenciamos recentemente, não sejam jamais aceitáveis, quais forem as desculpa.

REFERÊNCIAS

https://www.politize.com.br/democracia-o-que-e/?https://www.politize.com.br/&gclid=CjwKCAiA5Y6eBhAbEiwA_2ZWISNLSyujNlwK1189gvAoqx7EBJkmwVxPdtlM_JBvbQlJc2MvN1tZmhoCF_gQAvD_BwE

https://mundoeducacao.uol.com.br/sociologia/democracia.htm

https://www2.jornalcruzeiro.com.br/materia/410281/julio-prestes-eleito-presidente-da-republica-nao-assumiu-o-cargo

https://www.sohistoria.com.br/ef2/eravargas/p3.php

https://otavianodeoliveira.blogspot.com/2010/11/monteiro-lobato-x-getulio-vargas.html

http://www.nordeste2017.historiaoral.org.br/resources/anais/7/1493768366_ARQUIVO_ARTIGODANIELEHON.pdf

monteirolobato.com/linha-do-tempo/1931-1939-a-luta-de-lobato-pelo-petroleo-e-ferro/

http://www.rio.rj.gov.br/dlstatic/10112/4244908/4104910/H9_3BIM_2013_ALUNO.pdf

https://www.ebiografia.com/getulio_vargas/

https://www.unicamp.br/iel/memoria/Ensaios/RepublicaVelha.htm

Lobato inspiram produções Independentes

O universo mágico de Monteiro Lobato tem inspirado cineastas a viajarem, através da sétima arte, em produções independentes com adaptações livres, que apesar de não retratarem diretamente a obra do escritor, ajudam a estimular a curiosidade das pessoas para conhecerem as historias do Sitio do Pica-Pau Amarelo.

É o caso de “Emília no país da literatura”, um roteiro adaptado livremente, inspirado no livro “Emília no país da Gramática”, pelo cineasta e ex-secretário de Cultura da cidade de Taubaté, Dimas Oliveira Junior. O filme foi gravado em Taubaté, onde nasceu Monteiro Lobato, antes da pandemia de Covid-19, em 2019, tendo como protagonista, a provocadora, questionadora e curiosa boneca Emília.

De acordo com o cineasta, a ideia surgiu a partir da curiosidade de como a boneca de pano mais famosa do Brasil reagiria se vivesse nos dias de hoje. Como ela lidaria com os avanços tecnológicos de um mundo dominado pelas redes sociais, por exemplo? A observação curiosa de Dimas, inclusive no comportamento de seus netos, que assim como outras milhares de crianças, desenvolveram uma dependência obsessiva pelas redes sociais e pelo universo digital, também ajudou a estimular o desenvolvimento do roteiro do filme.

Na história, Emília, usando o pó de pirlimpimpim, se transporta para o futuro e começa a conhecer pessoas que vivem em um mundo absolutamente conectado às redes sociais, bem diferente do Sítio do Pica-Pau Amarelo que ela conhece. A boneca estranha essa nova vida futurista, mas logo se adapta e acaba se transformando em uma digital influencer. Percebendo o sumiço de Emília, a turma do Sítio decide procurar o Visconde de Sabugosa, confidente da boneca, e juntos descobrem que ela foi conhecer o futuro. Embarcam então nessa viagem para buscar Emília, que está aprontando poucas e boas com a sua nova turma no futuro.

No filme, parte da história se passa no século 20, tendo como cenário o sítio do Pica-Pau Amarelo com as filmagens feitas na Fazenda Barreiro – que foi residência de Dona Chiquinha de Mattos, dama benemérita do período imperial, na cidade de Taubaté. Já a outra parte da história se desenrola no século 21, com cenas gravadas em locações externas e no colégio São José. A produção é assinada por Luana Dias, com caracterização de Greison Oliveira; direção de Dimas Oliveira Junior e Jefferson Mascarenhas; e edição e finalização de Ricardo Cabral de Vasconcellos, “Emília no país da informática” conta com Juju Salini (no papel de Emília), Claudia Savastano (Dona Benta), Lixa Palosa (Tia Nastácia), Jefferson Mioni (Visconde de Sabugosa), Gabriela Dias (Narizinho), Eduardo Lucas (Pedrinho) e grande elenco.

O filme está disponível no Youtube, no Canal Arte & Cultura neste link: https://www.youtube.com/watch?v=tZNRAUezyd0&t=111s

NOVO PROJETO A CAMINHO

Em janeiro de 2023, Dimas Oliveira está iniciando um novo projeto com as gravações de uma série intitulada “Aventuras da Emília e do Visconde no Sítio”, uma parceria do Ponto de Cultura Magdalena Guisard e a 711 Produções, responsável pela pré-produção. A princípio a mini série terá 10 episódios com 30 minutos de duração cada um. As locações da série que trará adaptações de vários dos livros do escritor, começando por “Reinações de Narizinho”, vão acontecer nas cidades de Taubaté, Pindamonhangaba e Tremembé, no Vale do Paraíba, interior do estado de São Paulo. Entre as novidades, a produção dever dar nova vida a personagem Tia Nastácia completamente repaginada, inspirada na criação da bisneta do escritor, Cleo Monteiro Lobato.

O primeiro episódio deve ser exibido no dia 18 de abril de 2023, dia do nascimento de Monteiro Lobato e também Dia Nacional da Literatura infanto-juvenil brasileira. A princípio a exibição será feita através do Canal Arte e Cultura do Youtube, sendo liberada também para plataformas de streaming. A ideia é apresentar o projeto para emissoras de TVs à cabo, fechadas e abertas para futuro licenciamento.

O seriado conta com direção de Dimas Oliveira Junior, responsável por produções como “O Mágico de Inox”, “O Pássaro Azul”, “Era uma Vez”, além de diversos documentários biográficos, entre eles “Dona Leopoldina, da Áustria para o trono do Brasil”. Para compor o elenco de “Aventuras da Emília e do Visconde no Sítio”, a equipe de produção realizou uma seleção, entre atores mirins da cidade de Taubaté, selecionando Larissa Eloise para o papel de Emília, Kauã Freitas para viver Pedrinho, Manuela Brigagão na interpretação de Narizinho, além de grande elenco, composto por novos talentos mirins da região. Entre os atores especialmente convidados para o seriado, estão  Jefferson Mioni (Visconde de Sabugosa), Lixa Palosa (Tia Nastácia) e Sandra Théa (Dona Benta). Profissionais da área artística como Jean Visconti (programa Super Star, da Rede Globo), e Jefferson Mascarenhas (novela Jesus, da Rede Record), entre outros convidados, farão uma participação especial em cada episódio. A produção reúne ainda Marcelo Caltabiano (Diretor de Fotografia), Gamouye Produções Audiovisual (Pós produção e efeitos especiais), Rodrigo Patrício (Direção de Arte), Rafael Prando (Produção Executiva), Gabriel Schetini (responsável pela adaptação da obra de Lobato, em conjunto com o diretor Dimas Oliveira Junior).

Acreditamos que essa produção vai ajudar na perpetuação da obra literária de Monteiro Lobato, além de conquistar mais uma fatia do grande público”, explica Dimas Oliveira Junior, que assina a direção geral da série.

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REFERÊNCIAS:

** Entrevista com o cineasta Dimas Oliveira Junior

Entre Metafísica, Distopia e Mecenato

Lançada no final do ano passado na Alemanha, esse novo trabalho da pós-doutora pela Universidade de São Paulo, é resultado de uma audaciosa e corajosa pesquisa, com o intuito de compreender por que O choque das raças ou O presidente negro, publicado em dezembro de 1926, único romance de Monteiro Lobato, não foi editado nos Estados Unidos, como era desejo do autor, manifestado em algumas de suas cartas.

Não há qualquer exagero em afirmar que foram precisos quase cem anos depois de sua publicação original, para que pela primeira vez, O presidente negro tenha sido lido e analisado em profundidade, o que definitivamente também não esgota a obra, mas abre perspectivas para que surjam novas análises.

O choque das raças ou presidente negro de Lobato foi lançada em abril deste ano nos Estados Unidos, sob o título The Clash of the Races, com tradução de Ana Lessa- Schmidt, edição de Glenn Alan Cheney e introdução da própria Vanete Santana-Dezmann.

O LIVRO

De acordo com o Observatório Monteiro Lobato, grupo de pesquisa dedicado a investigar as acusações de racismo que recaem sobre o escritor e sua obra, O choque das raças ou O presidente negro é a primeira distopia de que se tem notícia publicada em forma de livro. Apenas para uma melhor compreensão, o termo distopia geralmente é colocado dentro de uma perspectiva contraposta ao que seria utopia, sendo a diferença entre esses termos, o ponto narrativo. Ou seja, enquanto a distopia pode ser entendida como a narrativa de um mundo caótico, a utopia faz a narrativa de um mundo perfeito.

Nesse livro a Dra. Vanete confronta a acusação de que O choque das raças ou O presidente negro, seja uma obra racista, argumentando por exemplo, que o termo eugenia é usado com quatro sentidos diferentes, sendo o darwinista apenas um deles. A título de esclarecimento, dois desses sentidos são dicionarizados; a eugenia positiva e a eugenia negativa. Os outros dois são construídos através da narrativa do livro, usados de modo metafórico e para compreende-los, é indispensável a leitura de Entre Metafísica, Distopia e Mecenato, já lançado no Brasil. Na verdade, de acordo com a pesquisadora, O choque das raças ou O presidente negro faz um alerta para os perigos da aplicação da eugenia negativa, em oposição à eugenia positiva, da qual fazem parte, por exemplo, as campanhas de vacinação.

Dezmann reforça nesse trabalho investigativo, que todas as menções feitas aos negros no livro publicado em 1926, só os enaltecem e destacam seus direitos. “A moral do livro é que devemos assumir nossas características e valorizarmos o que somos. Os negros não devem, por exemplo, mudar sua aparência para serem aceitos”, explica a autora. Ela destaca ainda, que o livro contém um verdadeiro tratado, até agora ignorado pelos chamados “especialistas” em Monteiro Lobato e sua obra, sobre o que é o universo e quem é Deus, antecipando em 40 anos a Teoria das Cordas, um modelo físico que tenta unificar a teoria da relatividade e a mecânica quântica. “Tudo isso só nos leva a concluir que há sobejos motivos para que este livro seja celebrado. É por isso que sua publicação em inglês que saiu recentemente nos Estados Unidos, é motivo de grande alegria e a realização, ainda que tardia, de um sonho de Lobato. O agradecimento especial vai para a Fundação Biblioteca Nacional, que financiou o projeto por meio de seu programa de Apoio à Publicação de Autores Brasileiros no Exterior”, conclui Vanete.

Entre Metafísica, Distopia e Mecenato, inclui, além da análise do Profa. Vanete, a versão completa do romance de ficção original escrito por Monteiro Lobato, com ortografia e pontuação atualizadas.

SOBRE A AUTORA

Vanete Santana-Dezmann é professora, pesquisadora e tradutora, corresponsável pelas “Jornadas Monteiro Lobato”, que acontecem na USP em cooperação com outras instituições e pelos “Encontros com Lobato”, realizados mensalmente também na USP.

É uma das idealizadoras do grupo Observatório Monteiro Lobato, além de autora de vários livros e artigos como “Vozes Lobatianas em diálogo: possibilidades e desafios de estudar Monteiro Lobato” e “Lobato e os carrascos civilizados: construção de brasilidade via reescritura de Warhaftige Historia, de Hans Staden”.

Graduada em Letras, fez mestrado e doutorado em Teorias de Tradução na UNICAMP, com estágio de pesquisa na Universidade Livre de Berlim.

Pós-doutorada em Estudos da Tradução na USP, com estágio de pesquisa no Goethe- Museum de Düsseldorf.

Como professora de Tradução na Universidade de Mainz, na Alemanha, desenvolveu entre 2019 e 2020 o projeto de tradução do livro Reinações de Narizinho, para a língua alemã.

Além de ministrar aulas como professora de Língua Portuguesa e Cultura Brasileira na Volkshochschule, a professora Vanete desenvolveu, em caráter voluntário, projetos voltados para a disseminação da cultura brasileira.

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Referências:

** Entrevista com a professora Vanete Santana-Dezmann e consulta ao site Observatório Monteiro Lobato.

https://www.observatoriolobato.org/

Monteiro Lobato em Rede: para entender e compreender um brasileiro que viveu a frente de seu tempo

Formado por pesquisadores da obra do escritor taubateano, o grupo de pesquisa “Monteiro Lobato em Rede” existe há mais de 20 anos com diversos outros nomes como “Projeto Memoria de Leitura” e depois “Monteiro Lobato e outros Modernismos Brasileiros”. Boa parte dos integrantes do grupo se conheceu e se vinculou a pesquisa no final dos anos 1990, quando eram orientandos de mestrado ou doutorado da professora Marisa Lajolo mas outros membros ingressaram depois. O grupo foi crescendo, se fortalecendo e hoje o gruo “Monteiro Lobato em Rede é composto por professores e pesquisadores de várias universidades de norte a sul do país formando uma rede virtual de pesquisas lobateanas.

Em 2021, o grupo se formalizou se registrando no diretório de grupos de pesquisa do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico). Fazem parte do grupo, como membros oficiais, as professoras Marisa Lajolo, do Mackenzie e da Unicamp;  Milena Martins, da UFPR; Cilza Bignotto, da UFSCar; Tâmara Abreu, da UFRN; Patrícia Romano, da Unifesspa; Raquel Afonso da Silva, da IFB; Raquel Endalécio Martins, da UFRR; o professor Emerson Tin, da Facamp; e os pesquisadores independentes Luís Camargo e Kátia Chiaradia e tambem alunos dos professores participantes, que desenvolvem projetos de pesquisa sobre a obra de Lobato. Há também os membros honorários, aqueles que não tem vínculo com universidades, mas que colaboram intensamente com o grupo, como é o caso do designer Magno Silveira e do biógrafo Vladimir Sacchetta.

Entre os livros já publicados pelo grupo “Lobato em Rede”, gostaríamos de destacar o livro Monteiro Lobato livro a livro- obra infantil, organizado por Marisa Lajolo e João Ceccantini em 2008. Este livro publicado pela editora Unesp e Imprensa Oficial, recebeu em 2009, dois prêmios Jabuti: o de melhor livro de crítica literária e também de melhor livro de não ficção do ano. Cada capítulo analisa uma obra infantil do escritor, e leva em consideração a história editorial da obra. Já em 2014, a professora Marisa Lajolo organizou o Monteiro Lobato livro a livro – obra adulta publicada pela editora Unesp. Ambas as publicações se tornaram referência para pesquisadores da obra do escritor.


De acordo com a professora Milena Martins, líder do grupo, cada membro do grupo desenvolve e orienta pesquisas específicas sobre Monteiro Lobato, sua obra infantil e sua obra geral, sobre as relações artísticas ou intelectuais entre o escritor e figuras do seu tempo, obras publicadas pelas editoras de Lobato. Esses são alguns temas, apenas para ilustrar, uma vez que a complexidade do universo lobatiano abre um verdadeiro leque de possibilidades para estudos dos mais variados temas.

Milena contou ainda, que o grupo também considera a leitura da obra nos dias atuais. O modo como os leitores de hoje, leem e interpretam uma obra que tem cem anos de vida, e que já foi publicada em tantos formatos distintos, não só em livro, mas também em audiovisual. Esses diferentes suportes promovem diferentes leituras. “O gênero das obras também é parte incontornável das análises. Obras ficcionais precisam ser analisadas como tal, compreendendo os recursos usados, a tradição, as intenções, a ideologia de um tempo. Tudo isso entra em nossas análises”, explicando como o grupo lida com as distorções relativas à obra de Lobato, que têm provocado inclusive atitudes discriminatórias por parte de algumas pessoas. “De modo geral, posso simplificar dizendo que analisamos a obra em relação estreita com seu tempo, compreendendo a literatura e as relações sociais no contexto dos anos 1910-1940, evidenciando os vínculos entre a obra e a sociedade que a produziu, ou entre a obra e os usos literários e linguísticos do seu tempo.”

O trabalho de grupos de pesquisa como o Monteiro Lobato em Rede tem sido fundamental para quebrar essas objeções criadas recentemente, produzindo uma maior compreensão da obra de Monteiro Lobato e do seu tempo, através de um estudo aprofundado e contextualizado sobre o autor. Essa, aliás, é a preciosa colaboração do grupo, que nos ajuda, através do seu trabalho, a conhecer e compreender o universo lobatiano, sendo imprescindível na formação de novos leitores.

Recentemente, o grupo publicou dois livros, intitulados Lobato na Escola (Livros 1 e 2, editora Paulus, 2022) organizados pela professora Milena Martins, em coautoria com Luís Camargo e Kátia Chiaradia. “São roteiros de leitura para a obra infantil e a obra adulta do escritor. Em diálogo com a legislação educacional mais recente, a Base Nacional Comum Curricular, nós apresentamos análises minuciosas de obras infantis e de contos do Lobato, e sugerimos atividades a serem realizadas para uma melhor formação leitora dos estudantes”, explica Milena. Esses livros são um excelente material de apoio a professores e a estudantes de Letras e Pedagogia, mas também servem para leitores que tenham filhos e que se preocupem com a formação leitora de suas crianças, ou que queiram se aprofundar na leitura dos contos do escritor. Esse diálogo com leituras contemporâneas, o envolvimento com a formação de novos leitores, é um dos pontos fortes do grupo Monteiro Lobato em Rede, que tem em seus membros, pessoas que se envolvem com Educação e interessados em ampliar o acesso a bens culturais, promovendo uma compreensão mais complexa da nossa sociedade e da nossa cultura.

Há outros livros muito importantes publicados pelo grupo, como Lendo e escrevendo Lobato (editora Autêntica), de 1999, organizado por Eliane Marta Teixeira Lopes e Maria Cristina Soares de Gouvêa; e a biografia Monteiro Lobato: um brasileiro sob medida, da Marisa Lajolo, também publicado pela editora Moderna, em 2000 alem do livro Quando o carteiro Chegou – livro organizado pela professora Marisa Lajolo e Emerson Tin onde temos uma coletânea de cartões-postais de Lobato para Purezinha. Neste livro há muitas relações entre texto e imagem que parecem nascer nesses postais e se desenvolver em textos e em aquarelas de Lobato. Figuras de autor, Figuras de editor, de Cilza Bignotto, publicada pela Unesp, em 2018, retrata o Lobato editor, mas fala também sobre a história do livro brasileiro. É uma publicação importantíssima para a história da literatura brasileira, por compreender os editores como agentes centrais do sistema literário. Já em 2020, Patrícia Romano publicou Dona Benta: Uma Mediadora no Mundo da Leitura (Editora Appris) e este ano, Magno Silveira acabou de publicar uma edição fac-similar de O Sacy, de 1921, com paratextos de Marisa Lajolo, Cilza Bignotto, Vladimir Sacchetta e do próprio Magno. Além de ser um livro de altíssima qualidade, ele ainda inaugura o trabalho da editora Graphien, um acontecimento editorial de um visionário (Magno) sobre outro visionário (Lobato).

Há outros tantos livros e inúmeros artigos em revistas acadêmicas publicados pelo grupo que são de um valor imensurável, não apenas para entender e compreender esse brasileiro que viveu à frente de seu tempo, mas para enriquecer ainda mais a literatura brasileira.

Para finalizar este artigo, antecipamos que neste momento o grupo Lobato em rede está preparando um livro com análises de alguns contos escolhidos de Monteiro Lobato. Tendo como público-alvo estudantes de graduação, o livro ainda não tem data para sair, mas pelo que pudemos apurar está sendo gestado com todo o carinho.

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Referências:

**Texto produzido a partir de entrevista respondida pela professora Milena Martins.

“Negrinha” em sala de aula; uma experiência para quebrar preconceitos

“Negrinha” em sala de aula; uma experiência para quebrar preconceitos

A ideia deste texto é compartilhar com educadores, uma experiência bastante interessante, de como o professor pode utilizar o conto antirracista Negrinha, de Monteiro Lobato, para discutir com seus alunos, em sala de aula, a situação atual do preconceito e do racismo no Brasil.

Entre as inúmeras pesquisas que analisam essa temática na obra de Lobato, encontramos a dissertação, apresentado pela professora Tatiane Cristina da Costa, para o Mestrado em Letras, na Escola de Filosofia, Letras e Humanas da Universidade Federal de São Paulo, em 2019, intitulado: Negrinha na sala de aula: estímulo ao preconceito ou à reflexão?”.

Conduzida em sala de aula, essa experiência possibilitou uma análise sobre a recepção dos estudantes em relação a esse famoso conto lobatiano, com a intenção de observar como e a partir de quais recursos esses estudantes, construiriam hipóteses interpretativas sobre o texto, em especial no que diz respeito à questão racial.

A ideia, de acordo com a pesquisadora, foi justamente verificar se a leitura do conto Negrinha estimularia ou não o racismo, se contribuiria ou não para uma reflexão acerca do tema entre os próprios estudantes. Esse trabalho foi desenvolvido durante dois dias e envolveu um grupo de alunos, a maioria com 17 anos de idade, de uma escola técnica (ETEC), localizada no bairro Paraisópolis, na cidade de São Paulo, em dezembro de 2018. O grupo, formado em sua maioria, por estudantes que se declararam afrodescendentes, estudaram em escolas públicas durante o Ensino Fundamental e na maior parte, eram de famílias com renda de até 2 salários mínimos mensais para o seu sustento, o que faz com que elas sejam consideradas de renda salarial baixa.

A pesquisa aconteceu em dois momentos distintos. No primeiro, os alunos receberam o conto Negrinha para uma leitura individual e silenciosa da narrativa, devendo, quando julgassem necessário, fazer anotações sobre todas as observações que tiveram. É importante dizer, que o grupo ainda não tinha lido a obra e nem recebeu qualquer tipo de influência que pudesse direcionar sua interpretação. Foram então formuladas questões para ouvir os comentários com relação a linguagem, enredo, estrutura, personagens, autor e sentimentos que o conto despertou.

Após a leitura, os alunos revelaram que se sentiram muito tocados pelos maus tratos e abusos sofridos pela menina, que a narrativa mexeu muito com o sentimento deles, despertando compaixão e até mesmo a vontade de chorar durante a leitura. Palavras diferentes, pouco ou nunca ouvidas por eles, chamaram a atenção, mas não foram empecilho para que pudessem identificar o significado delas.

O estudo identificou que a leitura de Negrinha despertou nos alunos percepções importantes como a corrupção dos homens pelo meio, a valorização de coisas simples, como o brincar de bonecas, a tolerância em meio as maldades sofridas pela protagonista e inclusive o papel da mulher na sociedade da época. Outros temas importantes como a

frustração de Dona Inácia por não ter filhos e descontar na pobre menina esse sentimento, o racismo dessa personagem (e não do autor), o conformismo da própria Negrinha que se sentia culpada e merecedora dos maus tratos sofridos por tanto ouvir da dona da casa que esse tratamento servia para educá-la, a transformação pelo brincar tambem foram discutidos pelo grupo.

Não foi necessária, de acordo com a professora que realizou a pesquisa, qualquer explicação ou introdução dos temas aos alunos, que pelo contrário, se mostraram autônomos, críticos e maduros para que houvesse uma leitura sem a necessidade de intervenções. Os procedimentos didáticos utilizados nessa atividade privilegiaram a leitura individual e a livre interpretação do texto por parte dos estudantes. Vale ressaltar ainda, que de acordo com educadores, a ironia presente ao longo de toda a narrativa, é uma das modalidades mais difíceis de ser identificada, porque ela exige maturidade do leitor. Mas apesar disso, os estudantes conseguiram identifica-la na leitura.

RESULTADOS DO SEGUNDO MOMENTO ESTUDO

O segundo momento contou com a construção coletiva do contexto histórico-social da década de 1920. Foram levantadas várias questões importantes como o crescimento das cidades, a marginalização do campo, a abolição da escravatura, a situação precária dos negros após a abolição e a mão-de-obra imigrante no Brasil. Após as discussões a respeito desse contexto histórico, no qual o conto foi escrito, os alunos fizeram uma reflexão, tendo como foco principal o papel do negro na sociedade da época.

Os alunos identificaram a falta de amparo da sociedade e do governo aos ex-escravos, após a abolição, apontando essa a causa para que eles passassem a viver à margem da sociedade e continuassem a sofrer com os maus tratos nas próprias fazendas. Questionados se a impressão que tiveram inicialmente do conto após a discussão do segundo dia havia mudado alguma coisa, os alunos afirmaram que nada havia mudado e alguns inclusive se mostraram convencidos de que o texto havia sido escrito para conscientizar as pessoas e apresentar a realidade dos negros no nosso país.

Os alunos também foram questionados se acreditavam que o foco do livro seria mesmo discutir o preconceito racial ou se o conto seria fruto do suposto racismo do autor. A conclusão, foi a de que o preconceito racial era o foco do livro, porque a maneira como a personagem Negrinha foi retratada, fez a maioria deles ter simpatia por ela, chegando inclusive a chorar durante a leitura por compaixão à menina, o que não ocorreria se o autor fosse realmente racista.

A atividade evidenciou, a partir das afirmações feitas pelos próprios participantes da pesquisa, que as discussões sobre o preconceito racial são muito incipientes e que o estudante reconhece a necessidade desse tipo de debate para que o problema possa ser efetivamente combatido. O texto apresentado ao grupo foi um ponto de partida importante para as reflexões sobre esse assunto e também sobre o autor mostrando que a leitura deste conto nas escolas pode despertar a criticidade dos jovens leitores, algo que o próprio autor sempre buscou.

As conclusões desse estudo, demonstraram ainda que os jovens gostam de participar e expor suas opiniões, deixando claro o quanto apreciam ser ouvidos e também ter suas opiniões respeitadas. Esse fato é um indicativo claro da necessidade de se

fomentar a leitura e a interpretação dos mais variados textos nas salas de aula em todo o Brasil. Mas o foco precisa ser não apenas despertar nos nossos estudantes o hábito pela leitura e sim, desenvolver nesses jovens leitores o senso crítico e intelectual, atributos fundamentais na formação de cidadãos verdadeiramente atuantes em nossa sociedade.

Para acessar o conteúdo completo desse estudo realizado pela professora Tatiane Cristina Costa, basta acessar este link: https://monteirolobato.com/wp-

Aproveite e conheça outros estudos interessantes para ajudar a você a dinamizar suas aulas, além de navegar pelo nosso site!

DICA PARA EDUCADORES

Para ler os textos de Lobato, é preciso antes entender o momento histórico vivenciado pelo escritor, suas convicções políticas, sua poética, seu projeto literário e a importância de sua iniciativa para a formação do mercado editorial brasileiro. Seus textos dialogam com o contexto histórico das décadas de 1920, 1930 e 1940, período onde tivemos a Segunda Guerra Mundial, as intervenções de Getúlio Vargas e a mentalidade escravocrata que permeava as relações sociais.

Nunca é demais lembrar, que aula de literatura é também aula de história, sociologia, geografia e filosofia. Conhecer um pouco mais de Lobato, sua fortuna crítica, livros e artigos de estudiosos como Marisa Lajolo, Milena Martins, Leonardo Arroyo, Cassiano Nunes, Nelly Novaes Coelho, Regina Zilberman, João Luis Ceccantini, Cilza Bignotto e Vanete Santana Dezmann entre outros, podem oferecer ao educador um curioso panorama sobre as diversas facetas do escritor a ponto de enriquecer a prática educativa.

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REFERÊNCIAS:

https://monteirolobato.com/wp-content/uploads/2021/08/DISSERTACAO-FINAL-Tatiane-

Negrinha; mais que um conto, uma reflexão antirracista

Mais de cem anos depois de seu lançamento, Negrinha se mantém como um conto muito atual pela sua temática que envolve as questões raciais que ainda se mantém bastante problemáticas em nosso país, uma nação que infelizmente persiste no chamado “mito da democracia racial”.

Em sua primeira edição, lançada em 1920, o livro, voltado para o publico adulto, era composto por seis contos: Negrinha, Fitas da vida, O drama da geada, O Bugio moqueado, O Jardineiro Timóteo e O colocador de pronomes. Destes apenas o conto Negrinha, que dá nome ao livro, não se passava no ambiente urbano e foi escrito por Lobato antes e depois da viagem aos Estados Unidos. Esse foi também o primeiro livro em que o escritor começa a se afastar do ambiente rural.

Escrito em terceira pessoa, Negrinha tem uma carga emocional muito forte, sendo considerado, pela crítica, um dos conto mais impactantes de Monteiro Lobato. Este conto retrata uma época marcada pelo autoritarismo e pelo preconceito racial, protagonizado pela personagem-título, filha de uma ex-escrava e sem nome próprio. Após a abolição, em 1888, Negrinha se tornou criada na casa de dona Inácia, uma senhora rica, antiga proprietária de escravos libertos pela lei Áurea, sem filhos e interessada apenas em promover a imagem de caridosa aos olhos da Igreja. Com a morte da mãe, Negrinha tem o seu destino colocado aos “cuidados” dessa senhora, que não abandonou a visão e os costumes do antigo regime escravocrata, tratando a menina como sua absoluta posse.

A narrativa lobatiana é carregada de críticas que revelam a situação das classes menos favorecidas de uma sociedade brasileira totalmente discriminatória. A insatisfação do escritor com essa situação é notada já a partir do título da obra, com a utilização  do sufixo –inha, demonstrando o tratamento pejorativo dado à personagem principal no decorrer do conto, apresentada como “[…] uma pobre órfã de sete anos. Preta? Não; fusca, mulatinha escura, de cabelos ruços e olhos assustados”. Essa descrição não revela apenas as características físicas da menina, mas também a sua condição social e o seu constante estado psicológico. Negrinha é vítima de um meio social injusto e preconceituoso, cujos padrões se valem da submissão dos mais fracos e da hipocrisia, representados por Dona Inácia, a dona da fazenda, caracterizada por seu status e suas falsas virtudes: “Excelente senhora, a patroa. Gorda, rica, dona do mundo, amimada dos padres, com lugar certo na igreja e camarote de luxo reservado no céu […] Mas não admitia choro de criança”.

Dona Inácia, representando a maioria da elite branca brasileira, não se adequou à abolição da escravatura e Negrinha continuou escrava, guardando as marcas da hostilidade, sendo vítima de violência física e psicológica, não apenas de sua cuidadora, mas também sendo vítima dos outros moradores e empregados  da casa. “Batiam-lhe sempre, por ação ou omissão […] Pestinha, diabo, coruja, barata descascada, bruxa, pata choca, pinto gorado, mosca morta, sujeira, bisca, trapo, cachorrinha, coisa ruim, lixo – não tinha conta o número de apelidos com que a mimoseavam […] O corpo de Negrinha era tatuado de sinais, cicatrizes, vergões. Batiam nele os da casa todos os dias, houvesse ou não houvesse motivo.

Sem identidade própria, Negrinha é tratada como um objeto, um animal que precisa ser domesticado, proibida de andar pela casa, de brincar e até mesmo de falar. A princípio há por parte da menina a aceitação de sua situação miserável, o que lhe impede de ir contra a realidade em que vive, aceitando passivamente todas as crueldades do preconceito e da desigualdade social contra ela. Entretanto, o texto traz também uma reviravolta da personagem.

Até então a única criança da casa, duas sobrinhas de Dona Inácia, duas garotinhas que por sua descrição (louras, ricas e possuidoras de brinquedos caros), representam o mundo burguês vem visitar a piedosa Tia e Negrinha é tratada como mais um “brinquedo”.

O conflito consciente em relação a sua condição e ao mundo, leva a pobre órfã a dialogar com si mesma, se questionando e refletindo acerca de sua condição como ser humano, levando a menina a externar seus pensamentos: Era de êxtase o olhar de Negrinha. Nunca vira uma boneca e nem sequer sabia o nome desse brinquedo […] – É feita?… perguntou extasiada”. Nesse trecho, em que o autor coloca voz na boca de Negrinha pela primeira vez no conto, ela assume a consciência de toda criança e se sente gente: “Varia a pele, a condição, mas a alma da criança é a mesma – na princesinha e na mendiga […] Negrinha, coisa humana, percebeu nesse dia da boneca que tinha uma alma”.  Trecho maravilhoso de trazer lagrimas este onde Negrinha percebe que ela não é um objeto mas sim um ser humano, com alma!

Lobato revela toda a sua genialidade neste conto, ao denunciar de modo claro e objetivo, através do contexto literário, o tratamento dado aos negros na época da Nova República, anunciando ao leitor o surgimento de uma nova realidade pautada na fome e na miséria.

Mesmo sendo uma ficção, Negrinha mostra, pelo chamado ‘buraco de fechadura’, como ficou a situação da maioria dos negros no período pós-abolição. Apesar de libertos por um decreto, eles permaneceram presos aos grilhões sociais, sem oportunidades, sem educação, sem qualquer amparo governamental para poderem se tornar membros produtivos ou iniciarem uma vida digna, sendo vistos ainda como meros serviçais na mentalidade de brancos reacionários. Dona Inácia, era uma dessas pessoas que continuou com o mesmo tipo de pensamento escravocrata.

Em resumo, o conto escrito Lobato há mais de cem anos, traz uma denúncia escancarada contra as elites brancas e à própria igreja, conivente com os maus-tratos, demonstrando assim toda hipocrisia contida nos bastidores da sociedade patriarcal da época. O racismo e o preconceito, são colocados lado a lado com a farsa, o sarcasmo, a tragédia e a compaixão.

Definitivamente, através de Negrinha, Monteiro Lobato presentou o povo brasileiro com um conto reflexivo e absolutamente antirracista.

 O LIVRO NEGRINHA

Para competir com o mercado, Monteiro Lobato lançou o livro Negrinha com capa simples e sem ilustração alguma, com a primeira edição sendo vendida ao preço de 2 mil e quinhentos réis, enquanto outros livros custavam, naquela época, quatro mil réis.

A segunda edição do livro foi lançada em 1922, ao preço de mil réis e incluiu os contos: Os negros e Barba-azul. Deveria ter incluído ainda o conto O despique, mas  o mesmo foi retirado e acabou sendo republicado anos mais tarde, no livro “Na antevéspera”, de 1933.

Em 1923 aconteceu o lançamento da terceira edição e foram acrescentados novos contos: Uma história de Mil anos; O fisco; Os pequeninos; A facada imortal; Apolicitemia de dona Lindoca; Duas cavalgaduras; O bom marido; Marabá; Fatia da vida; A morte do camicego; Quero ajudar o Brasil; Sorte grande; Dona Expedita; e Herdeiro de si mesmo. A obra passou então a somar vinte e dois contos.

Todas as três edições do livro foram publicadas pela “Monteiro Lobato & Cia. Editores”, vendendo juntas 12 mil exemplares.

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REFERÊNCIAS:

https://pt.wikipedia.org/wiki/Negrinha

https://aedmoodle.ufpa.br/pluginfile.php/239401/mod_resource/content/1/Artigo%20-%20BREVE%20ESTUDO%20DO%20CONTO%20NEGRINHA%2C%20DE%20MONTEIRO%20LOBATO%20-%20NILSON.pdf

https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/11/26/negrinha-ndash-um-manifesto-antirracista-de-lobato

https://docplayer.com.br/12438922-Monteiro-lobato-vida-obra-2.html

https://pt.wikipedia.org/wiki/Negrinha#cite_note-1

https://repositorio.ufpe.br/bitstream/123456789/30693/1/ISRAEL%20LACERDA%20DO%20NASCIMENTO.pdf

O que significa adaptar uma obra?

(Kátia Chiaradia)

Quando soube que a bisneta de Monteiro Lobato estaria adaptando sua obra, estranhei. Estranhei porque eu já era pesquisadora de Lobato há mais de 10 anos e nunca havia imaginado que isso seria possível. Os herdeiros de Monteiro Lobato sempre foram muito receptivos às pesquisas acadêmicas, e prova disso é terem doado ao CEDAE da Unicamp, toda a biblioteca do autor, além de uma enormidade de outros documentos de pesquisa: cartas, fotografias, aquarelas, bilhetinhos e até um caderno de receitas de Dona Purezinha. E nesse tempo todo, Cleo Monteiro Lobato sempre foi uma pessoa das coxias e não do palco, que ficava reservado para seus pais e, evidentemente, seu bisavô.

Meu segundo estranhamento se misturava à sensação de incômodo que eu sabia exatamente de onde vinha: sou pesquisadora, e mexer em um texto literário, um clássico, não é algo bem-visto pela perspectiva dos estudos literários. Isso porque todo texto fala de seu tempo, do lugar onde foi escrito, das pessoas que viveram à época de sua concepção e daquelas que primeiramente o leram. Assim, ainda que os motivos de Cleo para adaptar a obra de Lobato me parecessem louváveis (na época, eu achava que ela queria retirar do texto expressões hoje entendidas como racistas, mas, mais à frente, fui entender melhor1) a ação em si ainda me confundia.

Porém, como pesquisadora, meu papel é buscar entender uma situação-problema por diversos prismas. Fazemos pesquisa para que nossos estudos alcancem a sociedade e possam tornar o mundo um lugar melhor e mais democrático, sobretudo quando é a universidade pública que nos impulsiona.

“O mesmo acontece com a literatura”, pensei. A literatura deve alcançar seus leitores, sem os quais ela sequer existe.

Quero dizer, com isso, que um livro infantil que não alcança as crianças é um livro que não tem razão de existir. Monteiro Lobato escreveu livros para as crianças e sobre elas. Ele não escreveu as histórias do Sítio do Pica-Pau Amarelo para pesquisadores, mas sim para que crianças pudessem morar nelas. E, como pesquisadora, meu papel é olhar para todo esse movimento de maneira investigativa: quanto de reconhecimento e identificação, seja consigo, com seu espaço ou com seu tempo, este livro pode proporcionar aos leitores? Quanto este livro facilitará que eles ampliem suas relações com o mundo? E quanto as afastará dele? Se a balança pende para causar dor em uma criança, isso precisa ser revisto.

A escola é o mundo de muitas crianças, por isso, não é aceitável que qualquer uma delas sofra em sala de aula, justamente no espaço em que ela deveria se fortalecer. Então, se a adaptação de que falamos aqui, cujo foco está em atualizar para hoje a mesma pujança que se lia na Tia Nastácia de um século atrás, essa adaptação é bem-vinda porque, repito, as obras do Sítio do Pica-Pau Amarelo foram escritas para as crianças, e não para nós, adultos. No Sítio, Tia Nastácia é a geradora da vida e a saciadora das fomes. De todas. Ela é quem abraça, acalma e faz rir, e é imprescindível que essa percepção da centralidade de Tia Nastácia alcance também as gerações de hoje. Se algumas frases sobre ela envelheceram mal e hoje são consideradas racistas, que sejam adaptadas para que o retrato dessa mulher doce, forte e inspiradora continue o mesmo. O texto mudou justamente para que se preserve a personagem.

Por fim, é claro que muitos de nós também querem “morar nelas”, nas historias, mas é preciso nos lembrarmos que “a casa” é pensada para elas, as crianças, as moradoras originais e por direito.

Dona Benta, a grande educadora do Sítio do Pica-Pau Amarelo

O estereótipo da vovó cansada, sempre sentada, perdida em seus bordados, que pouco se movimenta, mais escuta do que discute e que quando fala é para contar algum acontecimento vivido por ela no passado, foi totalmente ignorado por Monteiro Lobato ao criar a personagem Dona Benta.

É certo que lá em 1920, quando surgiu pela primeira vez, a personagem foi descrita pelo próprio criador como “uma triste velha, de mais de setenta anos, trêmula, quase cega, sem dentes, já no fim da vida”. Porém, onze anos mais tarde, em Reinações de Narizinho, Lobato refaz essa descrição, inclusive rejuvenescendo em dez anos a vovó que ganha um nome: Dona Benta.

Ao contrário do que a descrição introdutória possa sugerir, basta dar continuidade à leitura para identificarmos em Dona Benta, uma vovó cheia de energia, estimuladora da cultura, que dá importância e incentiva a fantasia, a imaginação infantil, as descobertas e aventuras de seus netos. Sem bronquear, ela ainda os ajuda a resolverem seus conflitos e perturbações mais íntimas, sem podar a criatividade dos netos, na maioria das vezes por meio das histórias contadas por ela.

Um olhar mais atento à literatura nos permite entender que Monteiro Lobato foi de fato um homem à frente de seu tempo, que acreditava na educação para resolver os problemas sócio-políticos e econômicos do país, fazendo questão de manter uma constante preocupação no incentivo do leitor a liberdade de pensamento e de ação. O autor percebeu a oportunidade de repassar ao seu público, através dos seus livros,  os seus ideais e pensamentos, contribuindo diretamente para a melhora da educação no Brasil.

Nessa esteira do pensamento lobatiano, nasce então Dona Benta, personagem que em muitos aspectos se assemelha e revela uma projeção do próprio escritor. Uma semelhança que começa pelo nome Benta, feminino de Bento, mas que vai diretamente até a personalidade, os pontos de vista e a evidente tentativa de Lobato em construir uma literatura capaz de situar a criança em seu próprio mundo, por meio da contação de histórias.

De acordo com a professora e pesquisadora Vera Maria Tietzmann Silva, é possível ver em Dona Benta uma projeção do lado sábio e bem comportado, de Lobato, que assim como a personagem criada por ele, também tinha um lado simples e outro erudito. O escritor também foi proprietário rural, um incondicional amante dos livros como Dona Benta, aberto a todas as áreas do saber e que fazia circular o conhecimento, se empenhando em compartilhar suas descobertas e leituras, principalmente com os leitores em formação.

A personagem, assim como o seu criador, consegue enxergar o mundo pelo olhar da criança e no momento de contar histórias abre mão da linguagem desnecessariamente adornada dos adultos, falando à criança de um modo absolutamente simples e didático, deixando aflorar a imaginação e o faz-de-conta. Essa leveza e a sabedoria de Dona Benta, fazem dela o instrumento perfeito para Lobato falar pela voz de sua personagem, encontrando nela a solução para a necessidade de oferecer às crianças, histórias escritas numa linguagem objetiva, clara, acessível, mais próxima possível do registro coloquial.

Não há qualquer exagero em afirmar que Dona Benta é na verdade uma mediadora do saber que se comporta de maneira semelhante ao próprio autor, educando e de um modo simples, despertando através da contação de histórias o gosto pela literatura, a necessidade de adquirir e expandir o conhecimento, sem cortar o interesse, o prazer, o senso crítico e questionador das crianças.

Ainda, na opinião da professora Vera Maria Tietzmann Silva, ao criar o Sítio do Pica-Pau Amarelo, Lobato transforma esse ambiente, onde vive Dona Benta, em uma nova modalidade de escola, que leva aos jovens leitores o conhecimento curricular pela via da ficção, retirando o peso autoritário de seu mediador, não mais o professor severo, mas a avó amiga, que dá ‘sabor ao saber’.

Todos esses detalhes reforçam a certeza de que a criação da personagem não foi por acaso. O escritor demonstra a clara intenção de revelar suas próprias ideias, numa época em que a opinião masculina se sobrepunha à feminina, em que as mulheres não tinham voz. Lobato, na contramão, possibilita que Dona Benta fale em seu lugar, revelando muitos conhecimentos e propagando valores por meio da personagem.

Para a professora e pesquisadora Regina Machado, o ato de contar histórias quebra as relações tradicionais com as crianças, criando um outro contato humano, num tom mais colorido, divertido, vibrante e misterioso.

Dona Benta aparece no Sítio do Pica-Pau Amarelo como uma verdadeira educadora, que por meio de suas leituras, com a entonação certa, o vocabulário acessível às crianças, além de ensinar e estimular o hábito da leitura, evidencia a ideia do escritor de que não há assunto somente para criança ou somente para adulto.

Lobato e Dona Benta, são na verdade leitores que formam leitores e que há mais de cem anos, representam a ideia de que a transformação do mundo passa essencialmente pela educação, que precisa ser prazerosa e voltada para a mente aberta da criança, assim como as obras do criador do Sítio do Pica-Pau Amarelo.

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REFERÊNCIAIS

https://anais.unicentro.br/seped/2010/pdf/resumo_182.pdf

MACHADO, Regina. Acordais: fundamentos teórico-poéticos da arte de contar histórias. São Paulo: DCL, 2004.

SILVA, Vera Maria Tretzmam. Literatura Infantil Brasileira: um guia para professores e promotores de leitura.

Viva o Dia do Saci, o Halloween brasileiro!

O que celebrar no dia 31 de outubro: o Halloween ou o Saci?

Se pudéssemos perguntar a Monteiro Lobato, certamente ele responderia: VIVA O SACI!

Comemorado no dia 31 de outubro, o Halloween é um tradicional evento muito celebrado em países norte-americanos por crianças e jovens que se fantasiam e batem de porta em porta a fim de ganhar doces. No entanto, no Brasil, outra comemoração também se destaca na data: o Dia do Saci.

Nacionalista convicto, numa época de formação do conceito de brasil-nação, Lobato foi o primeiro a se dedicar em traduzir da cultura oral para a escrita o mito do Saci, que graças aos livros do escritor, ganhou projeção nas grandes cidades do Brasil e internacionalmente, através das histórias do Sítio do Pica-Pau Amarelo, que foram também adaptadas com enorme sucesso para a TV.

Comum em países de língua anglo-saxônica, como os Estados Unidos, Canadá e Reino Unido, a celebração do Halloween já acontecia nos países latinos de modo mais tímido e no Brasil, por exemplo, era chamado de “Dia das Bruxas”, passando quase despercebido entre as comemorações brasileiras.

A data foi sendo aos poucos introduzida no nosso país em meados do século XX, por meio de filmes, séries de TV e outros produtos culturais estrangeiros, principalmente dos Estados Unidos, despertando a atenção do comércio que viu nessa celebração, uma oportunidade de negócio.

Apesar do sucesso entre os mais jovens, essa onda crescente logo provocou críticas à implementação de uma festa da cultura estrangeira no cenário cultural brasileiro, desencadeando uma forte movimentação política para transformar o dia 31 de outubro no Dia do Saci, a fim de valorizar a cultura do nosso país, representada pelo nosso folclore.

Para explicar essa ‘invasão cultural’, há um conceito esboçado pelo teórico estrategista de relações internacionais, Joseph Nye, chamado de soft power, que normalmente se traduz como “poder brando”. Esse termo diz respeito a um conjunto de iniciativas não militares ou econômicas, que permitem que um Estado atinja seus interesses de política externa. Em resumo: o soft power está relacionado à capacidade de um país ter influência direta em outros por meio da sua cultura, sua capacidade de se projetar para o mundo. Um exemplo é a poderosíssima indústria cultural estadunidense, com produções de Hollywood e de séries de TV, que chegam ao Brasil com cada vez mais frequência. Esse poder se manifesta também na influência acadêmica, como a leitura e o intercâmbio de pesquisadores.

Alexandre Ganan Figueiredo, historiador e pesquisador de pós-doutorado pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto (FEA-RP) da USP, descreve também como elemento desse tipo de influência a exportação de um estilo de vida ideal, apresentado como um modelo a ser copiado, como é o caso da comemoração do Halloween no Brasil. Entretanto o Dia das Bruxas ou Halloween, não possui qualquer relação com as tradições e a formação cultural brasileiras, não sendo portanto uma manifestação usual.

É justamente a partir dessa percepção que em 2003, foi apresentado pelo deputado federal por São Paulo, Aldo Rebelo, um projeto de lei para a celebração nacional, no dia 31 de outubro, do Dia do Saci, um dos mais conhecidos personagens do folclore brasileiro. A época a matéria acabou arquivada, mas a inciativa repercutiu nacionalmente e a data passou a ser celebrada mesmo não sendo oficial.

Bruno Baronetti, pesquisador e doutorando em História Social pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, vê o Dia do Saci como uma resposta à indústria cultural estadunidense em um momento no qual filmes de grandes franquias, com personagens do imaginário do Halloween, como os vampiros, começavam a ganhar força por aqui. “Além disso, havia uma percepção de que cada vez mais escolas do ensino básico valorizavam o Dia das Bruxas no modelo norte-americano”, explica o pesquisador.

Tendo o Brasil um folclore muito rico, com lendas e histórias vindas da miscigenação entre diversos povos, o que é próprio da nossa formação como país, uma questão ganhou força: “Por que não promover uma reflexão sobre o papel da cultura nacional?”.

Incomodado com a “invasão cultural representada pelo Halloween no Brasil”, o jornalista e geógrafo Mouzar Benedito, e um grupo de amigos, decidiram fundar em 2003, na cidade de São Luiz do Paraitinga, no interior paulista, a Sociedade de Observadores de Saci (Sosaci). A entidade tem como objetivo não deixar morrer a cultura do personagem, popularizado através da obra de Monteiro Lobato e nesse mesmo ano, foi aprovada, naquela cidade, a primeira lei municipal instituindo o dia 31 de outubro, como o Dia do Saci.

A iniciativa acabou sendo replicada em outros municípios e no ano seguinte, uma lei semelhante foi aprovada também na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo.

Estudos folclóricos no Brasil, desde o início do século 20, através do Movimento Folclórico Brasileiro, e grandes estudiosos, como Mário de Andrade e Edison Carneiro, buscam a inserção desses temas nas escolas.

O Dia do Saci tem o papel de estimular, de resgatar a nossa cultura, fazendo um contraponto a esse projeto colonizador e imperialista que busca inserir aqui elementos alheios à nossa cultura.

A ideia de quem defende o dia 31 de outubro como o Dia do Saci, não é acabar com o Halloween, mas sim criar um contraponto para que as crianças, além da tradição estrangeira, passem a ter contato também com tradições e culturas nacionais.

Em 2017, o historiador e então deputado federal pelo Rio de Janeiro, Chico Alencar, apresentou um outro Projeto de Lei instituindo nacionalmente a data de 31 de outubro, como o Dia do Saci, destacando a importância de se recuperar, na figura desse personagem folclórico, a luta contra a escravidão e todas as formas de opressão, além do fortalecimento da identidade nacional.

Nossa mentalidade colonizada e subalterna ainda prevalece. Portanto, a luta pelo reconhecimento e valorização do Saci prossegue e ainda tem de vencer muitas etapas até se construir no novo imaginário popular“, comentou à época em que apresentou a proposta.

Para o professor Fernando Pereira, especialista em Cultura Brasileira do Mackenzie, os grupos que se esforçam para resgatar figuras do folclore nacional fazem um trabalho fundamental e imprescindível, afinal a história de qualquer país está intimamente ligada ao seu folclore, as suas tradições, crenças e costumes.

Defender a celebração do Dia do Saci, esse personagem que é a mais perfeita representação da miscigenação brasileira – índio, negro e europeu –, não significa combater a introdução de outros elementos na nossa cultura. Afinal, o Brasil é um país de vários contrastes, uma verdadeira colcha de retalhos sócio culturais. Apenas não é aceitável permitir que um elemento puramente comercial supere manifestações folclóricas, nascidas do imaginário popular e de tradições históricas.

Nesse processo de preservação dos nossos valores culturais e das nossas tradições, pais e professores têm um papel fundamental. Não é proibido o novo, mas não podemos em hipótese alguma esquecer o antigo. E para isso, o ideal é que temas relacionados ao folclore não sejam abordados por escolas e professores apenas em datas comemorativas, mas que façam parte do cotidiano escolar. Não podemos simplesmente tratar de modo superficial ou até mesmo ignorar a importância do nosso folclore na criação da identidade cultural do nosso país.

Aproveitando toda essa onda nacionalista que atualmente tomou conta do nosso país, fica aqui o convite para que possamos refletir também sobre essa questão e mais do que celebrar o Saci, valorizar a nossa própria cultura.

Por fim, resgatamos aqui um pensamento do escritor, ator e teatrólogo Plínio Marcos para aguçar ainda mais essa reflexão: “um povo que não ama e preserva as suas formas de expressão mais autênticas jamais será um povo livre”. 

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FONTES:

https://www.em.com.br/app/noticia/nacional/2020/10/29/interna_nacional,1199456/como-o-dia-do-saci-quer-rivalizar-com-o-halloween-no-brasil.shtml

https://www.correiobraziliense.com.br/diversao-e-arte/2021/10/4955568-entenda-o-motivo-do-halloween-e-dia-do-saci-serem-comemorados-na-mesma-data.html

Emília, a boneca que virou gente e roubou a cena no Sítio do Pica-Pau Amarelo

Quando se pensa no Sítio do Pica-Pau Amarelo é praticamente impossível não vir a memória a imagem da Emília, a mais famosa boneca que virou gente do Brasil, e foi criada por Monteiro Lobato, em 1920, com a publicação do livro “A Menina do Narizinho Arrebitado”.

Nesta sequência sobre os principais personagens do Sítio do Pica-Pau Amarelo, chegou a hora de falar da boneca de pano, que nasceu com cerca de 40 centímetros, das mãos hábeis da Tia Nastácia, feita de uma saia velha recheada com flores de macela – a camomila brasileira – para Narizinho, que vivia muito solitária no Sítio. Cansada de conversar com a boneca e não ter respostas, Narizinho levou Emília até Reino da Agua Claras onde o Doutor Caramujo, médico do reino, deu uma pílula falante para a boneca, que imediatamente disse sua primeira frase: Que gosto horrível de sapo na boca!”. Daí pra frente Emília não parou mais de falar! Preocupada com a tagarelice desenfreada de sua boneca, Narizinho chegou a pedir ao doutor que a fizesse vomitar aquela pílula e lhe desse uma mais fraquinha, mas foi convencida pelo Caramujo de que aquilo se tratava apenas de fala recolhida”, que precisava sair de qualquer jeito e que logo passaria.

Na evolução para se tornar gente, além de tagarela, Emília se mostra dona de uma personalidade forte, assim como Monteiro Lobato. Aliás alguns estudiosos sobre o autor, afirmam que ela seria a própria personificação da força, da astúcia e do pensamento crítico de Monteiro Lobato.

Curiosamente, de acordo com o professor Osni Lourenço Cruz, pesquisador da vida e obra do escritor, há uma carta datada de 1º de fevereiro de 1943, onde Lobato relata que todos os seus personagens foram criados ao acaso, sem intenções. E sobre Emília, ele escreveu:

[…] Emília começou uma feia boneca de pano, dessas que nas quitandas do interior custavam 200 réis. Mas rapidamente evoluiu, e evoluiu cabritamente – cabritinho novo – aos pinotes. Teoria biológica das mutações. E foi adquirindo uma tal independência que, não sei em que livro, quando lhe perguntaram: Mas quem você é, afinal contas, Emília? ela respondeu de queixinho empinado: Sou a Independência ou Morte!” Apesar disso, encontramos um certo indício para a origem do nome Emília, dado à boneca, em uma citação do escritor Carmo Chagas no livro “Os Oliveira Costa de Taubaté”: “Na casa de Antonieta Bernardes, grande amiga de Maria Eudoxia, trabalhou uma moça negra chamada Emília, que na infância foi companheira de brinquedo dos filhos de Monteiro Lobato e dizia-se em Taubaté, deu seu nome à endiabrada boneca falante”. Fato é que Monteiro Lobato encontrou inspiração para os seus personagens na sua imaginação, vivencia e nas suas leitura. Para os nomes de seus personagens parece ter encontrado inspiração nos tipos taubateanos, mas daí em diante,

tudo paira no campo das especulações. Falando sobre a nossa personagem, Emília se mostra desde o princípio, muito determinada e independente, uma representação feminina que seu criador defendia, bem diferente do que acontecia naquela época, quando as mulheres eram completamente submissas e como as crianças, nem sequer podiam expressar suas opiniões.

Circulando entre o mundo real e o imaginário, a boneca-gente pensa como ser humano, vive de modo irreverente, faz o que – e quando – quer, além de ter um comportamento totalmente repreensível para um adulto, muito parecido ao de uma criança mal criada. Emília é extremamente teimosa e as vezes até mesmo egoísta, e quando questionada sobre quem realmente é, sem pestanejar, tem a resposta na ponta da língua: Sou a independência ou Morte!”, como se quisesse de fato bater de frente com os conceitos e costumes da época.

Através da mente brilhante de Monteiro Lobato, a irreverente Emília se torna protagonista em diversos livros da coleção, mas é destaque em seus próprios, como Emília no País da Gramática (1934), Aritmética da Emília (1935) e Memórias de Emília (1936), onde tem sua biografia escrita pelo Visconde de Sabugosa. Ela ganhou títulos de nobreza como a Condessa das Três Estrelinhase Marquesa de Rabic’ó. Pouca gente talvez saiba, mas Emília também tem alguns apelidos engraçados criados por ela própria, como: bailarina equestre, trapezista de circo, fada de pano, botadeira de nomes, inventadeira de idéias, olhadeira telescópica, caçadora de Saci, mandadeira de cartas, escrevedora de memórias e redatora chefe do jornal Grito do Picapau Amarelo.

Evidente que Emília não se contentou com o mero papel de dama de companhiada menina do nariz arrebitado, deixou de lado os padrões daquele tempo, rompendo com o estereótipo de boneca frágil e delicada, para assumir, não se sabe se ao acaso ou intencionalmente, a posição de protagonista nas fábulas mais extraordinárias da literatura infantil brasileira.

E podemos ir além. Como já abordamos em outro texto sobre as personagens femininas criadas por Lobato, Emília, D. Benta, Tia Anastácia e Narizinho, ignoram todos os padrões impostos pela dominância machista do período em que foram criadas, que viam a mulher como um ser frágil e totalmente dependente. Com extrema ousadia, elas dividem espaço com os demais personagens masculinos, enfrentando as mesmas dificuldades e êxitos, com seus defeitos e qualidades, despertando nas crianças emoções que as estimulam a refletir, aprender e dialogar com os seus próprios valores. Assim a falante boneca de pano que virou gente, segue ainda hoje encantando e inspirando gerações, para orgulho do seu criador e o deleite de seus leitores, como nós, meros mortais.

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REFERÊNCIAS

Prof. Osni Lourenço Cruz – “Na trilha de Lobato”
https://pt.wikipedia.org/wiki/Em%C3%ADlia_(personagem)
https://linguaportuguesa.digital/glossario/emilia-de-monteiro-lobato

O petróleo é nosso! E Lobato também!

O escritor Monteiro Lobato se notabilizou com uma das figuras mais importantes do nosso país, não apenas como o pai da literatura infantil brasileira, mas também por ser um brasileiro a frente do seu tempo, empenhado no desenvolvimento cultural e econômico do seu pais.

Certamente muita gente desconhece, mas ele foi um dos primeiros a acreditar na existência do petróleo em terras brasileiras. Lobato defendeu a nacionalização do petróleo e a investimento da iniciativa privada na sua extração, defendendo a autossuficiência do nosso país na produção de combustíveis e consequentemente na independência energética em relação ao mercado estrangeiro.

Essa história do criador do Sítio do Pica-Pau Amarelo com o petróleo começou em 1927, quando Lobato foi nomeado adido comercial nos Estados Unidos, pelo então presidente Washington Luís. Lá o escritor conheceu de perto as inovações tecnológicas e industriais estadunidenses, e se convenceu de que o progresso naquele país era o resultado da formula de investimentos em ferro mais petróleo e transportes, modelo econômico-político que deveria ser replicado pelo Brasil, para transforma-lo numa potência mundial.

Durante essa estadia, Lobato visitou a General Motors, que o inspirou a criar uma empresa para a produção de aço no Brasil e a fim de levantar recursos para esse empreendimento, se tornou investidor da Bolsa de Nova York em 1928 na vésperas da quebra da bolsa. Com a quebra da bolsa em outubro de 1929, acabou perdendo todo o capital investido e foi obrigado inclusive a esconder esse fato de sua esposa, D. Purezinha. Vendeu as ações que possuía na Companhia Editora Nacional à Temístocles Marcondes, irmão de seu sócio, perdendo assim o controle acionário de sua empresa no ramo editorial.

Apesar disso Lobato manteve-se otimista, principalmente diante da vitória de Júlio Prestes nas eleições de 1930. Washington Luís havia investido pesado em transporte e seu sucessor já havia realizado explorações de petróleo no estado de São Paulo, fatos que aumentavam a expectativa em Lobato de que o nosso país seguiria nesse mesmo rumo. Entretanto, a revolução encabeçada por Getúlio Vargas naquele ano, impediu que Prestes tomasse posse, mudando os rumos da nossa história. Lobato é exonerado do cargo de Adido Comercial em dezembro de 1930 e desempregado, teve inclusive dificuldades financeiras para voltar ao Brasil no início de 1931.

Já no Brasil, Lobato se torna um defensor ferrenho da necessidade de investimentos  petróleo, ferro e estradas como pilares do desenvolvimento nacional. Ele cria a Companhia Petróleos do Brasil, uma empresa privada de capital aberto que vendeu 50% das suas ações em apenas quatro dias, e iniciou as pesquisas por petróleo no campo de Araquá, hoje a cidade de Águas de São Pedro, no interior do estado de São Paulo. Em seguida, o escritor cria a Companhia Petróleo Nacional, a Companhia Petrolífera Brasileira e a Companhia de Petróleo Cruzeiro do Sul, além da Companhia Mato-grossense de Petróleo, com a qual planejava perfurar poços próximo da fronteira com a Bolívia, país que já tinha encontrado petróleo em seu território.

Na contramão do que o escritor acreditava, o governo getulista, com o apoio de alguns empresários brasileiros, alegava que não havia petróleo em nosso país, numa suspeita proteção às petrolíferas americanas que já estavam instaladas no Brasil. Até aquele momento nenhuma jazida de petróleo ou de gás havia sido identificada ou explorada em nosso país, isso porque o poder público não tinha conhecimento, tecnologia, nem dinheiro para realizar tal empreitada.

Cada vez mais convencido de que havia sim petróleo no Brasil, as atitudes dos getulistas apenas reforçavam as suspeitas de Lobato de que os americanos já trabalhavam no mapeamento de petrolíferas, sob a proteção do governo brasileiro. Um enfrentamento ao governo Vargas não era fácil. Mesmo contando com técnicos estadunidenses experientes na prospecção e na extração de petróleo, a empresa de Lobato era frequentemente sabotada por órgãos governamentais, sofrendo intervenções por motivos banais, que apenas comprovaram as suas suspeitas.

Em janeiro de 1935, ele resolve então escrever  uma carta ao presidente Getúlio Vargas, se queixando das dificuldades impostas pelo Ministério da Agricultura em relação às atividades de suas companhias e denunciando, confidencialmente, as atividades da filial argentina da Standard Oil Company (que mais tarde se tornaria a Exxon/Esso) no país, com a conveniente corrupção de fiscais do Serviço Geológico Nacional. O governo ignora as queixas de Lobato. Insatisfeito com essa postura, o escritor então publica o livro “A Luta Pelo Petróleo”, onde denuncia publicamente o Serviço Geológico Nacional, órgão oficial encarregado das pesquisas, de ser conivente com a ação de grupos estrangeiros no Brasil e acusa o governo de “não tirar petróleo e não deixar que ninguém o tire”.

Essa conduta do escritor acaba interferindo diretamente nos interesses de grandes grupos e do próprio governo federal, que em represália, interdita uma das sondas da empresa de Lobato, através de intervenção federal decretada em 1936. O escritor não se dá por vencido, levanta alguns recursos, prossegue com as explorações e finalmente encontra gás natural de petróleo a 250 metros de profundidade em Riacho Doce, no estado de Alagoas.

Nesse mesmo ano, Monteiro Lobato publica um outro livro: “O Escândalo do Petróleo”, onde faz novas denúncias, agora acusando dois técnicos estrangeiros do Departamento Nacional de Produção Mineral pela “venda de segredos do subsolo a empresas estrangeiras”. O livro é um sucesso estrondoso e suas três edições se esgotam no mesmo mês de lançamento. Um ano depois, o livro é censurado pelo governo federal.

Lobato edita então um terceiro livro sobre o assunto: “O Poço do Visconde – Uma aula de geologia para crianças”. Essa foi uma ação muito inteligente do escritor em envolver crianças e jovens na sua luta, através da conscientização infanto-juvenil quanto a importância desse produto, a época, pouco conhecido no país, como um meio de oferecer melhores condições de vida para todos.

As ações do escritor não param de incomodar o governo federal, que em 1938 decide explorar um poço na cidade de Lobato, atualmente um bairro de Salvador, na Bahia e lá finalmente encontra petróleo. Diante dessa descoberta, Getúlio resolve criar, em 1939, o Conselho Nacional do Petróleo (CNP), que se torna a primeira iniciativa do governo para regular e estruturar a exploração de petróleo Brasil.

Naquele momento, havia uma acirrada disputa entre empresários (caso de Monteiro Lobato e das petrolíferas estrangeiras) e ideais nacionalistas, divulgados pelo governo de Vargas, sobre a exploração petrolífera em nosso país. Numa manobra de última hora, Vargas decide alterar o decreto-lei que institui o CNP e passa a considerar como patrimônio da União, todas as jazidas de petróleo em solo brasileiro, inclusive as ainda não encontradas.

Incansável, Monteiro Lobato não desiste e em 1941, envia uma outra carta ao presidente Getúlio Vargas, onde faz duras críticas à política brasileira de exploração de minérios e acaba sendo preso pelo general Horta Barbosa.

Conforme já relatamos em um outro texto aqui no nosso blog, por essa carta Lobato foi condenado a seis meses de prisão sem direito a banhos de sol, recebendo o indulto do presidente três meses depois, deixando a prisão falido e desmotivado.

Em 1941 é finalmente descoberto o primeiro poço de exploração comercial, em Candeias, também no estado da Bahia, e o governo avança na prospecção de petróleo no país.  O país trava então um grande debate em torno da política do petróleo, após a promulgação da Constituição de 1946. Eurico Gaspar Dutra, presidente à época, era um defensor do modelo de política econômica liberal, da abertura ao capital estrangeiro, o que em resumo, significaria a entrega da exploração do nosso petróleo aos interesses das multinacionais.

Não havia naquele momento no Brasil, uma empresa nacional com capital e tecnologia necessários para a exploração de petróleo. Dutra envia em 1948 ao Congresso Nacional um projeto de lei que ficou conhecido como o “Estatuto do Petróleo” e que causou uma reação imediata e vigorosa dos nacionalistas que defendiam o monopólio estatal do petróleo, resultando numa grande mobilização que ganhou proporção nacional, e conseguiu impedir a tramitação do Estatuto. Essa mobilização eventualmente contribuiu para o estabelecimento do monopólio estatal do petróleo no Brasil e por fim, a criação da Petrobrás, anos mais tarde.

Dois dias antes de sofrer um espasmo cerebral que o vitimou aos 66 anos de idade, Monteiro Lobato, que havia sido preso e perdido todo o dinheiro que havia ganho com seus livros, tentando achar petróleo, concedeu uma entrevista à rádio Record, reafirmando a sua posição favorável à vitoriosa campanha em defesa do nosso petróleo e articulou a frase que mais tarde virou o logo da Petrobras: “O Petróleo é nosso!”

Chega. Não quero nunca mais tocar neste assunto de petróleo. Amargurou-me doze anos de vida, levou-me à cadeia – mas isso não foi o pior. O pior foi a incoercível sensação de repugnância que desde então passei a sentir sempre que leio ou ouço a expressão ‘Governo Brasileiro’…” 

Encerrava-se assim a história de um dos mais célebres brasileiros, que pagou um alto preço por defender a nacionalização do petróleo, mas jamais se dobrou aos mandos e desmandos de um sistema que costuma ser impiedoso com aqueles que lhe afrontam.

 

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REFERÊNCIAS:

https://flatout.com.br/historia-de-monteiro-lobato-e-o-petroleo-brasileiro/

Tese: MONTEIRO LOBATO, “GENERAL DO PETRÓLEO”: CONTROVÉRSIAS

CIENTÍFICAS, FICÇÕES E FUTUROS EM DISPUTA NA CAMPANHA PRÓ-

PETRÓLEO (1931-1941) – DANIEL ALENCAR DE CARVALHO (PDF)

Artigo “Indústria siderúrgica brasileira nas ideias de Monteiro Lobato e Pandiá Calógeras” (PDF)

https://www.unicamp.br/unicamp/ju/678/poder-literatura-e-petroleo

https://www.jornalopcao.com.br/opcao-cultural/o-petroleo-e-nosso-derradeiras-palavras-de-monteiro-lobato-21532/

Monteiro Lobato e sua luta visceral pelo petróleo brasileiro: o que aprendemos com ele?

Em cartas cheias de planos e críticas, escritor detalhou interesse na exploração do “ouro negro”

tia Chiaradia

Monteiro Lobato foi um nome muito falado em 2019. Tanto por sua obra entrar em domínio público neste ano quanto pelo aniversário de 80 anos da descoberta do primeiro poço de petróleo brasileiro, no barro de Lobato, em Salvador (Bahia). Apesar do nome do bairro não ter a ver com o criador do Sítio do Pica-Pau Amarelo, o destino ainda sim pode ser sábio, uma vez que o autor foi um dos maiores nomes a lutar pelo Petróleo de solo brasileiro.

Essa luta é explicitada, em sua maioria, por meio de cartas entre ele e o engenheiro de perfuração Charles Frankie, que constam no Cedae (Centro de Documentação Alexandre Eulalio), da Unicamp. O conteúdo das mensagens não era outro: críticas contundentes à legislação que acabara de entrar em vigor e ao “atraso brasileiro”. Destacava nas cartas a história das primeiras companhias petrolíferas no país. Em outras mensagens, entraram em discussão questões acerca da parceria na tradução e na redação do prefácio de “A Luta pelo Petróleo” (1935), de Essad Bey. Mais à frente, esse conjunto de cartas também teria papel definitivo na composição de seu best-seller “O Escândalo do Petróleo” (1936) e no infantil “O Poço do Visconde” (1937).

Entre 1934 e 1936, Lobato empreendeu diversas missões em busca de petróleo, todas frustradas. Seguia criticando a legislação e chegou a apelar para autoridades, na tentativa de alterar o Código de Minas, para que fosse “o mais liberal possível”. Na visão dele, havia pelo menos dois grupos estrangeiros interessados no petróleo brasileiro, mencionados em muitas das cartas: os norte-americanos —que teriam “interesses ocultos”, representados por Vitor Oppenheim e pela Standard Oil—, e os alemães, representados por Frankie e pela empresa Piepmeyer, entre outros.

Supondo que poderia levar o Brasil a um tipo de desenvolvimento semelhante ao observado nos EUA e ainda se firmar como empresário e empreendedor, Lobato iniciou a Campanha do Petróleo.

Em 1930, o mundo ainda sofria consequências da Priemira Guerra Mundial, junto dos efeitos do colapso da Bolsa de Nova York. O Brasil, neste contexto, via sua demanda pelo petróleo crescer exponencialmente. Eram 38 mil barris diários comparados aos 2 milhões por dia atuais. Nesse período, o governo federal passou a legislar sobre a exploração das riquezas minerais em nome da União, buscando fortelecer o estado. Assim, foi fundada a Companhia Brasileira de Petróleo, associada à anglo-holandesa Royal Dutch & Shell, referência mundial na extração, na época com a maioria de técnicos e maquinário americanos.

Assim, entre 1932 e 1935, outras duas companhias passaram a atuar no Brasil: a Companhia Petróleo Nacional, incorporada por Monteiro Lobato, Lino Moreira e Edson de Carvalho, que funcionava legalmente em Riacho Doce, Alagoas; e a Companhia Petróleos do Brasil, presidida por Lobato, instalada legalmente no campo de Araquá, hoje Águas de São Pedro, no interior de São Paulo. Ainda assim, não se extraía petróleo do subsolo brasileiro. Ao menos não oficialmente.

Em 1933, Victor Oppenheim foi contratado para operar pesquisas em solo brasileiro. Lobato, então, começou a criticar publicamente a associação entre o governo brasileiro e a estrutura empresarial dos EUA. Em paralelo, Juarez Távora, na pasta da Agricultura, solicitava oficialmente ao Itamaraty uma organização do exterior para estudos geofísicos no Brasil, passando, em seguida, a comandar as iniciativas de pesquisa.

Pouco depois disso, Victor Oppenheim começou a divulgar os primeiros resultados de sua pesquisa. Em boletim ao DNPM, afirmava: “A região de S. Pedro, no estado de S. Paulo [poço São João do Araquá, cuja exploração se dava pela Companhia Petróleos do Brasil, de Monteiro Lobato] é, do ponto de vista geológico-estratigráfico, francamente negativa para futuras pesquisas de petróleo nessa região”.

Devido ao novo Código de Minas e também á constituição de 1934, as jazidas eram consideradas como parte da união, além do estabelecimento de “a nacionalização das jazidas e minas julgadas básicas ou essenciais à defesa econômica ou militar do país” e “a exigência de nacionalidade brasileira ou de constituição de uma empresa nacional para atuar no setor de mineração” —medidas nitidamente nacionalistas.

Lobato, como já dito, combateria extensivamente, como escritor e empresário, o Código de Minas. Irritado em especial com a exigência de nacionalidade brasileira para a pesquisa e para a lavra das jazidas minerais, apelidou-o de “lei cipó”. A legislação, porém, ao definir empresas nacionais como “sociedades organizadas no Brasil”, sem restrição de nacionalidade dos acionistas, possibilitava que companhias estrangeiras fossem até proprietárias de empresas nacionais.

Usando dessa brecha, Lobato organizou no Brasil sociedades com capital estrangeiro, como a Amep (Aliança Mineiração e Petróleos), visando impedir que o petróleo brasileiro ficasse exclusivamente com o truste americano Standard Oil-Royal Duth sem concorrência mínima.

Lobato julgava necessária a diferenciação entre acordo e entreguismo. Ele cobrava que Getúlio Vargas priorizasse os interesses do Estado brasileiro, inclusive em longo prazo. O escritor era um cidadão inconformado que não desistia de exercer seus direitos políticos, um intelectual apaixonado que caminhava rumo a seu propósito, atuando nas mais diversas áreas: alimentava debates na imprensa, discursava acerca da importância dos empreendimentos nacionais, realizava prospecção de petróleo, escrevia artigos e livros sobre o tema e dedicava-se visceralmente aos “bastidores do petróleo”, pela intensa troca de cartas, buscando os mais diversos arranjos políticos e comerciais.

Mais que um escritor, Monteiro Lobato era um intelectual apaixonado e devoto do poder da literatura e dos livros. Cabe aqui uma reflexão sobre o essencial papel que o verdadeiro pensador desempenha no processo de desenvolvimento de uma população. O intelectual que fala com todos é essencial em tempos obscuros.

Em 1937, com uma nova Constituição, as regras para a pesquisa e a lavra das jazidas minerais ficaram ainda mais enrijecidas em relação à nacionalidade das empresas. Fechou-se a brecha da lei de 1934, estabelecendo-se claramente que apenas brasileiros ou empresas constituídas no Brasil, com sócios brasileiros, poderiam participar das atividades mineradoras.

Meses à frente, porém, o decreto-lei 366, de 1938, incluiu no Código de Minas um capítulo específico, declarando que “todas as jazidas de petróleo e gases naturais acaso existentes no território nacional pertencem aos Estados ou à União, a título de domínio privado imprescritível”. Tratava-se do primeiro documento federal abordando especificamente o petróleo que, contudo, segundo o governo, ainda “não existia”.

Mas em 1939, há 83 anos, num rompante de deboche aos laudos do DNPM, o petróleo brotou no bairro de Lobato, em Salvador, na Bahia. No ano seguinte, o novo Código de Minas manteve o dispositivo de 1934. A incansável atuação na Campanha do Petróleo colocou Monteiro Lobato em choque com o governo de Getúlio Vargas, o que levou à prisão do escritor de janeiro a junho de 1941.

Ironicamente, enquanto Lobato estava preso, foi publicada a primeira legislação específica para o petróleo, o decreto-lei 3.236, de 7 de maio de 1941. Em 1946, nova Constituição restabelecia a brecha para que estrangeiros pudessem atuar como sócios em empresas de mineração, nos moldes do que vigorava em 1934. No entanto, o Código de Minas de 1940 não foi modificado, mantendo a restrição a estrangeiros. O artigo que continha tal limitação foi somente revogado pelo Senado em 1964, após acórdão do STF, liberando empresas estrangeiras como acionistas de empresas de mineração no Brasil.

O tempo da vida, contudo, nem sempre é o tempo da política. Na madrugada de 4 de julho de 1948, vítima de um derrame, Monteiro Lobato morreu em São Paulo, sob comoção de todo o país.

Quase duas décadas mais tarde, em 1967, foi promulgado o Código de Minas que vigora até hoje, com algumas modificações implementadas por meio de leis específicas. Ele oficializou a abertura das atividades de mineração no Brasil a empresas estrangeiras, o que já vigorava desde 1964.

Em 2015, a legislação de lavra voltou a ganhar notoriedade no cenário brasileiro. Um crime ambiental comprometeu para sempre o distrito de Bento Rodrigues, em Mariana, Minas Gerais: a barragem de rejeitos da mineradora Samarco (que tem como sócias a brasileira Vale e a anglo-australiana BHP Billiton) rompeu, matando o rio Doce, soterrando famílias e animais, levando doenças e impregnando de barro os olhos de um país inteiro, que assistia incrédulo à tragédia.

Vieram à baila, desde então, discussões sobre a responsabilidade das mineradoras na lavra das jazidas minerais. Em 2017, por meio da medida provisória 790, o governo federal tentou introduzir modificações ao Código de Minas, como a inclusão de “responsabilidade do minerador pela recuperação ambiental das áreas impactadas” e a obrigação do titular da concessão de “observar o disposto na Política Nacional de Segurança de Barragens”.

Após meses de discussão no Congresso, a MP recebeu 250 emendas e se transformou em um projeto de lei de conversão (PLV 39), que, depois de várias sessões sem ser apreciado, foi retirado de pauta, fazendo com que a MP caducasse. Mesmo após a tragédia, a burocracia tornou inerte o primeiro movimento positivo, em anos, na legislação de lavra.

Na esteira dos fatos, no final de 2018, o decreto 9.406 foi publicado, regulamentando a lei do Código de Minas de 1967. Parte do decreto é uma reedição de artigos da MP 790, já que o PLV 39 ainda não foi apreciado pelo Congresso Nacional. Tudo foi parar em alguma gaveta.

Desde então, ainda tivemos a catástrofe de Brumadinho, com milhares de vidas humanas e não humanas interrompidas ou impactadas pelo mar de rejeitos e descaso da mineradora Vale.

A sensação de entreguismo do Brasil também marca nossos dias. Estamos inertes? Estamos já nos esquecendo? Quase um século se passou desde que Monteiro Lobato usou de todas as suas armas para se opor à burocracia institucional que opera na máquina política brasileira. De lá para cá, pouco ou nada mudou: medidas provisórias caducam, projetos de lei são engavetados e boa parte dos governantes ainda ignoram os assuntos sobre os quais legislam.

O texto, a luta, a persistência e a indignação de Monteiro Lobato escaparam aos clichês de sua época, e a originalidade de sua obra ainda hoje continua a nos falar. É este também o papel da literatura: ao nos envolver em um mundo que não parece nossa realidade, leva-nos a reavaliar o mundo em que vivemos.

Talvez nos falte essa indignação visceral.

tia Chiaradia, doutora em teoria e história literária pela Unicamp.

Este texto foi adaptado do artigo “Em briga por petróleo, Monteiro Lobato vê burrada imensa no país”, publicado original e integralmente no caderno de literatura “Ilustríssima”, da Folha de São Paulo. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2019/03/em-briga-por-petroleo-monteiro-lobato-ve-burrada-imensa-no-pais.shtml 

Grupos de estudos sobre Monteiro Lobato ganham destaque em lives com bisneta do escritor

Reunir em um grupo, profissionais gabaritados, com as mais variadas experiências e vivências para aprofundar o estudo de um determinado tema ou personalidade, é um trabalho desafiador e de incalculável importância para o aprofundamento do conhecimento que contribui para o entendimento contextual nas mais variadas áreas.

Um grupo de estudos é uma oportunidade de se desenvolver, no sentido intelectual, acadêmico e social. Compartilhar informações, trocar ideias, fazer novas descobertas e ampliar o conhecimento.

Atualmente, dois grupos de estudos sobre Monteiro Lobato se destacam no cenário de pesquisas Lobatianas -‘Observatório Lobato’ e o ‘Lobato em Rede’ ambos com produção de trabalhos de peso e qualidade a respeito do pai da literatura infanto-juvenil brasileira.

OBSERVATÓRIO LOBATO

O grupo ‘Observatório Lobato’ conta atualmente com 17 membros e surgiu organicamente no final de 2021, resultado dos ‘Encontros com Lobato’ e da’ ‘Jornadas Monteiro Lobato’.

Em meados de 2019 após uma conversa com a coordenadora da área de Português do curso de traducão da Universidade Johannes Gutenberg e  tambem a constatação da falta de uma tradução para o alemão da obra infantil de Monteiro Lobato a Profa. Vanete Santana-Dezmann decidiu sugerir um projeto estimulante de tradução para seus alunos de graduação.  O projeto abarcaria a tradução dos primeiros tres capítulos do livro “Reinações de Narizinho” para o alemão.  Meses depois, em Agosto surgiu a ideia de haver um evento para se falar da obra de Lobato que havia caído em dominio publico.

Em Dezembro de 2019, aconteceu a primeira “Jornada Monteiro Lobato” realizada na FFLCH -USP. Este evento presencial contou com 22 conferências e foi organizado pela conjunto com o prof. John Milton – professor de Tradução da Universidade de São Paulo que acabara de lançar um livro sobre a relação de Lobato com a tradução. O interresse foi tanto que as Jornadas se tornaram anuais acontecendo virtualmente em Dezembro de 2020 e 2021.

A partir das “Jornadas” surgiu a ideia de encontros mensais sobre Lobato – os “Encontros com Lobato” onde a Profa. Vanete e o Prof John Milton tem entrevistado as mais diversas pessoas, sempre sobre temas relacionados à Monteiro Lobato. Esses encontros trouxeram para o grupo, outros estudiosos importantes, como o Dr. Sílvio D’Onofrio, pesquisador de Lobato e biógrafo de Edgar Cavalheiro, além da pesquisadora Taís Diniz Martins.

E foi assim, na esteira desses eventos e dessas e outras uniões, que foi nascendo o grupo de estudos ‘Observatório Lobato”.

MONTEIRO LOBATO EM REDE

O grupo ‘Monteiro Lobato em Rede’ existe virtualmente há mais de 20 anos, com diferentes titulos, e é formado por pesquisadores que, na sua origem, foram orientandos da professora Marisa Lajolo, responsável por “análises paradigmáticas da obra lobatiana”, e hoje é dirigido pela também professora Milena Martins.

Entre 2009 e 2014, os membros do grupo foram coautores do livro “Monteiro Lobato livro a livro: obra infantil”, vencedor de dois prêmios Jabuti como melhor livro de crítica literária e livro do ano de não-ficção. Eles ainda publicaram “Monteiro Lobato livro a livro: obra adulta”.

Em 2021, o grupo se formalizou como uma linha de pesquisa do grupo “Literatura em Rede”, registrado no diretório de grupos de pesquisa do CNPq.

Atenta ao surgimento de grupos de estudos sobre Monteiro Lobato, a bisneta do escritor, Cleo Lobato decidiu realizar uma série de lives via plataforma Zoom, com inscrições direcionadas a professores e alunos universitários com o objetivo de difundir o trabalho desses estudiosos que podem contribuir de modo relevante para uma melhor compreensão da vida e da obra de uma das personalidades mais importantes do nosso país.

Com o tema “Dona Benta em tempos de Revolução Digital” primeira live aconteceu no dia 26 de maior, com a participação de Juliana Padúa, doutora em letras pelo Manckenzie, vice líder do grupo de pesquisas e produções literárias e culturais para crianças e jovens da USP e Patrícia Romano, professora da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará e membro do Observatório Lobato e Lobato em Rede.

A próxima live será justamente com a professora Milena Martins, que vai detalhar todo trabalho de estudo e pesquisa do grupo Lobato em Rede.

Para saber mais sobre as lives e outros conteúdos relacionados a vida e a obra do pai da literatura infantil brasileira, basta acompanhar o perfil da Cleo Lobato no Instaram: https://www.instagram.com/cleomonteirolobato/ e no Facebook: https://www.facebook.com/cleo.monteirolobato

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Referências:

https://www.observatoriolobato.org/

http://www.prppg.ufpr.br/site/ppgletras/2022/04/12/grupo-de-pesquisa-monteiro-lobato-em-rede-inicia-ciclos-de-palestras-em-19-de-abril/

‘O Saci’, um livro atual para crianças e adultos 100 anos após o seu lançamento

Três anos após haver escrito o livro O Saci-Pererê: resultado de um inquérito, Monteiro Lobato lançou em 1921, a primeira edição de O Sacy (sim, naquela época a grafia era escrita com a letra y), um livro elogiadíssimo até os dias de hoje, considerado um ícone da obra do escritor por reforçar as suas ações na linha de uma nova literatura infantil brasileira, processo que ele próprio já havia iniciado com o sucesso de A menina do Narizinho Arrebitado, o seu primeiro livro infantil, lançado em 1920. Alem disso O Saci resgatou e valorizou o folclore brasileiro e tornou os personagens do nosso folclore conhecidos de todos.

A história gira em torno de um diálogo reflexivo entre o Saci e Pedrinho. O neto de Dona Benta, que morava na cidade, e costumava passar suas férias escolares no Sítio do Pica-Pau Amarelo, onde brincava de tudo e costumava se gabar de não ter medo de nada, a não ser de vespas. No fundo, o menino também morria de medo de Saci, um sentimento comum, afinal todos naquele tempo ficavam amedrontados com as histórias correntes a respeito do endiabrado moleque duma perna só que fazia travessuras.

Apesar do temor, Pedrinho vivia  com o saci na cabeça, falando do danado e tomando informações a seu respeito. Um dia, conversando com Tia Nastácia, ficou sabendo que o Tio Barnabé sabia como capturar saci e essa descoberta deixou o menino determinado a aprender a caçar um. Pedrinho resolve então procurar o velho sábio, com mais de 80 anos, um profundo conhecedor das coisas da natureza, de religiosidade, sabedor de histórias que ele viveu e outras que ouviu ao longo da vida, para saber mais sobre o saci. Tio Barnabé explicou ao menino que o saci na verdade era um diabinho de uma perna só, pito aceso na boca e uma carapuça vermelha na cabeça que vivia solto por aí aprontando com todo mundo. Revelou tambem que a força dele está na carapuça, assim como a força de Sansão estava nos cabelos e que quem conseguisse tomar e esconder a carapuça de um saci se transforma no seu senhor pelo resto da vida.

Tio Barnabé explicou ainda que não havia apenas um saci no mundo, mas vários! Contou do aparecimento de um deles ali, na sua casa e revelou que havia muitos jeitos de pegar saci, mas o modo mais fácil era atirar uma peneira em cima de um rodamoinho de poeira e folhas secas, pois todos os rodamoinhos são provocado por um saci, como todos sabem. Depois ele deveria prender o diabinho numa garrafa, fecha-la bem com uma rolha, tomar a sua carapuça e esconde-la bem escondida.

Resumidamente, sem dar “spoiler”, Pedrinho consegue pegar um verdadeiro Saci e em seguida se mete em uma grande aventura que se passa do mundo natural (a floresta) para o mundo sobrenatural (mitologia/folclore) com muita naturalidade, até porque para a criança não há muita diferença. Nesse livro, além da valorização do nosso folclore, O Saci passa ao leitor, mensagens e ensinamentos sobre comportamento, respeito, amor ao próximo e principalmente nos leva a refletir sobre o eterno embate entre natureza versus civilização, desenvolvimento versus preservação e temos como pano de fundo uma discussão filosófica entre Pedrinho e o saci. A primeira delas sobre quem é superior, o homem que tem de aprender as coisas ou os animais que já nascem sabendo?

A medida que avançamos na leitura fica claro que quem vence essa discussão é o saci, porque ele fala das guerras que o homem costuma fazer, estampa toda a estupidez do ser humano e conclui, por exemplo, que se todos se mantivessem crianças, assim como Peter Pan, não haveria guerras e a vida endireitaria.

Num outro trecho, na hora da fome, o saci sabe o que fazer, arranjando palmito e mel para matar a fome, dando início a uma outra discussão: o que é a vida? o que faz os seres vivem? E mais uma vez o danado tem outra explicação feita com enorme delicadeza. Com a chegada da noite eles falam de medo, passando a mensagem de que é o medo quem cria os seres terríveis, os monstros, os fantasmas, e aí surgem mais figuras do nosso folclore na história, como o Curupira, o Negrinho do Pastoreio além de outras criaturas como o lobisomem, a mula-sem-cabeça, a Cuca e a Iara. Essa parte da historia é um verdadeiro dicionário de seres do nosso folclore e não há qualquer exagero em afirmar que est elivro realmente resgatou todos os personagens do folclore brasileiro e tambem traz importantes reflexões que vão sendo apresentadas no desenrolar da história protagonizada por Pedrinho e pelo saci.

Para fechar a história, avisados por uma coruja, nossos dois personagens centrais ainda tem o desafio de enfrentar a Cuca para salvar Narizinho, transformada em pedra pela velha bruxa. E o final… bem… vamos deixar que você leia o livro, porque no desfecho há outros ensinamentos que você só vai entender através desse mergulho na leitura.

O que podemos garantir é que O Saci é um livro que todos os pais precisam ler para os seus filhos, compartilharem juntos essa experiência. Ler pausadamente, sem pressa, se atentar as ricas mensagens e valores morais passadas ao longo da história que se mantém atual e ricamente transformadora, mais de cem anos depois de ser escrita!

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REFERÊNCIAS;

# edição nº 1 “O Sacy”.

http://www.labpac.faed.udesc.br/monteiro%20lobato%20e%20o%20folclore_ivan%20vale%20de%20sousa.pdf

https://colecionadordesacis.com.br/2016/03/30/a-culpa-de-lobato/

https://lobato.com.vc/2021/10/a-revolucao-do-folclore-atraves-de-monteiro-lobato/

https://acervo.estadao.com.br/noticias/acervo,ha-um-seculo-inquerito-sobre-o-sacy,12665,0.htm

http://www.ecofuturo.org.br/blog/dia-do-saci/

https://www.maisquelivros.com/2020/01/resenha-o-saci-monteiro-lobato.html#:~:text=%C3%89%20nessa%20hist%C3%B3ria%20que%20a,terr%C3%ADveis%20garras%20da%20bruxa%20Cuca.

https://www.mercadoeditorial.org/books/view/9786589711179

 

Narizinho; a primeira personagem feminina a ser protagonista em histórias infantis

Alguns dias antes do Natal de 1920, Monteiro Lobato publicava sua primeira obra escrita especialmente para o público infantojuvenil: “A Menina do Narizinho Arrebitado”, pioneira em diversos aspectos.

A obra marcou época, principalmente ao trazer pela primeira vez, como protagonista, uma personagem feminina, antes mesmo da espevitada Emília, que só teria o seu nome estampado num título em 1934 com o livro “Emília no País da Gramática”.

Para diversas gerações de crianças, as páginas dessa obra literária abriram as portas, ou melhor, as porteiras, para um mundo mágico, sem fronteiras de tempo e espaço, sem oposição entre o real e o fantástico, onde o que se deseja se pode viver, o que se imagina pode acontecer.

Aos poucos fomos conhecendo e nos tornando íntimos dos habitantes deste mundo, uma constelação de personagens incríveis que orbitam, naquela época, em torno de uma estrela maior: Lúcia, a menina do narizinho arrebitado, que deu início, há mais de 100 anos, a uma das mais famosas coleções da literatura infantojuvenil brasileira – o Sítio do Pica-Pau Amarelo”.

Dando sequência a nossa série sobre os principais personagens do Sítio do Pica-Pau Amarelo, abordamos neste artigo, a personagem Narizinho.

Mas quem é essa personagem que ganhou fama por ter como principal característica física, um nariz arrebitado? Lúcia Encerrabodes de Oliveira, é o nome de batismo da neta de Dona Benta, prima de Pedrinho, dona da boneca Emília e ainda protagonista de várias aventuras que marcaram gerações, na forma de livro e também na televisão, no Brasil e no mundo.

Infelizmente, entre todos os personagens criados por Lobato, Narizinho é de quem menos se tem informações em relação a sua inspiração, origem e outros detalhes que nos ajudem a ampliar o nosso próprio imaginário. Na edição original, entre as poucas informações, o escritor nos indica que ela era órfã de pai e mãe, sem citar de quem era filha (se de um filho ou de uma filha de Dona Benta), por exemplo. Sabemos que seus pais morreram e só.

Monteiro Lobato foi um desses escritores que não costumava descrever detalhadamente a aparência de cada personagem. Ele costumava informar apenas leves indícios para caracterizar sua criação, assim como também fez com Narizinho,

descrevendo a personagem como uma menininha de sete anos, morena como jambo, de olhos pretos como duas jabuticabas”, algumas vezes bem diferente de algumas das Narizinhos que aparecem nas ilustraçoes dos seus livros e tambem nos programas de televisão que fizeram enorme sucesso ao longo de décadas.

Sua neta, Joyce suspeita que a personagem teria sido inspirada nas irmãs de Juca, como Lobato era chamado pela familia, Judith e Esther. Ambas era extremamente inteligentes, de personalidade forte e de imaginação fértil. Tambem nos deparamos no texto do professor Osni Lourenço Cruz, em seu livro Na trilha de Lobato”, onde ele afirma que “Narizinho seria fruto de uma fixação antiga por narizes que se percebe em muitos escritos de Lobato. Muitas características da personagem estariam ligadas às irmãs do escritor: Judith e Esther, com as quais costumava brincar na fazenda dos pais.”

Sobre a fixação com narizes arrebitados aqui vemos a realidade seguir a fantasia pois por incrível que pareça tanto sua neta Joyce quanto a bisneta de Lobato, Cleo, tem narizes arrebitados!

Na verdade, nunca saberemos ao certo de onde teria vindo a inspiração para a criação da nossa protagonista, entretanto, é facilmente percebida em Narizinho, várias características que moldam a sua personalidade: uma menina imaginativa e inteligente, com forte senso de justiça, que adora brincar e que valoriza uma boa amizade – como se nota na sua proximidade com a Emília, sua boneca de pano, melhor amiga e companheira.

O jambo, destacado como sendo a cor da pele de Narizinho, é uma fruta nordestina avermelhada e essa característica sutilmente acrescentada por Lobato, talvez um indício de brasilidade e mestiçagem tão comum na população brasileira.

Mas pouco importa aqui a cor de pele da nossa personagem e sim o seu protagonismo. Afinal Narizinho foi a responsável por dar origem a tudo que de maravilhoso acontece no sítio. É ela quem faz uma boneca falar, um sabugo filosofar, quem se casa com um peixe e ainda faz sua boneca se casar com um leitão!

Assim como Lewis Carroll criou sua Alice genialmente descrevendo como se sonha, quando os acontecimentos se desenrolam de modo bagunçado, Monteiro Lobato criou a personagem à sua maneira. Ele também fez Narizinho uma sonhadora, mas ela sonha de modo mais ordenado, como se estivesse acordada.

A nossa centenária personagem, no auto do seu protagonismo literário, simplesmente sonha o que quer sonhar!

 

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REFERÊNCIAS

https://jornal.usp.br/cultura/ha-cem-anos-nascia-narizinho-uma-menina-de-nariz-

Narizinho

https://www.scielo.br/j/ccedes/a/ysqfcVHPLcNq7vqQbYJxFmM/?lang=pt

http://espaconarizinho.blogspot.com/p/quem-e-narizinho.html

https://www.ovale.com.br/brand/2.730/narizinho-e-negra-cravou-pedro-bandeira-

Na trilha de Lobato” – professor Osni Lourenço Cru

A Importância da Representatividade da personagem Nastácia

Por Andréa Rosa
Tradutora e Intérprete de LIBRAS
Doutora em Educação e Professora da UFSCAR – Campus Sorocaba

Ter em mãos a versão da obra de Monteiro Lobato adaptada pela sua bisneta é um presente para nós leitores brasileiros. Cleo reúne características únicas que a qualificam para este trabalho e porque não dizer “aventura” que é tornar as obras de Monteiro Lobato acessível às crianças do século XXI!

A princípio para um leitor menos avisado realizar a versão ou a adaptação de um texto pode dar a impressão de ser uma tarefa fácil, porém, não é, pois ambos demandam conhecimentos linguísticos e artísticos. Ambos envolvem a recriação centrada na língua–alvo e na cultura de seus leitores, trabalho que Cleo Monteiro Lobato realiza com perfeição por meio das ilustrações e do texto.

Vale ressaltar que recentemente a obra de Monteiro Lobato tem sofrido algumas críticas, sendo considerada por alguns, preconceituosa, porém devemos considerar a época na qual foi escrita e os costumes estabelecidos. Então, vindo de encontro da atualidade e dos progressos alcançados com o tempo, Cleo Monteiro Lobato nos apresenta um texto que enaltece as diferenças sem desigualdade. Por exemplo quando nos apresenta Tia Nastácia “Na casa ainda existem duas pessoas – Tia Nastácia, amiga de infância de Dona Benta que carregou Lúcia em pequena, e Emília, uma boneca de pano bastante desajeitada de corpo”. Por meio desse recurso inusitado ao apresentar a Tia Nastácia como amiga de infância da Dona Benta e não como cozinheira, Cleo introduz as personagens de forma similar em total igualdade! Essa adaptação permite ao leitor imaginar Tia Nastácia e Dona Benta sem distinção de classe social, produzindo um texto apropriado no atual contexto social brasileiro.

As ilustrações dessa obra possuem leveza, criatividade e contemporaneidade, deixando os personagens ao alcance do imaginário das crianças do século XXI. As ilustrações são essenciais no livro infantil, pois aviva a imaginação, aflora sentimentos e possibilita a construção de significados. A imagem é sempre o primeiro chamado para a criança pequena, que ainda não domina a leitura verbal. A leitura de um livro começa na capa e vai até onde o leitor possa perceber a riqueza de detalhes que compõem a obra, cujas narrativas de texto e de imagem se conectam. A narrativa da obra se faz de maneira articulada entre textos e imagens.

Nessa direção vale destacar as referências que são trazidas ao texto por meio das ilustrações, a exemplo de Narizinho que sempre foi descrita como uma menina morena cor de jambo que mora no sítio, e acompanhando dessa narrativa temos a ilustração de uma menina desta vez realmente morena com cabelos castanhos escuros curtos, vestido vermelho e calçando tênis All Star vermelhos, representação totalmente contemporânea. Essa imagem permite as crianças se identificarem com o personagem e nesse momento ocorre a captura do leitor pela obra! Cleo Monteiro Lobato alcança o êxito desejado por todo e qualquer autor!!

Vale destacar a nova tia Nastácia. Ela é retratada com riqueza de detalhes com suas roupas coloridas e típicas dos países africanos, com brincos, colares e pulseiras, dessa forma abandonando-se o lugar de subalterna e sem posses, a personagem negra está em pé de igualdade com a Dona Benta. Por essa contribuição a obra de Cleo Monteiro Lobato já é por si só merecedora de ser lida pelas nossas crianças, pois colabora para a transformação do olhar do outro sobre a pessoa negra e igualmente permite a criança negra se identificar com o personagem de forma admirável, produzindo nessa criança auto estima positiva sobre si mesma.

Nesse trabalho, narrativa e imagem são tecidas com delicadezas e preenchem todo o livro concebendo dele como uma obra reescrita e ao mesmo tempo original. E não é esse o desejo de todo tradutor/autor? Fazer ecoar na obra a voz do autor do original na reescrita de um novo texto autoral?

Monteiro Lobato sobrevive para as crianças do século XXI no trabalho sensível da sua bisneta!

Magno Silveira, um dos inumeráveis e apaixonados “filhos de Lobato”

A paixão de Magno Silveira pelos livros de Monteiro Lobato é prova do extraordinário alcance que tiveram os livros de Monteiro Lobato Brasil a fora.

Nascido em mãos de uma parteira na Fazenda do Lajão, no município de São Pedro dos Ferros, na zona da Mata mineira, o designer, ilustrador e bibliófilo Magno Silveira, já nos tempos de pré-adolescente, morava” literalmente, na pequena biblioteca da cidade. Costumava passar os dias mexendo, remexendo, lendo e relendo o curioso acervo que marcou a sua memória, com a mítica O Tesouro da Juventude e toda a obra infantil de Jose Bento Monteiro Lobato.

Uma das coleções, relembra Magno, de capa vermelha com dourações, que existia na biblioteca, foi ilustrada por André Le Blanc e cada um dos exemplares trazia, extra texto, duas pranchas ilustradas a cores por Jurandyr Ubirajara Campos, o conhecido J.U. Campos. Essas ilustrações coloridas, caprichosamente pintadas, eram o deslumbre do jovem, que mais tarde se tornaria um verdadeiro garimpeiro da obra do pai da literatura infantil brasileira. Narizinho em diálogo com o Gato Félix, a turminha do Sítio montada no Quindim, a onça tentando abocanhar o Sacy, a casinha de Dona Benta com o mastro de São João, são lembranças ainda bem vivas pois as pranchas coloridas de J.U. Campos eram verdadeiras obras primas.

A outra coleção era de natureza mais popular, mais atrativa nas capas, todas elas elaboradas por Augustus, que Magno considera o maior capista de Monteiro Lobato. Augustus, na sua opinião, conseguiu cenas absolutamente cinematográficas desenhadas de modo a unir capa, lombada e contracapa, num todo impactante. Sua capa para Reinações de Narizinho, um grande close up das narinas da menina, é magistral, e tornou-se clássica. O miolo dessa coleção trazia as mesmas ilustrações do André Le Blanc, mas sem as pranchas coloridas de J.U.Campos”, destaca.

Magno, que desenha desde a infância, conta que todo esse deslumbre surgiu naturalmente, inclusive na época ele já se tornara uma espécie de desenhista oficial da pequena cidade de São Pedro dos Ferros.

Nasceu lá, naquela pequena biblioteca, a paixão de Magno Silveira por Monteiro Lobato, por seus livros, por seus ilustradores que, desde 1992, são objeto de sua coleção e pesquisa. Como sempre quis o escritor, eu realmente morei” – e ainda moro – em seus livros e, quando a vida se torna um tanto aborrecida, fujo imediatamente para o Picapau Amarelo onde tenho longas conversas com o Visconde de Sabugosa ao sabor do delicioso aroma que vem da cozinha de Tia Nastácia”, relata Magno.

Magno cursou desenho na Fundação Mineira de Arte e Artes Plásticas na Fundação Escola Guignard, em Belo Horizonte e Design Gráfico na Universidade Paulista, em São José dos Campos, cidade onde mora desde 1991 e há mais de 30 anos comanda com sucesso o Magno Studio Design & Branding, escritório especializado em design editorial, naming, design de embalagens, design gráfico e estratégico, branding, ilustração e websites.

Colecionando livros de Lobato, tem em seu acervo raras primeiras edições de obras infantis do escritor e em 2015 foi o curador da exposição Os Ilustradores de Lobato – a construção do livro infantil brasileiro, montada inicialmente no Sesc de São José dos Campos, em 2015, na qual exibiu uma seleção de desenhos de Voltolino, Kurt Wiese, Nino, Jean Villin, Belmonte, Rodolpho, Raphael de Lamo, J.U.Campos, André Le Blanc e Augustus, ilustradores escolhidos a dedo por Monteiro Lobato, entre os anos de 1920 e 1948. No ano passado esta mesma exposição teve uma versão pocket no Clube Athletico Paulistano, na capital paulista, celebrando os 30 anos do escritório Magno Studio Design.

Alma de bibliófilo e mãos de designer

Lançando um novo olhar sobre a obra infantil de Lobato, usualmente estudada por suas qualidades literárias e temáticas, Magno Silveira tem focado suas pesquisas nos ilustradores e nas soluções gráficas e editoriais que mudaram definitivamente o rumo dos livros para as crianças do Brasil. Com esse trabalho, destacando os ilustradores de Lobato, Magno iluminou também o rico universo artístico das primeiras décadas do século XX.

Com alma de bibliófilo (amante ou colecionador de livros raros e preciosos) e mãos de designer, a riqueza, a originalidade e o rigor dos arranjos expositivos dos trabalhos de Magno não demoraram a chamar a atenção das editoras. Hoje ele faz pesquisas iconográficas (estudo descritivo da representação visual de símbolos e imagens) textos e leitura crítica para as coleções lobatianas da Editora do Brasil e da Globo Livros.

Através de seu escritório, o designer, que também é ilustrador, apresenta em seu portfólio inúmeros projetos de livros, publicações e peças gráficas. Toda essa expertise, aliada ao mergulho técnico e emocional no universo das imagens dos livros de Lobato, levaram Magno ao júri da categoria capa do Prêmio Jabuti 2020.

A reprodução original de O Sacy, de Monteiro Lobato

Este ano Magno Silveira criou a Editora Graphien com o objetivo de levar aos leitores edições fac-similares das primeiras edições de obras da literatura brasileira, a começar por livros de Monteiro Lobato. O Sacy, uma primeira edição hoje raríssima, foi o primeiro lançado no dia 21 de Junho. Para maior fidelidade à impressão tipográfica, foram projetadas matrizesem computação gráfica minuciosamente elaboradas a partir da

análise e compreensão da capa original digitalizada em altíssima resolução”, explica o organizador.

O resultado, foram 1.500 exemplares de um livro impresso em papel importado Munken (150g), no formato original 23×30 cm, com capa dura, sobrecapa grafite e corte circular ao centro, que deixa aparente o detalhe da tricromia da capa original. Nas suas 68 páginas, a edição retrata com rigorosa fidelidade a obra original, trazendo em seu miolo um português de creanças” e hontem”, onomatopeias caipiras, como nhen, nhin” (rangido de pau de bandeira), lepte, lepte” (açoite com vara de marmelo) e vukt, vukt” (balanço em cipó).

O conhecimento minucioso de Magno sobre cada traço dos artistas escolhidos a dedo por Lobato, o mergulho nos contextos culturais das obras e a expertise no campo da produção gráfica estão refletidos nessa impecável edição fac-similar de O Sacy, um marco editorial no resgate de primeiras-edições brasileiras, que celebra os 101 anos dessa obra renovadora do escritor e inaugura o catálogo da recém-lançada editora.

Além do bibliófilo e designer Magno Silveira, a organização da obra contou com a participação de Marisa Lajolo, Vladimir Sacchetta e Cilza Carla Bignotto, estudiosos da obra do Lobato, que contribuíram com artigos especialmente preparados para a edição.

Para adquirir a edição fac-similar de O Sacy, basta clicar neste link: https://www.graphien.com.br/

Você também pode conhecer mais sobre Magno Silveira acessando o site https://bibliotecadovisconde.com.br/ ou seguindo o seu perfil no Instagram: https://www.instagram.com/magno_silveira/ ou no Facebook: https://www.facebook.com/mgn.silveira

 

 

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REFERÊNCIAS:

https://www.ovale.com.br/viver/noticias/30-anos-do-magno-studio-com-a-exposic-o-

De reinação em reinação – 100 anos de Narizinho

https://www.paulistano.org.br/noticias/exposicao-ilustradores-de-lobato-aberta-no-

https://cultura.estadao.com.br/noticias/literatura,o-sacy-de-monteiro-lobato-ganha-

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Museu Lobato: um lugar para quem já é apaixonado e para quem precisa se apaixonar pelo Sítio do Pica-Pau Amarelo

É dentro de uma extensa área verde de 18 mil metros quadrados, na cidade de Taubaté, no interior de São Paulo, onde fica o Museu Monteiro Lobato, instalado num casarão do século 19 que pertenceu ao avô materno do escritor, o Visconde de Tremembé. Lá nasceu Monteiro Lobato e foi um dos lugares onde passou tempos até os 12 anos de idade. Estilo rústico com grandes portas e janelas com padrões europeus, o casarão tem a sua estrutura feita de taipa de pilão, uma construção típica das chácaras das “Cidades do Café” da época, abrigando uma biblioteca infantil com as obras de Lobato.

Na extensa área verde, conhecida como Sítio do Pica-Pau Amarelo, se encontram a antiquíssima jaqueira citada nas páginas escritas por Lobato e o pomar da Dona Benta, numa oportunidade fascinante das pessoas deixarem a internet e mergulharem no ambiente que deu vida aos personagens do Sítio mais famoso do mundo, eternizados na literatura infantil brasileira.

Criado em 4 de novembro de 1958, o Museu Histórico Folclórico e Pedagógico Monteiro Lobato tem como missão a preservação e a divulgação da obra do escritor, através de programas de preservação, comunicação e pesquisa, voltados para os mais diferentes públicos, sendo um centro de referência nacional sobre a sua vida e a obra, a literatura infantil brasileira, o folclore e a cultura tradicional caipira.

PATRIMONIO DE TODOS NÓS

Tombado como patrimônio histórico estadual e nacional desde 1962, o Museu chegou a ficar fechado por um longo período para obras de restauração do casarão realizadas pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo (Condephaat) e foi finalmente entregue ao público em 1981.  Desde então passou por várias mudanças e estruturação, de modo que somente a partir de 1993 começou a ter diretores/coordenadores, inciando com Benedita Célia Martins, sucedida na sequência por Conceição Molinaro, Consolação de Jesus F. C. Leão, Dálton Brunini Patto, Maria Cristina Lopes, Nathalia Novaes, Keli Santos e Juliana M. de Carvalho, que é a atual coordenadora do museu.

Recentemente o Museu também passou por um processo de modernização, que teve início em 2019 e foi concluído no início deste ano. O local agora conta com mais de mil itens catalogados, divididos em seis tipologias: documentos, bibliográfica, obras completas, hemerográfica, iconoteca e objetos. Todo esse material está disponível de forma gratuita para o público através de um banco de dados digital com manuscritos, fotografias, todas as obras completas de Lobato, tanto da literatura infantil quanto da adulta e onde o visitante pode navegar para conhecer um pouco da vida pessoal e profissional do autor.

O portal também proporciona uma imersão no universo lobatiano por meio de uma exposição virtual gamificada, ou seja, um jogo virtual e gratuito, onde a boneca Emília leva os usuários para uma grande aventura no Reino das Águas Claras e pela Floresta do Capoeirão dos Tucanos, cenários inspirados nas obras “A Menina do Nariz Arrebitado” (1920) e “O Saci” (1922). Neste portal interativo e educativo Emilia, a boneca mais curiosa e esperta do mundo explora também a vida e obra do escritor, com missões e desafios até chegar na Cuca e espantá-la com o pó de pirlimpimpim. Essa aventura conta com a ajuda de Tia Nastácia, Narizinho, Tio Barnabé, do Saci e de muitos livros encontrados pelo caminho. Vale a pena para a criançada jogar o game  e aprender sobre Lobato!

No museu os visitantes encontram um acervo com objetos pessoais como guarda-chuva, valise médica, tinteiro, baú, algumas primeiras edições dos livros do escritor, fotografias, banco de textos, bibliografia, documentações e uma biblioteca com obras de Lobato e de outros escritores. Há também três aquarelas que faz parte da coleção permanente do Museu doadas por José Carlos Sebe Mehy.  Lobato sempre amou desenhar e pintar tento feito inúmeros desenhos a nanquim, aquarelas e pinturas a oleo, e dizia: “No fundo não sou literato, sou pintor. Nasci pintor, mas como nunca peguei nos pincéis a sério, arranjei, sem nenhuma premeditação, este derivativo de literatura e nada tenho feito senão pintar com palavras”.

O museu apresenta ainda uma réplica original da cozinha típica caipira montada nos moldes característicos do Vale do Paraíba, no período colonial do século XVIII. Com um vasto acervo, contendo: Fogão a lenha, pilão de madeira, ferro de passar roupa da época entre outros utensílios.

Para os visitantes o grande diferencial é sem dúvida poder interagir por todo esse ambiente ao lado de atores de teatro que encarnam Emília, Narizinho, Visconde de Sabugosa, Dona Benta, Tia Anastácia e Pedrinho que apresentam o museu de forma lúdica e criativa, passeando pelo sítio, apresentando as dependências, brincando e encantando as crianças.

TEATRO NO MUSEU

Instituídas na década de 1990 pela professora Conceição Molinaro, as atividades teatrais tiveram a sua continuidade garantida pela professora Tina Lopes, (ambas ex- diretoras do museu) cumprindo um importante papel educativo. O enredo é pautado na obra infantil de Monteiro Lobato adaptada pelo educativo do museu de forma colaborativa, com um coordenador artístico e o elenco de atores, onde a cada quatro meses são executadas novas montagens teatrais e os atores atuam caracterizados com as personagens do Sítio do Pica-Pau Amarelo. Atualmente o espaço possui capacidade para 120 pessoas e o elenco conta com 12 atores escolhidos anualmente através de processo seletivo em parceria com o Centro de Integração Empresa Escola.

ACONTECE EM JULHO

Este mês o Museu Monteiro Lobato oferece uma série de três exposições imperdíveis entre elas, a exposição “Revivendo Lobato”, que traz em caráter inédito a apreciação de mobiliários e objetos que pertenceram a família do escritor e até mesmo a José Francisco Monteiro, o Visconde de Tremembé. No dia 2, data da abertura da exposição, a também escritora Cleo Monteiro Lobato, bisneta do autor, fará uma palestra e uma tarde de autógrafos com coquetel para autoridades e convidados.

VISITAÇÃO

O Museu funciona com dias e horários específicos para visitação.

As visitas ao CASARÃO por exemplo, acontecem de terça à sexta-feira das 9h às 16h30 e aos sábados e domingos das 9h às 12h e das 13h às 16h30.

A visitação a Área externa do Museu acontece de terça à domingo, das 9h às 17h.

Já as famosas sessões teatrais acontecem aos fins de semana e feriados, com sessões as 11h e as 16h, desde que haja um público mínimo de 10 pessoas. A retirada de senhas para as apresentações é feita com 30 minutos de antecedência do início de cada sessão.

Para saber mais sobre o museu, acesse o site www.museumonteirolobato.art.br 

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Referências:

https://www.sisemsp.org.br/novo-acervo-digital-e-entregue-ao-museu-monteiro-lobato/

https://guiataubate.com.br/museus-em-taubate/museu-historico-folclorico-e-pedagogico-monteiro-lobato

http://www.conhecendomuseus.com.br/museus/museu-historico-folclorico-e-pedagogico-monteiro-lobato/

https://taubate.sp.gov.br/secretarias/museu-historico-folclorico-e-pedagogico-monteiro-lobato/

https://www.a12.com/jornalsantuario/noticias/museu-taubateano-reproduz-mundo-de-monteiro-lobato

Pedro Encerrabodes de Oliveira

Você conhece o Pedro Encerrabodes de Oliveira?

Especialmente se colocarmos o primeiro nome no diminutivo, certamente a grande maioria vai saber que estamos falando do neto de dona Benta, primo de Lúcia – a Narizinho do Sítio do Pica-Pau Amarelo, um menino bastante corajoso (a única coisa que bota medo nele são vespas), aventureiro, que mora na cidade e sempre passa as férias no sítio da avó com a prima, a boneca Emília, o Visconde de Sabugosa e outros personagens mágicos do universo lobatiano.

Dando sequência a nossa série de conhecer um pouco mais sobre a origem dos principais personagens criados por Monteiro Lobato, chegamos ao eterno menino Pedrinho, que acredita-se foi criado pelo escritor inspirado em suas memórias de si mesmo quando criança, vivendo uma infância saudável, brincando na fazenda com os filhos dos colonos, fazendo bonecos de sabugo de milho e tambem lendo em meio aos livros da biblioteca do avô, onde passava horas a fio.

Mas o nome do personagem, de acordo com o professor Osni Lourenço Cruz, em seu livro “Na trilha de Lobato entre as Serras”, teria sido uma homenagem a Pedro Luiz de Oliveira Costa, o Dr. Pedrinho, uma das figuras mais renomadas da política taubateana até hoje, de quem o escritor era primo por afinidade.Dr. Pedrinho foi vereador, prefeito de Taubaté, deputado estadual e federal. Ao longo de sua vida sofreu com muitos ataques racistas por causa da sua cor e assim como Lobato, pelo fato de ser filho da terra. Talvez por isso e tambem por ambos terem perdido os pais muito cedo, o escritor se identificasse com o Dr. Pedro Costa, ao ponto de homenageá-lo dando seu nome ao personagem.

No imaginário lobatiano, Pedrinho tem dez anos de idade, cabelos curtos, faz aniversário abril e aparece pela primeira vez no livro “Narizinho Arrebitado” na segunda historia , quando chega ao Sitio de ferias O personagem emerge mesmo a partir do livro infantil, O Saci”, publicado no final de 1921 pela editora da Revista do Brasil, quando o personagem passa então a fazer parte integral das aventuras do Sítio do Pica-Pau Amarelo.

Podemos descrever a personalidade de Pedrinho, de acordo com o autor, como sendo um menino curioso, ativo, autônomo, interessado por leituras diversas, que gosta de assuntos científicos, valorizado pela coragem, pela responsabilidade e pela honestidade. Pedrinho é um menino inteligente que reflete e questiona com argumentos a autoridade dos adultos e muitas vezes, nas obras pesquisadas, o personagem desobedece” o adulto. Ele também reflete a imagem de um personagem que valoriza a ordem e os deveres em suas relações sociais alem de respeitar muito a natureza, especialmente depois do seu encontro e “educação” com o Saci.

Em resumo, esse personagem, inspirado no próprio Lobato é uma mistura de valores lobatianos que o autor quis passar para as próxima gerações e tambem da idealização de das boas lembranças da infância de um menino que não envelhece com o tempo. Afinal não há modernidade ou recurso tecnológico que faça envelhecer a alma de uma criança.

“E que assim seja sempre”

 

REFERÊNCIAS:

https://pt.wikipedia.org/wiki/Pedrinho#:~:text=Pedrinho%20foi%20retratado%20pela%2

https://repositorio.ufsc.br/xmlui/bitstream/handle/123456789/129472/327577.pdf?sequ

*Prof. Osni Lourenço Cruz – “Na trilha de Lobato entre as serras”

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Monteiro Lobato mudou o próprio nome

Você sabia que antes de se chamar José Bento Monteiro Lobato, o pai da literatura infantil brasileira, que nasceu em 1882, se chamava José Renato Monteiro Lobato?

Pois é. Esse era o nome de batismo de Monteiro Lobato, que mudou o próprio nome aos 11 anos de idade, para usar uma bengala (acessório muito usado na época), que era de seu pai com as iniciais J.B.M.L. gravadas.

Essa é uma das histórias reveladoras contadas na biografia "Furacão na Botocúndia" (Senac), de 97, transformada em vídeo com depoimentos de escritores, imagens históricas e relatos do próprio escritor, que morreu em 1948. Esse documentário foi produzido pela Fundação Banco do Brasil e pela Odebrecht dentro do "Projeto Memória", que apresenta personalidades ou fatos históricos que marcaram o país.

O vídeo que conta a vida do escritor desde a infância até a sua morte, passando pelos livros e pelas lutas travadas por ele ao longo da vida, foi dirigido por Roberto Elisabetsky a partir do roteiro de José Roberto Torero e distribuído exclusivamente em escolas e bibliotecas.

 

Fonte:

https://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq10079923.htm

Mediação de Leitura: Dona Benta Em Tempos de Revolução Digital

RESUMO: Em tempos de uma grande imersão nos smartphones e nos tablets, temos observado que os professores vêm encontrando dificuldades para envolver seus alunos na leitura de obras literárias. Diante desse cenário, no qual os livros concorrem com os dispositivos móveis, tomamos como exemplo a figura de Dona Benta – personagem das histórias infantis de Monteiro Lobato – com o objetivo de refletirmos sobre o papel do mediador de leitura na contemporaneidade: não somente aquele que apresenta os textos, mas também convida os leitores a olharem para o universo que os circunda. Para tanto, neste artigo, abordaremos a performance da avó de Narizinho e Pedrinho, particularmente, em Geografia de Dona Benta (1935) e em D. Quixote das crianças (1936), e, depois, inspiradas nessa prática de formação, proporemos estratégias de mediação alinhadas à Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para trabalhar com os livros citados, a partir do uso de recursos digitais, no 6º ano do Ensino Fundamental.



PALAVRAS-CHAVE: Dona Benta; Literatura; Mediação; Recursos Digitais.

ABSTRACT: In times of great immersion in smartphones and tablets, we have observed that teachers have found great difficulty in involving their students in reading literary works. In view of this scenery, in which books compete with mobile devices, we have as an example the figure of Dona Benta – a character in Monteiro Lobato children’s stories – with the aim of reflecting on the role of the mediator of reading in contemporary times: not only the one who presents the texts, but also the on who invites readers to look at the universe that surrounds them. Therefore, in this article, we will discuss the performance of Narizinho and Pedrinho’s grandmother, particularly in Geografia de Dona Benta (1935) and in D. Quixote das Crianças (1936), and then, inspired by this training practice, we will propose strategies of mediation – aligned with the National Common Curricular Base (BNCC) – to work with the books cited, using digital resources, in the 6th year of elementary school.

KEYWORDS: Dona Benta; Literature; Mediation; Digital Resources.

 

INTRODUÇÃO

Qualquer adolescente de hoje em dia sabe que um PC é um computador pessoal […] No

entanto, para os homens da minha geração […] PC significava Partido Comunista. Hoje, PC serve de bandeira para um outro movimento revolucionário e, como quase sempre nesses casos, são jovens quem o encabeçam. Trata-se da revolução digital, informática, ou seja lá que outro nome se queira dar a ela, que há uma década vem sacudindo a humanidade.
Juan Luis Cebrián 

 

 

Segundo Morin (1997a, p. 147), “numa sociedade em rápida evolução e, sobretudo, numa civilização em transformação acelerada como a nossa, o essencial não é mais a experiência acumulada, mas a adesão ao movimento”. Por isso, neste artigo, cientes do quão urgente se faz sintonizar as nossas práticas docentes à atual concepção de realidade que vem sendo esculpida, propomos discutir sobre estratégias de mediação, em tempos de tecnologias digitais da informação e comunicação, as chamadas TDICs, a partir da forma como Dona Benta explora o universo da leitura em duas obras infantis de Monteiro Lobato, Dom Quixote das Crianças (1936) e Geografia de Dona Benta (1935). A nossa tese de que essa personagem deva ser tomada como uma espécie de modelo de mediadora de leitura, em sala de aula no século XXI, alicerça-se em dois pontos. Primeiramente, no fato de Dona Benta apresentar, enquanto leitora proficiente dos mais variados assuntos, os livros às crianças de maneira instigante, envolvendo-as em reflexões complexas não só a respeito da construção dos sentidos presentes nos textos, mas também sobre os diversos conhecimentos que os perpassam, pois, conforme nos esclarece Lajolo (2005, p. 103), ao abordar o projeto de leitura, de tradução e de adaptação de Dom Quixote das crianças”, “o leitor encontra material bastante rico para reflexão sobre questões de leitura, de leitura dos clássicos, da adequabilidade de certas linguagens a certos públicos, do papel a ser representado pelo adulto responsável pela iniciação dos jovens na leitura e mais miudezas.” Cardoso (2008, p. 290 e 291) nos conta que, em Geografia de Dona Benta, Monteiro Lobato também “idealizava um projeto educacional democrático, autônomo, capaz de formar leitores críticos, preparando-os para vida” e, por isso, não escondia das “crianças as guerras, bem como suas causas, a necessidade de poder e dominação, características tão marcantes do ser humano”. Contudo, vale sublinharmos que essas propostas de formação humana, evidenciadas no modo como a avó-leitora-mediadora conduz os serões, nem sempre foram compreendidas, acarretando a proibição das obras lobatianas em várias escolas, ainda no tempo em que Lobato era vivo. O segundo ponto é a noção de que “a literatura é um mundo aberto ao mesmo tempo às múltiplas reflexões sobre a história do mundo, sobre as ciências naturais, sobre as ciências sociológicas, sobre a antropologia cultural, sobre os princípios éticos, sobre política, economia, ecologia…” (MORIN, 1997b, p. 67). Nesse sentido, compreendendo a literatura “[…] não só como um produto da imaginação criadora do homem, mas também como um meio de problematizar o real – uma espécie de ‘encruzilhada’ por onde passam e se cruzam todos os ‘caminhos’ que formam o ‘mapa’ da sociedade” (COELHO, 2000 p. 28, grifos da autora), iremos sugerir também possibilidades de se trabalhar os dois livros em questão, no 6º ano do Ensino Fundamental, a partir do uso do recursos digitais integrados, como prevê a Base Nacional Comum Curricular (BNCC).

DONA BENTA, A PERSONAGEM MEDIADORA DE LEITURA NA SAGA INFANTIL LOBATIANA

Uma senhora que respeitava os livros. Isso mesmo. Uma personagem leitora e mediadora de leitura. Falamos aqui de Dona Benta, personagem-avó das obras infantis de Monteiro Lobato. Dona Benta aparece já em A menina do Narizinho Arrebitado, em 1920-1921. Mas não é ainda a senhora que conhecemos. Apenas em 1931, com a publicação de Reinações de Narizinho, é que os leitores vão se deparar com a avó que será a mediadora de textos para toda a turma do Sítio do Picapau Amarelo ao longo da saga de mais de vinte volumes. Vejamos Dona Benta nestes dois textos separados no tempo por 10 anos:

 

A menina do narizinho arrebitado (1920/21) (Edição Fac-similar, 1982) Reinações de Narizinho (1931)
Naquela casinha branca, — lá muito longe, mora uma triste velha, de mais de setenta anos. Coitada! Bem no fim da vida que está, e trêmula, e catacega, sem um só dente na boca – jururu… Todo o mundo tem dó dela: – Que tristeza viver sozinha no meio do mato… Pois estão enganados. A velha vive feliz e bem contente da vida, graças a uma netinha órfã de pai e de mãe, que lá mora desde que nasceu. (LOBATO, 1982, p. 3) Numa casinha branca, lá no sítio do Picapau Amarelo, mora uma velha de mais de sessenta anos. Chama-se Dona Benta. Quem passa pela estrada e a vê na varanda, de cestinha de costura ao colo e óculos de ouro na ponta do nariz, segue seu caminho pensando:
– Que tristeza viver assim tão sozinha neste deserto…
Mas engana-se. Dona Benta é a mais feliz das vovós, porque vive em companhia da mais encantadora das netas – Lúcia, a menina do narizinho arrebitado, ou Narizinho como todos dizem. (LOBATO, 1977, p. 9)
 

 

 

Como vimos no quadro acima, Dona Benta nasce sem nome e parece estar já no fim da vida, trêmula, catacega e sem dentes na boca. Nem de perto essa descrição assemelha-se à personagem que hoje conhecemos nas obras do Sítio do Picapau Amarelo.  Como poderia aquela personagem, com tal caracterização, participar de todas as aventuras que tinham passado pela cabeça de nosso escritor? Dona Benta precisava de mais tempo de vida e de mais vivacidade. 
Eis que uma década e muitos outros pequenos textos com aventuras da turma, no meio do caminho, serviram para que Lobato percebesse a necessidade de rejuvenescer a avó. Pois foi o que o leitor passou a encontrar em 1931, com a publicação de Reinações de Narizinho. Nele, a senhora recebe um nome, Benta, e tem pouco mais de sessenta anos. É ativa, gosta de costurar e usa óculos de ouro no nariz, o que nos faz deduzir que se trata de alguém com alguma posse. De acordo com o trecho apresentado anteriormente, ela vive contente (“mais feliz das vovós”), pois mora em companhia de Lúcia (“mais encantadora das netas”). Por meio dessa reelaboração do texto, o escritor traz, então, certa delicadeza à obra, antes bem mais sisuda, talvez por conta da avó catacega e da neta órfã de pai e mãe. 
Esse tom mais leve e carinhoso é o que reverberará na cabeça de todo leitor de Lobato quando conhece Dona Benta. Para nós, professores de literatura, conhecê-la significa também admirá-la não só como uma grande leitora que ela é, mas também mediadora de leitura em que se torna. Explicamos. Dona Benta, apaixonada pelo ato de ler, empresta as suas competências leitoras para os leitores em formação.
Dona de uma imensa biblioteca, já leu e releu exemplares importantes de textos que compõem a história da humanidade. Um desses muitos livros é Dom Quixote, de Cervantes, em dois enormes volumes, os quais se tornam mote para que Emília e os netos peçam a ela que lhes conte a história do herói da Mancha. Assim como leitora de Quixote, ela é também de Peter Pan e de Hans Staden, outros dois clássicos da literatura que, junto com o texto cervantino, serão recontados para os netos. 
Atenta sempre à importância da leitura, ela oferta os mais variados assuntos e os estimula a imersão nos textos para, futuramente, quando desenvolverem as habilidades leitoras esperadas, busquem os textos originais dos quais ela reconta as histórias ou sobre os quais faz comentários críticos ou ainda ouve e comenta os comentários dos netos e dos bonecos Emília e Visconde.
Como mediadora de leitura, Dona Benta é capaz de se inserir entre o texto lido (ou recontado) e o ouvinte, ajudando-o a entender as relações entre ambos. Por isso, em seus serões, faz questão de que seus netos dialoguem com ela e perguntem sempre que alguma dúvida surgir. Seu vasto e rico repertório de leitura faz com que ela seja respeitada e valorizada, em especial, pelos próprios netos e também pelos outros moradores do Sítio. Além de recontar clássicos literários, também aproveita seus serões para recontar e mediar a história do mundo e sua geografia (a partir de uma viagem imaginária que ela e a turminha empreendem a bordo do navio “O Terror dos Mares”). Também ajuda o Visconde a explicar como se faz a exploração do petróleo no Sítio e faz experiências e as explica em História das Invenções. Vejamos:

 

 

de, no futuro, ler o texto em sua versão completa. Trata-se de uma importante competência mediadora a percepção de que o mediador é uma “ponte” temporária entre o texto e seu leitor. Ele está ali apenas como facilitador, naquele momento, de distâncias históricas, linguísticas ou estilísticas. Vemos muito bem essa competência de Dona Benta nos exemplos de texto em que ela se preocupa com a leitura futura das crianças (ROMANO, 2019, p. 161). 

 

 

Sensível às competências de leitura de seus ouvintes, a avó-leitora-mediadora encontra alternativas, geralmente eficazes, para mediar os textos para os netos e demonstra traquejos que contribuem para que as crianças gostem das histórias, queiram escutá-las, compreendê-las e discuti-las (e por que não, relê-las no futuro), acabando por torná-las, até mesmo, parte da própria realidade delas. 

Essa era a Dona Benta personagem do início do século XX. E hoje, nos vinte primeiros anos do século XXI, em plena revolução digital, continuam atuais as táticas de reconto de textos e a performance como mediadora de leitura da carismática Dona Benta? No momento em que vivemos, quando se fala tanto em TDICs e BNCC, como a personagem inspira processos de mediação antenados ao século XXI?  


A EDUCAÇÃO EM TEMPOS DE REVOLUÇÃO DIGITAL


A sociedade, nos últimos séculos da grande marcha humana, vem sofrendo profundas e céleres transformações, o que, consequentemente, esculpe novos paradigmas nos modos de ser, pensar, sentir, agir e se comunicar. Com o advento da internet e a popularização dos microcomputadores, temos percebido de forma ainda mais evidente essas mudanças, como é o caso da Web 1.0, Web 2.0, Web 3.0 e já se fala em Web 4.0.
De acordo com Santaella (2007, p. 195), “se prestarmos a atenção [no transcurso de apenas dois séculos], ficará perceptível que grande parte dessas invenções é constituída por tecnologias que incrementam a capacidade humana para a produção de linguagem.” Segundo a autora, essas tecnologias (info)comunicativas podem ser classificadas em cinco gerações, as quais produzem formas de culturas específicas, embora o surgimento de uma formação cultural não anule as outras, visto que ocorre a sobreposição e a complexificação nos modos de coexistência, como veremos a seguir:

 

CULTURAS

ÂMBITOS

TECNOLOGIAS

MÍDIAS

TRAÇOS

industrial

eletromecânica

do reprodutível

jornal, foto e

cinema

reprodutibilidade

de massa

eletroeletrônica

da difusão

rádio e televisão

transmissão

das mídias

narrowcasting

do disponível e do descartável

para audiências específicas

segmentação

cibercultura

teleinformática

do acesso

digitais

interatividade

da mobilidade

comunicação móvel

da conexão contínua

locativas

portabilidade

 

 

 

A convivência imbricada desses cenários culturais midiáticos demarca, dos anos 1990 para cá, o início do que chamamos hoje de revolução digital  e isso, no que se refere ao universo da literatura, não impacta somente a maneira como se produzem e se divulgam os textos literários, mas também o jeito de lê-los e mediá-los. 

Há pouco tempo, a gigante editorial americana Simon & Schuster ditou novas regras para seus escritores. E quais seriam elas? Abrir um blogue. Criar uma página no Facebook. Gerar conteúdo em redes sociais literárias. Interagir. Contaminar-se. Sair dos escritórios empoeirados ou da pretensa redoma criativa. Abrir-se para as novas exigências e imperativos de uma época de cibercultura. Tudo isso posto em contrato (CRUZ, 2012, p. 32).


Nas instituições de ensino, também conseguimos notar uma certa mudança: a transição de aulas estritamente centradas na figura do professor-expositor para novos modelos educacionais, cujas dinâmicas colocam os estudantes como protagonistas nos processos de aprendizagem. Esse movimento, apesar de vir caminhando a passos lentos, desponta, cada vez mais, com a adoção de percursos metodológicos personalizados a partir do uso integrado das tecnologias digitais.
Nesse sentido, como bem destaca Lévy (1999, p. 171, grifos do autor) ainda no século XX:

[…] a principal função do professor não pode mais ser uma difusão dos conhecimentos, que agora é feita de forma mais eficaz por outros meios. Sua competência deve deslocar-se no sentido de incentivar a aprendizagem e o pensamento. O professor torna-se um animador da inteligência coletiva dos grupos que estão a seu encargo. Sua atividade será centrada no acompanhamento e na gestão das aprendizagens: o incitamento à troca, a mediação relacional e simbólica, a pilotagem personalizada dos percursos de aprendizagem etc.

Por isso, compartilhando da mesma opinião de Martín-Barbero (1996, p. 19, grifos do autor) sobre o quanto as tecnologias digitais de comunicação e informação trazem um grande desafio para a sala de aula, haja vista que “apenas a partir da compreensão da tecnicidade midiática como dimensão estratégia da cultura que a escola pode inserir-se [verdadeiramente] nos processos de mudanças que atravessam a nossa sociedade”, retomamos as orientações da BNCC com o objetivo de propormos  mais adiante – à moda de Dona Benta – possibilidades de mediação de leitura, no 6º ano Ensino Fundamental, a partir do uso de recursos digitais.


BNCC E TDICS, UMA PROPOSTA DE TRABALHO COM A LITERATURA EM SALA DE AULA

Não adianta a tecnologia reforçar o processo educativo tradicional. É preciso, antes 
de mais nada, repensar a educação. Repensar a educação e repensá-la a partir dos 
próprios educandos e, a partir daí, pensar um novo desenho do processo educativo, ver o 
replanejamento desse processo e verificar para que pode servir a tecnologia. 

As diretrizes da BNCC buscam garantir, ao longo da Educação Básica, aprendizagens essenciais para o século XXI. De acordo com essas prescrições, os alunos devem ter assegurado o desenvolvimento de dez competências gerais que se consubstanciam em direitos éticos, estéticos, políticos e de aprendizados. Vale sublinharmos que tais competências só poderão ser alcançadas plenamente se houver a “mobilização de conhecimentos (conceitos e procedimentos), habilidades (práticas, cognitivas e socioemocionais), atitudes e valores para desenvolver demandas complexas da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo do trabalho” (BRASIL, 2018, p. 8).
Para pensarmos em como é possível, ainda hoje, nos inspirarmos nos processos de mediação de leitura da nossa personagem-avó-leitora e, ainda por cima, ir ao encontro dos preceitos da BNCC, pontuamos, aqui, cinco competências gerais que dialogam com nossas sugestões de trabalho:
 

TÍTULOS

COMPETÊNCIAS

pensamento científico, crítico e criativo

Exercitar a curiosidade intelectual e recorrer à abordagem própria das ciências, incluindo a investigação, a reflexão, a análise crítica, a imaginação e a criatividade, para investigar causas, elaborar e testar hipóteses, formular e resolver problemas e criar soluções (inclusive tecnológicas) com base nos conhecimentos das diferentes áreas.

senso estético

Valorizar e fruir as diversas manifestações artísticas e culturais, das locais às mundiais, e também participar de práticas diversificadas da produção artístico-cultural.

TÍTULOS

COMPETÊNCIAS

comunicação

Utilizar diferentes linguagens – verbal (oral ou visual-motora, como Libras, e escrita), corporal, visual, sonora e digital –, bem como conhecimentos das linguagens artística, matemática e científica, para se expressar e partilhar informações, experiências, ideias e sentimentos em diferentes contextos e produzir sentidos que levem ao entendimento mútuo.

argumentação

Compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de informação e comunicação de forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas sociais (incluindo as escolares) para se comunicar, acessar e disseminar informações, produzir conhecimentos, resolver problemas e exercer protagonismo e autoria na vida pessoal e coletiva.

 

cultura digital

Argumentar com base em fatos, dados e informações confiáveis, para formular, negociar e defender ideias, pontos de vista e decisões comuns que respeitem e promovam os direitos humanos, a consciência socioambiental e o consumo responsável em âmbito local, regional e global, com posicionamento ético em relação ao cuidado de si mesmo, dos outros e do planeta.

Se observarmos com atenção as competências gerais listadas acima, perceberemos que elas atravessam todas as áreas do saber e articulam uma formação humana global. Se reconhecermos que “A sociedade na qual estamos inseridos se constitui como um grande ambiente multimodal, no qual palavras, imagens, sons, cores, músicas, aromas, movimentos variados, texturas, formas diversas se combinam e estruturam um grande mosaico multissemiótico” (DIONISIO & VASCONCELOS, 2013, p. 19), constataremos, a partir dessa noção, que “É de suma importância que a escola proporcione aos alunos o contato com diferentes gêneros, suportes e mídias de textos escritos, através, por exemplo, da vivência e do conhecimento dos espaços de circulação dos textos, das formas de aquisição e acesso aos textos e dos diversos suportes da escrita.” (LORENZI & DE PÁDUA, 2012, p. 36). Mas também que “[…] desenvolva as diferentes formas de uso das linguagens (verbal, corporal, plástica, musical, gráfica etc.) e das línguas (falar em diversas variedades e línguas, ouvir, ler e escrever)”(ROJO, 2009, p. 119, grifos da autora), porque só assim podemos formar leitores verdadeiramente proficientes para ler o mundo.
Nesse sentido, trabalhar a literatura não se limita apenas a ler/ouvir e discutir 
os sentidos dos textos escritos/impressos, mas também colocá-la em diálogo com outras expressões e produtos da cultura, assegurando, assim, os multiletramentos :
[…] um trabalho que parte das culturas de referência do aluno (popular, local de massa) e de gêneros, mídias e linguagens por eles conhecidos, para buscar um enfoque crítico, pluralista, ético e democrático – que envolva agência –  de textos/discursos que ampliem o repertório cultural, na direção de outros letramentos, valorizados (como é o caso dos trabalhos com hiper e nanocontos) ou desvalorizados (como é o caso do trabalho com picho). Além disso, trabalhar com os multiletramentos partindo das culturas de referência do aluno implica a imersão em letramentos críticos que requerem análise, critérios, conceitos, uma metalinguagem, para chegar a propostas de produção transformada, que implicam agência por parte do alunado. (ROJO, 2012,  p. 8)


Temos observado que, nos últimos tempos, nas aulas de literatura, o uso dos recursos digitais – como elemento integrador – tem ocorrido das mais diversas formas, desde a leitura da obras literárias até a partilha. É comum, por exemplo, os alunos lerem em uma plataforma virtual, pesquisarem em um dicionário eletrônico, escreverem suas impressões de leitura num blog, produzirem um booktrailer, criarem uma fanfic etc. Neste artigo, contudo, iremos destacar ideias para explorar as ferramentas tecnológicas e potencializar mais os processos de mediação.
 

POSSIBILIDADES DE MEDIAÇÃO DE LEITURA  EM UMA CULTURA DIGITAL

As transformações culturais, as novas condições de produção dos conhecimentos levam

a novos estilos de sociedade nos quais a inteligência é produto de relações entre pessoas e

dispositivos tecnológicos. Mudam, assim, as formas de construção do conhecimento e os

processos de ensino-aprendizagem.

Maria Teresa de Assunção Freitas

 

O professor, ao fazer a curadoria  das obras que serão exploradas em sala de aula, precisa escolher livros que sejam atemporais e que, portanto, favorecem o prazer da leitura. Dentro desse rol, os textos infantis lobatianos, considerados clássicos, podem ser tidos como “atuais” pois, mesmo que escritos no início do século XX, continuam dialogando com a sociedade contemporânea. 
Isso não se dá, por exemplo, devido ao fato de Dona Benta aparecer usando computador para enviar e-mail ao neto Pedrinho, como na última versão do Sítio do Picapau Amarelo, veiculada na televisão aberta no início do século XXI, mas sim pela maneira como traz discussões que respeitam a curiosidade e a inteligência das crianças. Nessa senda, acreditamos que, embora as personagens vivam no Sítio e se divirtam de outras formas, bem distantes daquelas experimentadas por uma geração imersa nos smartphones e nos tablets, as histórias convidam os leitores para um olhar de descoberta e muito disso é garantido pela tática de avó  aventureira e mediadora de textos. 
Uma obra literária mantém-se carregada de frescor, então, quando convida os seus leitores a olharem para si mesmos e para o mundo que os rodeia. Vejamos:
 

–    Estou contando apenas algumas das principais aventuras de D. Quixote, e resumidamente. Ah, se fosse contar o D. Quixote inteiro a coisa iria longe! Essa obra de Cervantes é bem comprida; passa de mil páginas numa edição in-16.
[…]
–    In-16, vovó? Que quer dizer isso?
–    É uma medida do formato dos livros. Os livros são feitos de papel, como você sabe. O papel vem da fábrica em folhas. Em cada folha imprime-se um certo número de páginas. Espere… O melhor é dar um exemplo. Traga um jornal.
–    Pronto, vovó – disse ele. Aqui tem um.
–    Muito bem – disse Dona Benta. Vamos agora tomar uma folha inteira e desdobrá-la sobre a mesa, assim. Aqui tem você uma folha de papel. Se dobrarmos esta folha pelo meio, quantas páginas ficam? Página é um lado só do papel. Pedrinho dobrou a folha de papel e contou.
–    Ficam 4 páginas.
–    Isso mesmo. Ora, se imprimirmos um livro em páginas desse formato, esse livro se chamará in-folio. Agora dobre o papel mais uma vez e veja quantas páginas dá.
Pedrinho dobrou a folha de papel e viu que dava 8 páginas.
–    Muito bem. Um livro impresso em páginas desse formato é um livro in-oitavo, ou in-8. Dobre o papel mais uma vez e conte.
Pedrinho dobrou o papel e contou 16 páginas.
–    Isso mesmo. Um livro impresso em páginas desse formato é um livro in-dezesseis, in-16. Dobre o papel mais uma vez e conte. […]
–    Ora veja só, vovó, uma coisa tão simples e eu não sabia! Vou ensinar a Narizinho (LOBATO, 1957, p. 152 e 153).
 

 

Aqui, temos uma “aula” sobre a materialidade do livro: Dona Benta, no papel de mediadora, enquanto apresenta uma síntese das aventuras de D. Quixote, abre espaço para uma conversa sobre as peripécias do herói e, por que não, das crianças no sítio, explorando sempre a relação entre o conteúdo (enredo) e a forma (edição/adaptação). Podemos observar que, mais do que simplesmente responder ao neto sobre o significado de in-16, ela o convida a experimentar as dobras da folha e tirar suas próprias conclusões.

Como mediaríamos essa obra à  moda de Dona Benta? Pois bem! Imaginemos que estamos trabalhando D. Quixote das crianças, no formato de e-book, com os alunos do 6º ano do Ensino Fundamental. Em primeiro lugar, sugeriríamos que os alunos usassem o mecanismo de busca do e-reader para conhecer o sentido da expressão in-16. Cientes do que significa, aí sim abriríamos para discutir sobre como fica essa questão na esfera do digital: Será que há uma correspondência visto que a “folha” no e-book é só uma representação gráfica e não o suporte propriamente dito?

Essas reflexões/descobertas seriam compartilhadas em murais colaborativos virtuais, cuja estrutura permite inserir áudios, imagens, vídeos, entre outros, e ainda linkar, curtir, votar, comentar, avaliar e atribuir estrelas as postagens. Notemos que, com essa atividade, estaríamos retomando uma explicação dada por Dona Benta, lá no início do século XX, e lançando – a partir de ferramentas tecnológicas para interação – um olhar sobre a materialidade dos textos contemporâneos, pois, como orienta a BNCC, é preciso:

Ler, escutar e produzir textos orais, escritos e multissemióticos que circulam em diferentes campos de atuação e mídias, com compreensão, autonomia, fluência e criticidade, de modo a se expressar e partilhar informações, experiências, ideias e sentimentos, e continuar aprendendo (BRASIL, 2018, p. 87).

Uma segunda proposição seria pedir que os alunos comparassem três versões diferentes da mesma obra: capa comum (1957), e-book (2017) e em quadrinhos (2007) . As duas primeiras referentes à adaptação lobatiana para as crianças, já a terceira, uma transposição desse exemplar literário para os quadrinhos. Os estudantes, após observarem o quanto cada escolha editorial afeta a construção dos sentidos e a experiência leitora, usariam os recursos digitais para fazerem um registro dessas análises (mapas conceituais) e até mesmo para criarem suas leituras em outra linguagem como, por exemplo, a audiovisual (animação em stop motion), exercitando a produção de textos multissemióticos:

Utilizar diferentes linguagens – verbal (oral ou visual-motora, como Libras, e escrita), corporal, visual, sonora e digital –, para se expressar e partilhar informações, experiências, ideias e sentimentos em 

diferentes contextos e produzir sentidos que levem ao diálogo, à resolução de conflitos e à cooperação (BRASIL, 2018, p. 65).

Quanto à construção dos sentidos, há inúmeras passagens dessa obra lobatiana que poderiam ser exploradas a partir da gravação de um podcast, por exemplo. Com isso, além de avaliarmos a performance leitora, oportunizaríamos uma situação lúdica de aprendizagem, como fazia Dona Benta, nas primeiras décadas do século, XX e vem preconizando a BNCC:

Mobilizar práticas da cultura digital, diferentes linguagens, mídias e ferramentas digitais para expandir as formas de produzir sentidos (nos processos de compreensão e produção), aprender e refletir sobre o mundo e realizar diferentes projetos autorais. (BRASIL, 2018, p. 87)

 

Vamos a um outro livro de Monteiro Lobato: Geografia de Dona Benta. Escolhemos uma passagem logo do início da obra – quando a avó responde a uma dúvida de Narizinho e incorre na Lei da Gravitação, de Isaac Newton – para refletirmos também quanto a sua exploração a partir do uso das tecnologias digitais:

  • Conte essa lei, vovó,
  • A Lei da Gravitação diz assim: A matéria atrai a matéria na razão direta das massas e na razão inversa do quadrado das distâncias.
  • Fiquei na mesma! – gritou Pedrinho.
  • Pois não será difícil compreender, se formos por partes. Diz a lei que a matéria atrai a matéria. Matéria é tudo quanto ocupa lugar no espaço. Você ocupa lugar no espaço; logo você é matéria. Os astros ocupam lugar no espaço; logo os astros são matéria. Emília ocupa lugar no espaço; logo Emília é matéria.

A boneca rebolou-se toda, orgulhosa de ocupar lugar no espaço.

  • Mas o espaço é infinito – continuou Dona Benta, isto é, não tem fim; de modo que os astros, por maiores que sejam, não passam de pontinhos ocupando lugarezinhos no espaço infinito. Esses pontinhos, ou películas de matéria atraem-se, ou puxam-se uns aos outros.
  • Já sei – disse Pedrinho. Um puxa o outro como o ímã puxa o ferro. O ímã que atrai o ferro é a matéria-ímã atraindo a matéria-ferro.

Continue, vovó.

-Muito bem. A matéria atrai a matéria, mas de que modo? De dois modos. Primeiro, na razão direta das massas

 

[…]

  • Segundo modo: na razão inversa do quadrado das distâncias. Quer dizer que quanto mais longe um astro está de outro, menos o atrai.
  • Sei. Com a distância vai perdendo a força. Isso é lógico. Se o ferro está a um quilômetro do ímã, por força que é menos atraído do que se estivesse a um metro.

[…]

  • Compreendi. Continue, vovó.
  • Já acabou. É isso só. Um astro atrai outro conforme o tamanho e conforme a distância que está do outro. Quanto maior for o astro, mais atrai, e quanto mais longe estiver, menos atrai. A Lei da Gravitação é isso (LOBATO, 1957, p. 9 e 10, grifos do autor).

 

 

Temos aqui mais um excerto em que Dona Benta faz a ponte entre as crianças e o conhecimento institucionalizado. Com o objetivo de explorarmos a ciência que nem fazia a avó-leitora-mediadora, indicamos o uso Gravity Simulator, uma espécie de convite para experimentar a lei da gravitação com os alunos. Nessa proposta, os estudantes criariam quantas partículas quisessem, definindo tamanho, massa e velocidade, em seguida, visualizariam o trajeto, a colisão e a força de atração entre as partículas desenvolvidas em um campo gravitacional simulado. Mas isso é conteúdo para o 6º ano do Ensino Fundamental? Não podemos esquecer que Lobato nunca teve receio de discutir temas complexos em seus livros infantis. Então, é sim! O importante é trazer o conteúdo de maneira lúdica e o recurso digital integrado ao currículo. Com esta proposição, além de mediar o processo de leitura literária, o professor convoca os leitores a alargarem a percepção e o entendimento sobre os fenômenos do mundo, como recomenda a BNCC:

Analisar, compreender e explicar características, fenômenos e processos relativos ao mundo natural, social e tecnológico (incluindo o digital), como também as relações que se estabelecem entre eles, exercitando a curiosidade para fazer perguntas, buscar respostas e criar soluções (inclusive tecnológicas) com base nos conhecimentos das Ciências da Natureza. (BRASIL, 2018, p. 324)

Uma outra possibilidade é o uso de aplicativos de realidade aumentada. Com o History: Maps of Word, os alunos acessariam diferentes mapas de várias partes do mundo de períodos distintos da história. Já com o Star Chart, identificariam a localização dos corpos celestes mesmo em plena luz do dia. Esses recursos, além de instigar a curiosidade, permitem:

 

Desenvolver autonomia e senso crítico para compreensão e aplicação do raciocínio geográfico na análise da ocupação humana e produção do espaço, envolvendo os princípios de analogia, conexão, diferenciação, distribuição, extensão, localização e ordem. (BRASIL, 2018, p. 366)

Uma proposta com apelo mais autoral é usar o Scratch, software de programação em bloco. Com ele, os alunos gamificariam histórias e jogos. Não podemos esquecer do Google Earth e do Google Maps que permitiriam realizar atividades riquíssimas no que se refere ao universo cartográfico, como, por exemplo, conhecer mais sobre os muitos espaços geográficos pelos quais a turma do Sítio faz passagem:

Desenvolver e utilizar processos, práticas e procedimentos de investigação para compreender o mundo natural, social, econômico, político e o meio técnico-científico e informacional, avaliar ações e propor perguntas e soluções (inclusive tecnológicas) para questões que requerem conhecimentos científicos da Geografia (BRASIL, 2018, p. 366).

 

Também podemos sugerir a retextualização  e a tradução intersemiótica  de algumas passagens do livro. Na primeira opção, os alunos produziriam um novo texto, inclusive com mudança de propósito comunicativo, a exemplo do infográfico, do e-zine e do meme. Na segunda, buscariam equivalências em outras linguagens, como é o caso da história em quadrinhos, do gif e da fotonovela. Nessas atividades, os alunos iriam:
Conhecer e explorar diversas práticas de linguagem (artísticas, corporais e linguísticas) em diferentes campos da atividade humana  para continuar aprendendo, ampliar suas possibilidades de participação na vida social e colaborar para a construção de uma sociedade mais justa, democrática e inclusiva (BRASIL, 2018, p. 65).
À lista de possibilidades, acrescentaremos também o uso de questionários online, os quais permitiriam criar uma espécie de gincana literária, em que os alunos responderiam a perguntas referentes ao que foi lido. 
Abaixo, para sintetizar, elencamos os nomes de alguns desses recursos digitais apresentados neste artigo:
 

PROPOSIÇÕES

RECURSOS DIGITAIS

animações em stop motion

AnimatorHD, Dragon StopMotion, Frame by Frame, iStopMotion, StopMotion Station e ZU3D

gifs

Giflike, Gif Studio, ImgFlip, Imgur e ImgPlay

histórias em quadrinhos

GoAnimation, Pixton, Scribble Press, ReadWriteThink e Stripcreator

infográficos

Canva, Genially, Infogram, Pictovia, Piktochart, Venngage e Visme

mapas conceituais

Canva, Coggle, Lucidchart, MindMeister, SimpleMind e StormBoard

memes

Adobe Spark, Canva, Crello, Meme Generator e Pext

murais colaborativos

Mural.ly, Padlet e Popplet

podcasts

Adobe Adition, Audacity, CutMP3.net e Spreaker

questionários online

Kahoot!, Mentimeter e Socrative

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS


Em tempos de uma grande imersão nos smartphones e nos tablets, traço marcante de uma cultura permeada pela revolução digital, temos observado que os professores vêm encontrando dificuldades para envolver seus alunos na leitura de obras literárias, especialmente, as que apresentam uma grande distância entre o contexto de produção e de recepção. Contudo, acreditando que podemos nos apropriar desses recursos tecnológicos como uma forma de instigar o trabalho com a literatura em sala de aula, apresentamos algumas possibilidades de mediação no presente artigo.
Tomamos a performance de Dona Benta, enquanto avó-leitora-mediadora, como um modelo para elaborar nossas proposições, haja vista que a carismática personagem das histórias infantis lobatianas, sensível às competências de leitura de seus ouvintes, sempre encontrava meios para apresentar os textos às crianças e, assim, convidá-las a refletirem não só a respeito da construção dos sentidos nos textos, mas também sobre os diversos conhecimentos que atravessam as histórias.
“Moderna”, não pelas novas roupagens que vem recebendo em diferentes edições nos últimos anos, Dona Benta nos inspira pelo jeito que promove os livros e medeia as discussões. Por isso, nossas sugestões do uso dos recursos digitais para explorar Dom Quixote das crianças e Geografia de Dona Benta, no 6º ano do Ensino Fundamental, nunca se tratava de uma concepção encantada com o em si tecnológico, mas de uma tentativa de mobilizar diferentes áreas do saber para alargar o olhar de descoberta, formando leitores verdadeiramente proficientes para ler o mundo, como espera a BNCC e fazia a referida avó-leitora-mediadora. 
Paulo Freire (1987, p. 79) dizia que “Ninguém educa ninguém, nem ninguém se educa a si mesmo, os homens se educam em comum mediados pelo mundo” e o mundo, hoje, é aquele em que vivemos na mudança da mudança, onde tudo se forma e se transforma frente a nossos olhos (TIBIJOY, 2008). Logo, sem preconceitos e medo de tentar, revimos nossas posturas docentes, considerando aprender a reaprender e pensando em formas, à moda de Dona Benta, de possibilitar uma educação centrada no protagonismo do aluno. 

 

REFERÊNCIAS

BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC/Secretaria de Educação Básica, 2018.
CARDOSO, Rosimeiri Darc. Geografia de Dona Benta: o mundo pelos olhos da imaginação. In: LAJOLO, Marisa; CECCANTINI, João Luís (org.). Monteiro Lobato, livro a livro: obra infantil. São Paulo: UNESP; Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2008.
CEBRIÁN, Juan Luís. A rede: como nossas vidas serão transformadas pelos novos meios de comunicação. Trad. Lauro Machado Coelho. São Paulo: Summus, 1999. (Coleção Novas buscas de comunicação; v. 59)
COELHO, Nely Novaes. Literatura: arte, conhecimento e vida. São Paulo: Peirópolis, 2000. (Série Nova Consciência)
CRUZ, Nelson. Literatura e cultura em tempos digitais. Revista Brasileira de Literatura Comparada, n. 20, 2012.
DIONISIO, Angela Paiva; VASCONCELOS, Leila Janot de. Multimodalidade, gênero textual e leitura. In: BUZEN, Clécio; MENDONÇA, Márcia (Orgs.). Múltiplas linguagens para o Ensino Médio. São Paulo: Parábola Editorial, 2013. (Série Estratégias de ensino)
FREITAS, Maria Teresa de Assunção. Discutindo sentidos da palavra intervenção na pesquisa de abordagem histórico cultural. In: Fazer pesquisa na abordagem histórico-cultural: metodologias em construção. Juiz de Fora: Editora UFJR, 2010. FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 13. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. [1968]
LACERDA, Nilma. Tortura e Glória: fugas na ordem dos livros. Belo Horizonte: Superintendência de Bibliotecas Públicas de MG, 2010.
LAJOLO, Marisa. Lobato, um Dom Quixote no caminho da leitura. In: Do mundo da leitura para a leitura do mundo. São Paulo: Ática, 2005.
LÉVY, Pierre. Cibercultura. Trad. Carlos Irineu da Costa. São Paulo: Editora 34, 1999.
LOBATO, Monteiro. Dom Quixote das crianças: contado por Dona Benta. (Ilustrações de André Le Blanc). 7 ed. São Paulo: Brasiliense, 1957. [1936]
LOBATO, Monteiro. A menina do narizinho arrebitado (edição fac-similar). São Paulo: 
Monteiro Lobato e Cia, 1982. [1920/21]
LOBATO, Monteiro. Reinações de Narizinho. 2 ed. vol. 1. São Paulo: Brasiliense, 1977. [1931]
LOBATO, Monteiro. Geografia de Dona Benta. (Ilustrações de André Le Blanc). 10 ed. São Paulo: Brasiliense, 1958. [1935]
LORENZI, Gislaine Cristina Correr; DE PÁDUA, Tainá-Rekã Wanderley. Blog nos anos iniciais do Fundamental I: a reconstrução de sentido de um clássico infantil. In: ROJO, Roxane Helena Rodrigues; MOURA, Eduardo (Orgs.) 

Multiletramentos na escola. São Paulo: Parábola Editorial, 2012. (Série Estratégias de ensino)
MARTÍN-BARBERO, Jesus. Herendando el futuro. Pensar la educacíon desde la comunicación. Revista Nómadas. Bogotá, Fundación Universidade Central, 1996.
MATENCIO, Maria de Lourdes Meirelles. Atividades de retextualização em práticas acadêmicas: um estudo do gênero resumo. Scripta, 2002, v. 6, n. 11, p. 25-32;
MORIN, Edgar. Cultura de massas no século XX: neurose. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1997a.
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OROZCO GÓMEZ, Guillermo. Uma pedagogia para os meios de comunicação. Comunicação & Educação, São Paulo, Moderna / CCA-ECA-USP, n. 12, 1998.
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ROJO, Roxane Helena Rodrigues; Letramentos múltiplos, escola e inclusão social. São Paulo: Parábola Editorial, 2009. (Série Estratégias de ensino) 
ROJO, Roxane Helena Rodrigues; MOURA, Eduardo (Orgs.). Letramentos, mídias e linguagens. São Paulo: Parábola Editorial, 2019. (Série Linguagens e tecnologias)
ROJO, Roxane Helena Rodrigues; MOURA, Eduardo. (Orgs.) Multiletramentos na escola. São Paulo: Parábola Editorial, 2012. (Série Estratégias de ensino)
ROJO, Roxane Helena Rodrigues; BARBOSA, Jacqueline. Hipermodernidade, multiletramentos e gêneros discursivos. São Paulo: Parábola Editorial, 2015. (Série Estratégias de ensino)
ROMANO, Patrícia A. Beraldo. Dona Benta: uma mediadora no mundo da leitura. 
Curitiba: Appris, 2019. 
SANTAELLA, Lúcia. Linguagens líquidas na era da mobilidade. São Paulo: Paulus, 2007.
TIJIBOY, Ana Vila. As novas tecnologias e a incerteza na educação. In: SILVA, Mozart Linhares da. (Org.) Novas tecnologias: educação e sociedade na era da informação. Belo Horizonte: Autêntica, 2008.
 

O Sítio Chega ao Cartoon Network

Depois da estreia na Globo em 7 de janeiro de 2012, a série em desenho animado do Sítio do Pica-Pau Amarelo teve 78 episódios divididos em 3 temporadas com 26 episódios cada uma. Foi a partir da terceira temporada, com o fim da programação 100% infantil da Globo, que o Cartoon Network passou a exibir a versão animada do Sítio do Pica-Pau Amarelo e ganhou uma versão em espanhol, que foi ao ar no canal Tooncast para a América Latina.

O último episódio na Globo foi ao ar no dia 26 de setembro de 2016, e o programa é considerado um marco histórico para a animação no Brasil.

Essa versão cartoon do Sítio do Picapau Amarelo teve a produção executiva assinada por Eliane Ferreira, Reynaldo Marchesini, Fernanda Senatori e João Daniel Tikhomiroff, a produção fica a cargo de João Daniel Tikhomiroff, Michel Tikhomiroff, Hugo Janeba e Eliane Ferreira, com adaptação e roteiro final de Rodrigo Castilho, direção de Humberto Avelar e supervisão artística de Reynaldo Marchesini.

Exibido com sucesso também em outros países da América Latina, o programa ganhou prêmios importantes como o de Melhor Série Animada Latinoamericana e na votação popular Novasur Award, ambos do Festival Internacional de Animação Chileno em 2014 em Santiago, no Chile. O título de melhor série foi votado pelo júri do evento, enquanto o prêmio Novasur foi conquistado pela maioria dos votos de 12 mil crianças de escolas em todo o Chile.

 

As curiosidades do Sítio em desenho animado

A versão em desenho animado do Sítio do Pica-Pau Amarelo contou com algumas adaptações socioculturais importantes para evitar polêmicas. Deixou de lado por exemplo, qualquer resquício escravocrata em referência a Tia Nastácia e ao pó de pirlimpimpim, que deixou de ser pó por completo – para não haver qualquer ligação com substâncias alucinógenas – e virou uma espécie de mágica que transportava os personagens de um lugar para outro.

Muita gente vai lembrar que na versão original, Emília e sua turma aspiravam o pó e ‘viajavam’. Na versão dos anos 1980, já para evitar qualquer alusão ao uso de drogas, eles ao invés de aspirar, jogavam o pó uns sobre os outros para viajar em suas aventuras.

 

AS VOZES DOS PERSONAGENS:

Voce sabe aque:

            -As vozes dos personagens foram gravadas pelo estúdio Ultrassom, em São Paulo,

com direção de voz e de casting de Melissa Garcia nas temporadas 1 e 2 e Hugo Picchi na terceira temporada.

O processo de gravação das vozes é chamado de voz original porque ao contrário da dublagem, é todo feito antes da animação, servindo como base para a produção da animação.

As vozes dos principais personagens ao longo das 3 temporadas:

> Dona Benta: Gessy Fonseca

> Tia Nastácia: Patrícia Scalvi (temporadas 1 e 2) e Patrícia Pichamone

> Narizinho: Larissa Manoela (temporada 1) e Luiza Telles Rosa

> Pedrinho: Vyni Takahashi, Pedro Volpato e Renato Cavalcanti (uma temporada cada um na sequência)

> Emília: Isabella Guarnieri

> Visconde de Sabugosa: César Marcehetti

> Cuca: Alessandra Araújo

> Rabicó: Hugo Picchini Neto

No dia 10 de agosto de 2013, foi ao ar na Globo, a segunda temporada do cartoon do Sítio do Pica-Pau Amarelo, com histórias inspiradas no livro ‘O Saci’.

Como novidade, a inclusão de dois novos personagens O Saci e o Tio Barnabé, a troca nas vozes de Pedrinho e Narizinho.

As tramas da terceira temporada, que estreou no dia 6 de julho de 2015, foram livremente baseadas no livro ‘Caçadas de Pedrinho’ e duas novas mudanças de dubladores aconteceram: com Tia Nastácia e novamente com Pedrinho.

No último episódio da temporada, “Um lugar especial”, exibido no dia 26 de setembro de 2016, as férias de Pedrinho chegam ao fim e o garoto se despede de seus amigos antes de retornar à cidade grande. Mas Cuca prende o Sítio inteiro dentro de uma bola de vidro. O desfecho deixa no ar a possibilidade de quem sabe, uma continuação em breve


OUTRAS COISAS CURIOSAS:

Voce sabia que:

– Gilberto Gil teve que cantar a mesma música tema de abertura das versões anteriores em um arranjo bem mais acelerado, adaptando a canção ao tom da animação.

– Gessy Fonseca que deu voz à Dona Benta no desenho, já havia interpretado a personagem em um programa de rádio no ano de 1943, chegando inclusive a conhecer Monteiro Lobato!

– A marca do Sítio do Pica-Pau Amarelo sempre atraiu o interesse de empresas de diversos ramos e esmo distante da tela da Globo desde 2007, o ‘Sítio’ seguiu tendo itens licenciados e vendidos no site da emissora, como cadernos, bonecos, brinquedos, jogos, DVDs, entre outros, e o lançamento do desenho animado aqueceu consideravelmente os licenciamentos.

–   Entre 2012 a Editora Globo e a Globo Marcas, criaram a comunidade virtual "Mundo do Sítio", com jogos e atividades educativas voltadas para crianças de cinco a dez anos de idade. Considerada a primeira rede social infantil do Brasil, o site que tinha mais de 20 atividades disponíveis através do serviço de assinatura, foi mantido até 2015. O design dos personagens apresentado no Mundo do Sítio (e em peças derivadas de merchandising) também tinham o conceito original realizado por Bruno Okada, responsável pelo desenho dos personagens da série animada para a TV.

— Mesmo com algumas críticas pontuais quanto ao tom excessivamente infantil e a reformulação em relação às séries anteriores, a versão animada do Sítio do Pica-Pau Amarelo teve ótima recepção entre o público e fãs de Monteiro Lobato. No Cartoon Network, por exemplo, o título chegou a figurar entre os 10 programas mais vistos no canal.

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Fontes:

https://www.epgrupo.com.br/desenho-sitio-picapau-amarelo-produzido-pela-mixer-conquista-premios/

https://www.meioemensagem.com.br/home/midia/2011/12/14/desenho-do-s-tio-em-janeiro-na-globo.html

https://pt.wikipedia.org/wiki/S%C3%ADtio_do_Picapau_Amarelo_(s%C3%A9rie_animada)

http://redeglobo.globo.com/novidades/noticia/2011/12/sitio-do-picapau-amarelo-volta-ao-ar-agora-em-desenho-animado-na-globo.html

https://pt.wikipedia.org/wiki/S%C3%ADtio_do_Picapau_Amarelo_(s%C3%A9rie_animada)

Animação do Sítio revive o sucesso do universo de Monteiro Lobato

Ao criar o Sítio do Pica-Pau Amarelo, Monteiro Lobato jamais poderia ter imaginado até aonde sua obra infantojuvenil chegaria. Mas o poder da sua comunicação extrapolou limites, avançou por gerações, segue despertando o imaginário do público e hoje ainda, provocando discussões em torno dos mais variados temas abordados pelo escritor no seu tempo.

Será que se vivesse nos dias de hoje os personagens do imaginário lobatiano seriam os mesmos ou seriam diferentes? Será que teriam aparência semelhante as que nós conhecemos?

A Globo estendeu os limites do imaginário de Lobato e em parceria com a produtora de conteúdos audiovisuais Mixer – hoje Mixer Films, a terceira mais premiada do mundo, produziu uma série de animação brasileira, baseada na obra do escritor. O objetivo era bem claro e lógico: adequar a comunicação visual do já consagrado Sítio do Pica-Pau Amarelo às crianças do início da segunda década dos anos dois mil. O público-alvo da atração tinha diminuído de idade e agora estava entre 4 e 10 anos de idade.

Com investimentos de R$ 4 milhões por temporada, sendo R$ 3 milhões por meio da Lei do Audiovisual, que permite a canais a dedução de parte do imposto pago. Até o início da produção, foram dois longos anos de negociação entre a Globo Marcas – que representava à época os herdeiros nas questões dos direitos sobre a obra de Monteiro Lobato – e a Mixer, até que o primeiro episódio, da primeira temporada estreasse na emissora no dia 7 de janeiro de 2012.

Joyce Monteiro Lobato, neta do escritor, e o marido Jerzy Kornbluh, estiveram envolvidos diretamente durante todo o processo de criação dos desenhos dos personagens e da elaboração dos roteiros da série animada para a Cartoon.

Assim, o universo mágico criado pelo escritor Monteiro Lobato, sucesso em suas várias versões dramatúrgicas desde 1952, voltava a fazer parte das manhãs de sábados dos brasileiros, agora em desenho animado.

Seguindo o padrão Global, os cuidados com a produção passaram por minuciosos detalhes, com atenção para que a obra não perdesse suas características tão bem delineadas. Assim os personagens foram na verdade adequados à linguagem visual da época.

Para cartoonizar do modo mais adequado os personagens do Sítio, a Globo realizou um concurso com dez finalistas para definir quem seria o desenhista da obra. O escolhido foi Bruno Okada, que apresentou os personagens com características que o diretor de licenciamentos da emissora à época, José Luiz Bartolo, chamou de traços globaiscom características da nossa brasilidade juntamente com traços de mangá o que eventualmente favoreceria o lançamento de produtos no mercado internacional. Em suma, os personagens do nosso cartoon seguiram a base dos animes japoneses: olhos grandes, ritmo acelerado e falas dinâmicas.

O projeto foi negociado para a América Latina, onde foi exibido em vários países, alem do Brasil.

Com um volume de produção de três episódios por mês, a parte mais difícil da produção, de acordo com Tiago Mello, diretor executivo da Mixer e Rodrigo Castilho, responsável pela adaptação do texto e pelo roteiro final, era transformar histórias de 40 minutos na TV em episódios de apenas 11 minutos, tempo médio da animação.

Com o mesmo tema original de Gilberto Gil na abertura, as histórias baseadas em Reinações de Narizinho, Viagem ao Céue Caçadas de Pedrinho, protagonizadas por Dona Benta, Tia Nastácia, Narizinho, Pedrinho, Emília, o Visconde de Sabugosa, Rabicó e a Cuca, como já citado, tinham que ser aprovados previamente pelos representantes da família de Lobato, Joyce e Jerzy, pais da escritora Cleo Monteiro Lobato, hoje a responsável pela atualização e tradução da obra do pai da literatura infantil brasileira

A cartinha do príncipe

Patrícia Aparecida Beraldo Romano

Sítio do Picapau Amarelo, ano de 2020. Caro senhor Monteiro Lobato,

Estou eu aqui nesse recanto tão tranquilo do Sítio onde cresceram todas as suas personagens infantis. Talvez eu seja a mais antiga delas, afinal, enquanto elas eram crianças, eu já era um peixinho adulto e príncipe, sim senhor, com longas e brilhantes barbatanas. O ribeirão que corre no fundo do pomar é o meu ainda hoje meu refúgio, cem anos depois do momento em que o senhor começou a contar a minha história e a de suas personagens infantis. Aqui, nas águas muito apressadinhas e mexeriqueiras, ainda correm a nadar– por entre as negras pedras de limo, que Lúcia, a nossa Narizinho, chamava de “as tias Nastácias do rio”– os meus parentes grandes e miúdos, a se divertirem com as águas cristalinas e borbulhantes da pequena queda d’água que desemboca no riacho. O senhor já não mora mais neste lugar mágico. Foi-se embora há muito tempo, mas deixou nossa imagem consagrada entre as crianças que, ainda hoje, querem bailar comigo, o Príncipe Escamado, ou esperar por um vestido furta-cor de dona Aranha, a costureira das fadas!

O senhor deve estar se perguntando o porquê dessa minha cartinha, depois de tantos anos, não é mesmo? Pois me bateu uma enorme saudade da turminha do Sítio e dos leitores dela! Veja só o que me aconteceu há pouco tempo. Estava eu aqui pela beira do riacho, numa tarde tranquila de verão quando vi uma mãozinha se aproximar de mim. Eu, muito sorrateiro, já fui me apegando àqueles dedinhos pequeninos e matreiros e me deixei levar. Pois qual não foi minha surpresa: fui colocado em algo plástico, com muito pouca água e transportado para dentro de sua antiga residência, a casa grande, que hoje não é mais assim conhecida. Fiquei assustado, confesso. Achei que tivesse chegado o meu fim. Mas que nada, senhor Lobato, fui realocado para um espaço muito bonito, com pedrinhas coloridas, muito mais furta-cores do que as do fundo do riacho e dei de cara com uma série de outros parentes meus: uns enormes, outros minúsculos; uns coloridos como eu, outros de uma cor apenas. Uma alegria danada reencontrar amigos que eu pensava estivessem mortos há muito tempo.

Passei a observar o espaço ao meu redor. Sabe o que mais me impressionava? O cheiro bom que penetrava na água todo final de semana. Cheiro de comida, e comida caseira, das boas, igualzinha à de Tia Nastácia, quando todos nós fomos visitar o Sítio!

Uma delícia!!! A única tristeza é que não foi ela quem eu encontrei por lá, mas sim uma senhora a quem uma moça chamava de “mamãe”! E a quem crianças, inclusive a que me pegou no ribeirão, chamavam de “vovó”. Imediatamente imaginei se tratar de Dona Benta, um amor de avó. Não era ela também. Fiquei um pouco triste, pois já queria conversar com a boa senhora… Enfim, a prosa não foi possível, mas essa boa velhinha era a responsável pelo delicioso aroma que perfumava minha nova casa, o aquário.

De lá eu também via as pessoas que entravam e saíam da antiga casa grande. Ao entrarem, escutavam uma apresentação sobre o lugar, sobre o senhor e sua família, inclusive sobre o visconde, seu avô, que mandara construir tal casa. Sim, senhor Lobato, o visconde de Tremembé e a viscondessa, sua esposa. Havia as curiosidades sobre as janelas, cujos vidros, ou cristais (nunca consegui ouvir direito) teriam vindo da França! Nossa! Como haviam chegado até ali era o que todos queriam saber! Nem estradas existiam na época. E também desejavam descobrir se havia mobília ainda que pertencera ao senhor e sua família. Ao ouvirem um “sim,” ficavam encantadas, em especial com a escrivaninha. O almoço, como se chamava a comilança que se seguia às visitas, vinha na sequência. Tinha comida de todo tipo, cujos nomes eu ia anotando e descrevendo, para não esquecer e para aprender, pois Narizinho sempre dizia que eu era meio difícil de aprender.

Pois voltemos à aventura do Príncipe Escamado, em antigas terras da casa grande do senhor Lobato. Eu me aventurei a sair do aquário e me lembrei de que trazia no bolso uma das pílulas do Dr. Caramujo. Sim, senhor Lobato, o mesmo que deu a pílula da falinha à Emília. O Dr. Caramujo era um danado de esperto e conseguiu reinventar a fórmula enterrada com o antigo besouro boticário que as inventara. E olha, estou para dizer que essas são ainda mais eficientes! Bem, bastou engolir uma e… zás, deu certo, saí do aquário, já meio homem, meio peixe, e me dirigi à boa senhora para me apresentar. Ela, como eu esperava, levou um susto, mas se deixou seduzir por meu charme e gentileza.

A vovó me achou lindo no meu terno furta-cor e logo me ofereceu suas guloseimas. Enquanto me deliciava com elas, tentei explicar quem eu era, mas creio que, embora moradora da sua antiga casa, ela não era afeita à leitura das suas obras. Uma pena. Contei-lhe sobre minhas intenções: ser apresentado como o Príncipe Escamado a todas as visitas da casa. Imagine o sucesso, eu disse! Senhor Lobato, esse foi meu erro, pois a senhora achou que eu era um mentiroso, não conseguiu perceber a magia que permeava a minha existência e invadia a realidade dela. “Um peixe, e ainda

por cima, príncipe”? Foi demais para a senhora das comidas. Ela foi se assustando comigo, quando lhe mostrei minhas barbatanas, escondidas, sobre o blazer, e minha cauda, amarrada e presa à calça. E… de repente… Puf! Caiu, esborrachada no chão.

Os homens que ali trabalhavam a acudiram, mas acharam que eu era um ser perigoso, saíram correndo atrás de mim. Eu segurei fortemente minha cauda de peixe e zás, atravessei o pasto das vacas, dei de cara com uma Mocha, mas não me assustei como no passado. Passei correndo pela porteira do pomar e desejava apenas ouvir Tia Nastácia me chamando pra ver se todo aquele alvoroço desaparecia. Enfim, tive de pular, ainda meio homem, no riacho, e lá o feitiço da pílula desapareceu. Afundei nas águas tranquilas do ribeirão do Sítio, senhor Lobato, para de lá nunca mais sair.

E é daqui, desse espaço mágico, que lhe escrevo, na esperança de que seus textos continuem a ser publicados, lidos e relidos, pois só assim continuaremos vivos e amados por todos, crianças, jovens e adultos, que ainda acreditam na magia de uma pílula falante ou no pó do Pirlimpimpim ou ainda no fechar dos olhos e deixar-se levar simplesmente pelo poder da imaginação.
Saudações, senhor Lobato, do Reino das Águas Claras.
Príncipe Escamado

Tia Nastácia; Figura relevante na divulgação da rica cultura popular brasileira

O encantamento provocado pelos personagens principais criados por Monteiro Lobato, nas histórias do Sítio do Pica-Pau Amarelo, atravessa gerações e desperta a nossa curiosidade para conhecer melhor as suas origens e as características de suas próprias personalidades.

Neste texto nossa personagem em destaque é Tia Nastácia, a melhor amiga de Dona Benta, que foi escrava quando jovem e depois de liberta se tornou parte da família do Sítio mais famoso do mundo!

Dona de riquíssima sabedoria popular, apesar de quase nenhum estudo, Nastácia tem o dom da bondade, sendo a cuidadora de Lúcia, a Narizinho, desde pequena e criadora da boneca de pano Emília e do sábio Visconde de Sabugosa, um boneco feito a partir de um sabugo de milho.

Mesmo responsável pelos afazeres da casa, ao contrário do que campanhas anti-Lobato tentam propagar, ela é sempre tratada com muito respeito por todos e em nenhum momento é menosprezada pelo autor. Afinal, não há nenhuma vergonha em se fazer trabalho doméstico como todos sabemos. 

Lobato reserva à Tia Nastácia uma posição privilegiada em comparação a figura do negro perante a sociedade daquela época, visto que sua personagem opina sobre os mais variados assuntos, ajudando na educação das crianças, dividindo os afazeres da casa com a amiga Dona Benta, figurando inclusive como sua confidente, o que era raríssimo de acontecer naquele tempo. Mesmo mantendo o costume em chamar Dona Benta de sinhá, assim como era costume antigamente, claramente no Sítio não há dono, nem patrão, e a relação entre as duas é baseada numa forte amizade, ajuda mútua, trocas de receitas e confidências.

O próprio Monteiro Lobato nos conta ainda em vida, durante uma entrevista ao jornalista Silveira Peixoto, que a personagem de seus livros foi inspirada em uma mulher chamada Anastácia, uma negra alta, magra da cidade de Areias que era casada com Esaú. Ambos foram contratados e vieram trabalhar na Fazenda São José do Buquira. Ela como cozinheira e babá de Guilherme (3º filho de Lobato) e ele como ajudante da fazenda. Foto de ambos estão no álbum de família de posse de D.Joyce Lobato Campos. D. Joyce também nos conta que houveram diversas “Nastácias” na família. D. Joyce conheceu Benedita Rodrigues, filha de Gabriela. Gabriela trabalhou na casa de Purezinha por muitos anos até falecer e Purezinha ajudou a criar a filha de Gabriela, Benedita, que cresceu junto com os filhos de Lobato, ficando muito amiga da filha mais velha, Martha. Mais tarde, quando Martha casou, Benedita foi trabalhar na casa de Martha ajudando a criar Joyce, neta de Lobato. A mesma Benedita (após a morte de Lobato) foi chamada para interpretar a 1a Tia Nastácia da TV Tupi durante 9 anos além de ter feito o mesmo papel no filme “O Saci”.

Com seu ar de brasilidade, Tia Nastácia é uma personagem retratada com todo o respeito merecido, que exerce um papel relevante e ganha até um livro com seu nome; “Histórias de Tia Nastácia”, que começa com a personagem explicando o que é folclore para as crianças e contando histórias da cultura brasileira e suas lendas. Na concepção do escritor, ela é a responsável por nos apresentar personagens até então menosprezados da nossa rica cultura popular.

Assim, essa mulher forte e companheira imprescindível, conquista seu próprio espaço nas histórias de Lobato, arrebatando o coração de seus leitores e desempenhando um importante papel educativo, fundamental em sua obra.

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REFERÊNCIAS:

https://alb.org.br/arquivo-morto/edicoes_anteriores/anais16/sem08pdf/sm08ss05_04.pdf

https://perguntaspopulares.com/library/artigo/read/411903-quem-e-o-visconde-de-sabugosa

https://sitio.pmvs.pt/blog/2014/07/03/visconde-de-sabugosa-2/

https://portalcafebrasil.com.br/cafepedia/tia-nastacia/

memorias de Joyce e album da familia

As provocações do Visconde de Sabugosa, um mergulho no reflexivo universo lobatiano

Neste texto nós inauguramos uma série para analisar a origem e a personalidade dos principais personagens criados por Monteiro Lobato e que tornaram o Sítio do Pica-Pau Amarelo uma das mais importantes obras da literatura infantil brasileira.

Presente na maioria das histórias do Sítio, o Visconde de Sabugosa, personagem criado por Monteiro Lobato, acredita-se que foi inspirado em seu avô, o Visconde de Tremembé, um dos homens mais ricos e poderosos de sua época, amigo pessoal de D. Pedro II. Ele foi inclusive responsável pela iluminação pública da cidade de Taubaté, na primeira metade do século XIX, entre outras coisas.

O Visconde de Sabugosa nasce em 1921, no livro Narizinho Arrebitado, edição escolar. Fruto de uma brincadeira de Narizinho e Pedrinho, que queriam casar a boneca Emília com o Marquês de Rabicó. Pedrinho faz um boneco a partir de um sabugo de milho, para fingir ser pai do leitãozinho, pretendente à mão da boneca de pano.

Esse heróico personagem lobatiano nasceu em meio aos livros e morava num vão de armário na sala de jantar do Sítio do Pica Pau Amarelo.  As paredes da casa eram formadas por dois grossos volumes do Dicionário Morais. A obra “O Banquete 2”, “escrito por um tal Platão que viveu antigamente na Grécia e devia ter sido um guloso”, era a mesa do sabugo de milho. A “Enciclopédia do Riso e da Galhofa”, um “livro muito antigo e danado para dar sono”  que Lobato lera na juventude, tornou-se a cama do Visconde. Os demais “móveis”, ou seja, cadeiras, estantes e armários, eram formados por livros de capa de couro, herdados de um tio de Dona Benta.

O sabugo só mudou de casa depois que voltou do Reino das Águas Claras e passou uma semana inteira atrás da estante, ficou embolorado e como soltava um pó verde, começou a dormir numa lata, como revela o autor na quarta história de Reinações de Narizinho.

Antes mesmo de se tornar um personagem com diversas facetas, o Visconde era considerado um fidalgo muito distinto, viúvo e sua mãe, Dona Palha de Milho, faleceu num “horrível desastre”, comida pela vaca mocha. Logo no começo em que ganha vida, ele ainda tinha o tamanho de um sabugo de milho, mas tomou uma pitada de fermento e ficou do tamanho de uma pessoa normal.

Como Narizinho o embrulhou num velho fascículo das Aventuras de Sherlock Holmes, em Reinações de Narizinho, parece que isso influenciou o sábio de tal maneira que ele foi o responsável por descobrir não só a verdadeira identidade do suposto Gato Félix, mas também quem roubava a sombra de tia Nastácia em Peter Pan!  O sabugo “andava deduzindo” os fatos, mas não tinha ainda pistas definitivas. Incansável, ele desmascarou o raptor da sombra, que era ninguém menos do que Emília.

Sua condição de sábio lhe trouxe bons e maus momentos. Ele sofreu acidentes, empanturrou-se com a leitura de Álgebra, foi operado e salvou-se. Sua ânsia pelo conhecimento fez dele o professor dedicado em Aritmética da Emília e seus estudos de Geologia permitiram que fosse perfurado o primeiro poço de petróleo do Brasil, em “O Poço do Visconde”. Em “Os 12 Trabalhos de Hércules”, última obra de Lobato, o sabugo aparece como a concretização do saber científico.

Pelo fato de ser “consertável”, ele é sempre escolhido por Pedrinho para fazer as coisas mais perigosas. Sempre que ele estraga, se machuca ou até morre, Tia Nastácia simplesmente pega uma nova espiga de milho no paiol e faz um outro Visconde ainda melhor, reaproveitando somente a cabeça, os braços e as pernas. Apesar disso, pelo fato dele ter seu corpo formado por um sabugo e ter botões de milho no peito, Visconde morre de medo de passar perto de uma galinha, ou mesmo da Vaca Mocha!

Quando investigamos o personagem, nos deparamos com as suas variadas facetas, bem como o movimento da ciência no Sítio do Pica-Pau Amarelo. À medida que nos aprofundamos na obra, é possível estabelecer relações entre as várias concepções científicas do autor e a construção do personagem, reflexos do contexto histórico na criação literária lobatiana.

Lobato era um homem fascinado pelo progresso que ele achava que a ciência poderia trazer e buscava em estudos científicos, respostas de como gerar progresso para o nosso país e para os problemas crônicos do Brasil. Ele acreditava que soluções baseadas em pesquisas científicas seriam muito importantes para o desenvolvimento da nossa sociedade.

Vários estudos discutem ainda hoje a relação da literatura lobatiana com o ensino de ciências, sobre a história e a natureza da ciência, a motivação para estudar ciência, o método científico, concepção empirista ou revolucionária da ciência e suas aplicações. A literatura de Monteiro Lobato mostra a importância que o autor dava às relações do homem com a ciência e se contrapunha à literatura infantil da época baseada nos contos de fadas europeus.

Através de sua obra e mais especificamente na forma do personagem Visconde de Sabugosa, Lobato deixa transparecer a importância alcançada pelo conhecimento científico, demonstrando através de seus textos a necessidade do apoio à pesquisa e ao estudo científico em um período em que concordam os maiores intelectuais da época, o Brasil se encontrava ‘doente’ e a ciência era uma espécie de ‘caminho para a salvação do povo’.

Voltando a falar do nosso personagem, o Visconde de Sabugosa é um sábio que estuda latim, que tem dificuldade para se locomover em algumas situações e possui como marca registrada a tossezinha para limpar o pigarro antes de dar uma explicação. É dele que vem sempre a última palavra, como exemplo de alguém que detém o conhecimento, por isso é chamado para esclarecer dúvidas e solucionar problemas.

Ao representar o homem de ciência no Sítio, Lobato nos passa a impressão de que havia um movimento constante em sua obra e nas suas histórias. O Visconde cria sempre de modo misterioso, às escondidas, carregando um ar de distinção, como se a ciência fosse para poucos, apenas para homens especiais.

Na forma de um sabugo de milho que morre e reaparece, o porta-voz da ciência talvez tenha sido mais um recurso literário que Lobato utilizou para provocar a todos os seus leitores num convite à reflexão sobre a relação do homem com a ciência e os seus valores já naquela época.

A análise da trajetória do personagem Visconde de Sabugosa presente na maioria dos livros, revela que o autor elabora suas histórias permeadas de fatos científicos, de saberes práticos e teóricos, de diálogos, situações e ambientes em que tal personagem e os demais se inserem.

O Visconde é um dos personagens que nos levam a mergulhar em uma das mais ricas obras literárias nacionais, onde os livros não são meros papéis manuseados por um tempo, fechados e esquecidos após o fim da leitura. São histórias que nos convidam a ir mais além, mais para dentro de nós mesmos, como um convite para que a gente perca o medo de imergir no nosso próprio mundo de fantasias.

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REFERÊNCIAS:

https://alb.org.br/arquivo-morto/edicoes_anteriores/anais16/sem08pdf/sm08ss05_04.pdf

https://perguntaspopulares.com/library/artigo/read/411903-quem-e-o-visconde-de-sabugosa

https://sitio.pmvs.pt/blog/2014/07/03/visconde-de-sabugosa-2/

https://semeadordelivros.com.br/na-trilha-de-lobato-entre-a-serras/

https://super.abril.com.br/ciencia/a-longa-historia-da-eugenia/

http://www.encontro2010.rj.anpuh.org/resources/anais/8/1273252078_ARQUIVO_REIVINDICACAOPOLITICAECONHECIMENTOCIENTIFICO.pdf

https://www.scielo.br/j/epec/a/n3jym7tYqMMvM4gFfgqTkwv/?lang=pt

Saiba tudo sobre o lançamento do livro ‘O Casamento de Narizinho’, terceiro livro adaptado da obra de Monteiro Lobato

Bisneta de Monteiro Lobato, a historiadora Cleo Monteiro Lobato lançou este mês, o livro “O Casamento de Narizinho”, o terceiro da série de adaptações e traduções das histórias que a escritora está fazendo do clássico centenário “Reinações de Narizinho”, obra que apresentou os personagens do Sítio do Pica-Pau Amarelo e suas aventuras ao grande público, dando origem a um dos maiores sucessos da literatura infantil brasileira.

Com um total de onze histórias, Cleo já adaptou as histórias “Narizinho Arrebitado” e “Sítio do Pica-Pau Amarelo”. Todos pela Underline Publishing, editora localizada em Miami e especializada em promover escritores brasileiros no exterior.

Para quem ainda não conhece, a terceira história “O Casamento de Narizinho”, como o próprio título já diz, conta a história da união da personagem com o príncipe das Águas Claras, que havia adoecido de amor por ela. A simplicidade das narrativas, com uma linguagem perfeita para a literatura infanto-juvenil, conduz a uma leitura fluida, criativa cheia de momentos surpreendentes, instigando a curiosidade e o prazer pela leitura.

“O Casamento de Narizinho” tem 59 páginas e 12 ilustrações feitas por Rafael Sam, responsável também por ilustrar os outros dois livros já lançados. Vivendo nos Estados Unidos, há 24 anos, ao lado do esposo e do filho, Cleo conversou com a gente para falar sobre esse importante trabalho de tradução e adaptação da obra de Lobato e sobre o livro que foi lançado este mês.

Blog LcVc: Como surgiu a ideia de revisar a obra de Monteiro Lobato e quando você começou de fato a executar esse processo?

Cleo ML: A ideia nunca foi de revisar propriamente dito, a ideia inicial era somente traduzir… Mas ao fazer diversas tentativas de tradução eu percebi que pra mim era necessário atualizar em Português primeiro para depois traduzir. Cada vez que eu tentava traduzir eu não conseguia passar na primeira página de Reinações de Narizinho onde tem frases como: “Tia Nastácia, negra de estimação”, “[…] pedras negras de limo que Lúcia chama de Tias Nastácia do rio”… Apesar de saber que o termo: ‘negra de estimação’, era o modo de dizer que a pessoa era estimada e querida da família e que a frase “Tias Nastácia do rio” significa que Lúcia se sentia aconchegada e segura ao lado do ribeirão, ficava muito difícil de traduzir. A constante menção da cor da Tia Nastácia era irritante. Tentei traduzir por pelo menos 5 anos, mas não conseguia um bom resultado.

Com todas essas tentativas de tradução o que aconteceu é que eu percebi a necessidade de adaptar, mudar certas partes dos livros. Nem todos da família concordavam com essa ideia, mas finalmente em 2019 a obra de Monteiro Lobato caiu em domínio público, isso me abriu perspectivas de poder fazer o que eu quisesse sem interferência de ninguém.

Para que eu pudesse levar Monteiro Lobato para os EUA, em português ou em inglês, eu esbarrava no problema da Tia Nastácia e o jeito que a personagem estava tão anacrônica. Não há espaço hoje em dia para uma personagem negra tão antiquada, a não ser que você esteja escrevendo sobre o período da escravidão.

Tenho que mencionar que há anos existe uma espécie de campanha anti-lobato com repetidas acusações de suposto racismo na sua obra. Na minha família essas acusações não foram levadas a sério, achavam que as acusações eram tão absurdas que não mereciam resposta e por fim nunca fizeram nem uma nota de repúdio. A minha percepção sempre foi diferente, especialmente pela minha experiência como imigrante brasileira nos EUA e sempre achei necessário enfrentar essas acusações, mas minha posição era minoritária.

No início de 2020 fui convidada a participar de um seminário virtual de Português como Língua de Herança, que foi quando conheci a Nereide Santa Rosa e ficamos amigas imediatamente. Isso foi logo no começo da pandemia… E foi ótimo, porque a Nereide já escreveu mais de 80 livros, inclusive uma biografia autorizada pelos meus pais de Lobato quando criança. Essa amizade cresceu e com a Nereide eu pude discutir as questões que me incomodavam na obra de Lobato. Iniciamos um longo processo de conversa e discussão de como adaptar para o século XXI.

Nessa época aconteceu um incidente catalisador para mim: a morte de George Floyd aqui nos EUA e a morte do menino Miguel Otávio, que caiu do apartamento onde sua mãe era empregada no Recife… Foi o meu momento de clareza! Nesse momento todos meus questionamentos se cristalizaram e decidi o que fazer… Percebi que para mim a questão da justiça e igualdade racial eram as mais importantes, então decidi exatamente o que adaptar nos livros do meu bisavô: a personagem Nastácia.

Blog LcVc: E como funciona esse processo de adaptação?

Cleo ML: Quando eu decidi qual era a questão mais importante que eu queria abordar, eu li analisando o texto e focando somente na personagem Nastácia. Essa redução do escopo da atualização facilitou muito o processo. Nereide e eu revisamos o texto juntas e vimos se existiam termos anacrônicos. Por exemplo: Retiramos as referências à cor dela, porque hoje em dia não precisamos enfatizar que a pessoa é de qualquer cor, não há mais ”a negra isso”, ”a boa negra aquilo”… Quando Lobato escreveu seus livros, ele estava tentando mudar a imagem existente dos ex-escravos, que eram considerados pouco mais do que animais ou objetos para uso dos seus senhores, e ele quis modificar essa imagem mostrando que eles também eram seres humanos de valor. Nastácia é descrita repetidas vezes como “boa”. Mas hoje em dia não é mais necessário enfatizar repetidamente a cor junto com a qualidade de bondade. Hoje precisamos de uma Nastácia em pé de igualdade social e econômica com a sua amiga Benta.

É importante ressaltar que eu atualizei Tia Nastácia em três coisas: ela não é mais uma ex-escrava e sim amiga de infância de Dona Benta; ela não é mais analfabeta, agora sabe ler; e agora ela não é mais empregada, nem trabalha para D.Benta. De resto usei um artifício Lobatiano que é não explicar muito… Ninguém sabe que fim levou os pais de Narizinho ou quem é o pai do Pedrinho, nem com quem D. Benta foi casada… Lobato não explica muito o passado dos seus personagens. O que importa é o universo mágico que a partir da primeira página se abre para o leitor. Essencialmente a Personagem Nastácia manteve-se igualzinha a personagem criada pelo meu bisavô: ela continua excelente cozinheira, continua amorosa e acolhedora, continua ajudando a criar Narizinho e continua tendo feito a Emília. Não mexi na essência da Tia Nastácia. Inclusive modifiquei o menos possível nas falas, retirando apenas palavras ou termos que hoje são considerados preconceituosos, mas antigamente eram normais. Somente modifiquei as falas de Nastácia, onde era necessário para refletirem as mudanças da atualização da personagem. Por exemplo: como ela não é mais uma ex-escrava, ela não chama mais Dona Benta de “Sinhá”. Como ela não é mais analfabeta ela não fala mais como tal. Esses momentos foram assinalados e coloquei um glossário no final com explicações e também definições das palavras em desuso.

Blog LcVc: Você fez alguma outra atualização em algum outro personagem? Como foi a atualização visual dos personagens do Sítio?

Cleo ML: Não, não modifiquei nem atualizei mais nada no texto e não mexi em nenhum outro personagem.

O processo de atualização visual foi o mais fácil e divertido. Se você olhar os ilustradores oficiais de Lobato da década de 30 e 40 e até os desenhos da Editora Globo, você percebe que Dona Benta teve uma evolução visual, ficou mais “moderna”, evoluiu com os tempos, Narizinho e Pedrinho também, Emília e até o Visconde mudam com o passar das décadas, todos exceto Tia Nastácia! Ela continua de chinelo e paninho na cabeça eternamente.

Um belo dia em 2019 encontrei uma ilustração do Rafael Sam no Instagram. Era uma ilustração da Cuca, Visconde, Emília e o Saci atravessando a rua na faixa de pedestres – a rua se chamava Lobato Road, numa referência à famosa rua que ilustrou a capa do disco Abbey Road, dos Beatles. Fiquei encantada com a qualidade do desenho, a originalidade, o humor e as múltiplas camadas de referências culturais presentes no desenho do Rafael.

Já estava no processo de adaptação do texto junto com Nereide e precisávamos de um ilustrador. Nereide me apresentou diversos outros, mas nenhum se aproximava da qualidade e da inteligência dos desenhos do Rafael, então fui atrás dele. Conversamos e acertamos nossa parceria. Foi uma aproximação delicada porque eu não sabia se ele gostava de Lobato, se tinha algo contra, mas deu tudo certo e o trabalho dele está incrível, cada vez melhor!

Blog LcVc: E como foi esse processo de trabalho entre você e o Rafael?

Cleo ML: Confesso que o nosso processo de trabalho foi um pouco tumultuado. Eu nunca tinha trabalhado com um ilustrador, mas sou artista também e eu tinha as imagens no meu coração. O difícil era transmitir verbalmente para o Rafael desenhar o que meu coração sentia, fazer as minha memórias afetivas tomar forma… Tive de passar muitas imagens tiradas do Google para Rafael poder entender como é a flora do Vale do Paraíba, porque Rafael é do Recife e não conhece as árvores e flores da região Sudeste. Como somos duas pessoas visuais, eu fui atrás de referências visuais, as mais diversas na internet. Tivemos muitas conversas e discussões. Para o cenário do Reino das Águas Claras, eu vi uma imagem na TV do meu dentista, fotografei e mandei para ele. Era uma imagem das florestas de algas daqui de Santa Bárbara. Uso muito também as referências dos ilustradores antigos de Lobato, para manter o espírito original dos personagens e também adoro fazer referência às capas antigas.

Às vezes o que o Rafael tinha em mente não era o que eu tinha no coração. Por exemplo: tentamos fazer Dona Benta uma avó de hoje. Fiz mil buscas no Google, mas as avós de hoje podem ser uma mulher de 40 ou 50 anos de jeans e cabelo curto, aliás o Rafael queria fazer a D. Benta baseada em mim! Mas eu sou muito mais Emília do que Benta! De qualquer maneira percebi que D. Benta tinha que continuar uma avó de visual tradicional, icônica porque ela é a avó ideal, que só existe no mundo imaginário, nos nossos sonhos.

Foi assim com todos os personagens, discutimos todos um a um. A Emília foi pura inspiração do Rafael. A única condição que eu impus, é que não podia ter nada a ver com a Emília da Globo. A nova Tia Nastácia eu deixei para o Rafael fazer porque, quem melhor que um ilustrador negro, com duas crianças lindas, para fazer uma Tia Nastácia do jeito que os filhos dele gostariam de ver? E saiu essa Tia Nastácia maravilhosa, empoderada, orgulhosa da sua descendência africana! Pedrinho nós deixamos quase igual, mas com toques contemporâneos como o tênis All Star. E por fim, Narizinho tinha que ser feminina mas ainda criança, absolutamente não sexualizada e morena cor de jambo, igual Lobato a descreve.

Blog LcVc: Como tem sido a aceitação dos pais em relação a esse seu trabalho, quanto a compreensão do conteúdo das histórias do Sítio e a transmissão aos novos pequenos leitores?

Cleo ML: Tenho notado que os pais dizem que a leitura do texto ficou mais fácil. Acho que isso se deve primeiro às ilustrações maravilhosas que ajudam na compreensão do texto e depois ao fato da adaptação dos termos anacrônicos já estar incorporada ao texto. Então os pais não tem de fazer a adaptação ao ler e também se quiserem tem um glossário no final, assim se o pai ou a mãe não souberem a palavra, é só olhar.

Blog LcVc: Em relação ao seu trabalho, tanto de adaptação, quanto de tradução de "Reinações de Narizinho” – como é esse processo levando-se em conta a questão cultural e a questão de manter a essência da obra?

Cleo ML: Me perguntam muito sobre “a essência” da obra… Como eu fui criada lendo Lobato, discutindo Lobato diariamente, respirando Lobato a todo minuto, jantando nos móveis do Visconde de Tremembé e tendo contato diário com a filha e a neta de Lobato, nunca tive dúvida de qual era a essência da obra Lobatiana. Isso me ajudou muito.

Na adaptação, apesar da atualização da personagem Nastácia, o texto manteve o sabor e as características do texto original sem grande alteração até agora. Mas na tradução para o Inglês foi muito mais desafiador… Por isso tenho demorado tanto tempo para fazer esse trabalho de tradução. Ao traduzir para o Inglês tive que fazer muitas escolhas. Por exemplo: quais nomes traduzir e quais nomes manter em português? Mantive Narizinho, pois é parte essencial da personagem e a tradução para o inglês tem conotação pejorativa. Mantive Emília, pois existe Emily que é muito parecido. Pedrinho eu troquei para Peter mas optei por não chamá-lo de Little Peter. Com relação a fruta jabuticaba, que não existe nos Estados Unidos, usei o recurso de colocar uma ilustração para mostrar o que era uma jabuticaba. Noutro momento tem um longo parágrafo em que Pedrinho fala sobre o mastro de São João, que saudades ele tem etc… Tive de encurtar um pouco e colocar uma explicação sobre festas juninas no rodapé. Num parágrafo onde Pedrinho menciona o Saci, tive de colocar uma nota de rodapé explicando sobre nosso Saci. Tive que achar frases idiomáticas em Inglês que fossem correspondentes às frases brasileiras usadas por Lobato. Tive que pesquisar as onomatopeias, pois barulhos são diferentes em cada língua e tive que inventar jogos de palavras que fossem engraçados em Inglês, pois Lobato faz muitos trocadilhos e inventa muitas palavras!

Deixa eu dar um exemplo: No início do capítulo “As Jabuticabas”, Emília e Narizinho estão conversando sobre como iriam ajudar o Pequeno Polegar a escapar da história onde ele está preso… Pequeno Polegar é Tom Thumb em Inglês. Vejam só Lobato escreve "Emília era teimosa como ela só. Ela nunca disse Doutor Caramujo. Era sempre Doutor Cara de Coruja. E nunca quis dizer Pequeno Polegar. Era sempre POLEGADA.” Em Inglês ficou: “ Emília mas stubborn to no end and back. She never said Doctor Snail. It was always Doctor Smelly Nails. And never Thumb. Always DUMB.

Vocês entenderam os trocadilhos com os nomes? Foi super instigante pensar em tudo isso.

Blog LcVc: Nós estamos num momento muito tecnológico, onde as nossas crianças estão muito conectadas na internet, na era dos jogos e das redes sociais. Você percebe um certo desinteresse pelos livros, principalmente por parte do público infantil? Como você avalia esse momento e como lida com essa questão?

Cleo ML: Já faz um tempo que estamos nesse ‘momento muito tecnológico’ como você diz e com a pandemia, absolutamente perdemos a guerra. Não há mais como combater a dominância total de celulares, aplicativos e mídia social na vida das crianças. O pior é que o nível de ensino caiu muito com as aulas virtuais e agora a situação é muito pior que há 2 anos atrás. O jeito é usar a tecnologia, abraçar a mídia social, se conectar através das redes sociais e falar sobre livros, sobre Lobato. Por exemplo, eu tenho o projeto ‘Lobato nas Escolas’, que com a pandemia deslanchou com várias palestras virtuais. Todas as escolas têm um jeito de oferecer minhas palestras para seus alunos. Após fazer a inscrição eu entro em contato com a escola, que é quem escolhe o tema que iremos abordar. A palestra tem que fazer parte de uma unidade temática. Eu faço a palestra em qualquer plataforma tipo Zoom, Google-meet ou até por Instagram. Após a palestra peço que o professores postem no Instagram o que acharam do encontro e se os alunos tiverem o aplicativo, peço que também postem no Instagram ou no Facebook sobre o que aprenderam.

 

Cleo Monteiro Lobato já lançou “Narizinho Arrebitado- Livro 1” e também “O Sítio do Pica Pau Amarelo – Livro 2”. Também já lançou “The Adventures of Narizinho” e “The Yellow Woodpecker Ranch” em Inglês, todos pela Underline Publishing e todos ilustrados por Rafael Sam.

Agora ela lançou “O Casamento de Narizinho – Livro 3”, no dia 19 de Abril, na abertura da Semana Monteiro Lobato no Museu Monteiro Lobato em Taubaté.

O novo livro tem 59 páginas e 12 ilustrações feitas por Rafael Sam.

O livro pode ser adquirido por leitores do mundo inteiro pela Amazon ou no Brasil através do site www.monteirolobato.com ou pelo site Umlivro.com.br.

Os leitores também podem conversar com a bisneta de Monteiro Lobato, através da sua página oficial no Instagram: @cleomonteirolobato.

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Semana Monteiro Lobato: 70 anos celebrando celebrando o pai da literatura infantil brasileira

A edição número 70 da ‘Semana Monteiro Lobato’, acontece entre os dias 19 e 24 de abril, no Museu Monteiro Lobato na cidade de Taubaté, no interior de São Paulo, onde nasceu o pai da literatura infantil brasileira!

A ideia de realizar uma semana dedicada à memória de Monteiro Lobato surgiu há muitas décadas em uma reunião do Rotary Club após uma palestra do professor Gentil de Camargo, sobre a vida e a obra do escritor. Em 1950 foi criada uma comissão especial, formada por um grupo de intelectuais taubateanos, com a missão de organizar a primeira Semana Monteiro Lobato presidida por Oswald Barbosa Guisard.

Com o ideia de dar uma dimensão nacional ao evento, os organizadores prepararam uma ampla programação que incluía a realização de concursos literários, a emissão de selos comemorativos, além da entrega de medalhas para homenagear algumas celebridades. Essa comissão planejava também adquirir o Solar do Visconde, onde Monteiro Lobato viveu e atualmente abriga o museu Monteiro Lobato.

Criou-se uma expectativa enorme em relação a presença de artistas conterrâneos do escritor, como Hebe Camargo, Amacio Mazzaropi, Alvarenga e Ranchinho, Alda Garrido, Chico Pelanca, Lia de Aguiar, Sílvio Vieira e Monte Cezar, todos Taubateanos famosos!

Dada a relevância do evento, o então governador do estado na época, Lucas Nogueira Garcês, confirmou sua presença.

Finalmente, três anos após ter sido idealizada em 1950, a primeira edição da Semana Monteiro Lobato foi realizada entre os dias 11 e 18 de abril de 1953. O objetivo desse primeiro evento era resgatar a importância e a contribuição do escritor para a formação de um pensamento genuinamente brasileiro e contou com a presença da esposa de Lobato, D.Purezinha e tambem de sua filha mais nova, Ruth Monteiro Lobato.

Entretanto nem tudo saiu conforme o planejado…

Monteiro Lobato sempre teve uma relação conturbada com sua cidade natal, fato que acabou causando alguns prejuízos a memória e  até ao boicote desta 1a SML por alguns setores da sociedade Taubateana. Por um lado havia um clima de animosidade entre a alta sociedade Taubateana que se sentia ofendida pelo livro “Cidades Mortas e por outro lado a igreja católica da época que acusava Lobato de propagandear o regime comunista e de ser má influencia para as crianças. Esses dois setores se colocaram contra a realização da homenagem ao escritor. Para reafirmar a sua contrariedade, todos os dias o clero ia à rádio para criticar Lobato, durante essa primeira edição da SML, no pátio de uma das escolas de Taubaté dirigida por membros do clero, livros do escritor foram queimados numa grande fogueira que dizem, lembrou uma cena medieval. Foi sem dúvida uma grande campanha promovida para aterrorizar e afastar o povo da celebração ao pai da literatura infantil. Acredita-se que para não contrariar os dirigentes católicos à época, o governador do estado de São Paulo, que havia confirmado presença, acabou não comparecendo ao evento desapontando os organizadores.

Mas mesmo assim com todos esses contratempos a 1a Semana Monteiro Lobato foi um sucesso e deu inicio a uma seria ininterrupta de celebrações anuais lideradas por 30 anos por Oswaldo Barbosa Guisard  que não so’ o presidente da comissão organizadora da Semana Monteiro Lobato por 30 anos mas tambem a pessoa responsável por salvar a chácara do Visconde, atual Museu Monteiro Lobato.

O Professor Osni Cruz faz im relato detalhado do encerramento da 1a Semana Monteiro Lobato em seu livro “Na Trilha de Lobato – A Ultima Alegria” : “As 10 da manhã, no Curso de Aplicação da Escola Normal Monteiro Lobato, foi inaugurado o retrato do escritor e patrono daquela unidade de ensino. Houve ali também, o ‘batismo’ de várias salas de aula com o nome dos personagens criados por Lobato, na presença de sua esposa dona Purezinha, da filha Ruth Monteiro Lobato e da pintora conterrânea, Georgina de Albuquerque, que também foi homenageada naquela oportunidade. O ponto alto do encerramento da primeira Semana Monteiro Lobato, foi iniciado com grande queima de fogos e depois marcado por um grande desfile, que começou na praça Barão do Rio Branco e percorreu as principais ruas da cidade, chamado de ‘marcha do fogo’, realizado em colaboração com o 5º Batalhão de Comando (BC), atual 5º Batalhão de Polícia Militar do Interior. O desfile foi acompanhado por dezenas de milhares de pessoas que lotaram as esquinas da cidade por onde o desfile passou e que aplaudiram entusiasticamente! Dezenas de bandeiras dos estados brasileiros e de países da América deram à marcha um tom de civismo e uma coloração de patriotismo. Um show pirotécnico iluminou o céu de Taubaté, encerrando a marcha pela cidade as 21 horas. Dona Purezinha, esposa de Lobato, protagonizou a última atividade daquela primeira edição da Semana Monteiro Lobato, presidindo a mesa de autoridade no Salão de Honras, ao lado do ministro Renato de Almeida e de outras autoridades”.

Uma “curiosidade” que mostra a influencia de Lobato e o medo das autoridades desta influencia:  todos os integrantes da Conselho permanente de organizadores da primeira Semana Monteiro Lobato foram fichados pelo DEOPS – policia politica da época e todos os discursos proferidos pelos conferencistas foram recolhidos como evidencia.

 

A IMPORTÂNCIA DA SEMANA MONTEIRO LOBATO

Setenta anos depois podemos verificar o incontestável papel da Semana Monteiro Lobato na preservação da memória do escritor. Celebrar Monteiro Lobato, principalmente nos dias de hoje, é um modo de reconhecimento da amplitude e da intensidade dos muitos temas, assuntos e fatos presentes em suas histórias, que nos permitem a discussão ampla, aberta e, por que não, profunda dos mesmos temas os quais acusam o autor. As polêmicas que o envolvem, tanto pelo conjunto de argumentos e exposições, quanto pela presença de seus livros nas mãos de crianças em pleno século 21, atestam a vitalidade de suas narrativas.

Toda a obra de Lobato é marcada pela criatividade, pela inventividade e criticidade.

A Semana Monteiro Lobato é também uma forma de se combater a tentativa de se ‘cancelar Lobato’ defendida por alguns que não se importam, como bem define o doutor em Literatura da Unesp, professor Thiago Alves Valente, “em queimar um ramo literário em que essa tríade – criatividade, inventividade e criticidade – constitui grande probabilidade de servir a consciências imbuídas de utopias ainda tão caras à sociedade do nosso tempo”.

 

SEMANA MONTEIRO LOBATO 2022

Com o tema “Recortes do Homem Lobato", a edição número 70 da Semana Monteiro Lobato, que vai destacar os outros atributos de Lobato, além de escritor, acontece este ano entre os dia 19 e 24 de abril, no Museu Monteiro Lobato, no Sítio do Pica Pau Amarelo, na cidade de Taubaté.

O evento que tem cunho artístico, cultural e pedagógico, conta com uma programação variada, gratuita e indicada ao público de todas as idades.

Confira a programação completa clicando aqui: (sugestão é inserir uma imagem do cartaz onde o leitor possa ser direcionado ou para a página do evento ou mesmo ampliar o cartaz e ler a programação).

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REFERÊNCIAIS:

https://almanaqueurupes.com.br/index.php/2020/04/15/como-surgiu-a-semana-monteiro-lobato/

> “Na trilha de Lobato entre as Serras” – Osni Lourenço Cruz

As incríveis personagens femininas de Monteiro Lobato

Há uma linha tênue entre a fantasia e a realidade, da qual muitas crianças e adolescentes se valem para lidar com seus anseios e medos, até à fase adulta, quando terão a personalidade fortalecida e meios para enfrentar as dificuldades da vida.

Movimentos feministas, o avanço tecnológico a própria transformação postural da mulher e sua ocupação no mundo são elementos que podem ser alvo de reflexão e adequação desde a infância até a idade adulta.

Até o início do século XX, poucos escritores brasileiros davam espaço diferenciado à mulher na literatura infantil brasileira, onde elas eram sempre retratadas com base na imagem dos clássicos infantis europeus, em que as personagens apareciam descritas como submissas ao protagonismo machista da época, de personalidade frágil e com excessivo cuidado em relação à sua descrição física, com uma insistente exaltação aos traços de sua beleza.

É a partir da obra Reinações de Narizinho, que Monteiro Lobato rompe mais uma importante barreira, ao retirar a mulher da mera condição de figurante ou de no máximo coadjuvante das histórias infantis, para lança-la à condição de protagonista nas histórias passadas no Sítio no Pica-Pau Amarelo.

Na verdade, o Sítio se torna um matriarcado (regime social em que a autoridade é exercida pelas mulheres), que derruba o estereótipo criado em torno da figura feminina, colocando no centro de suas tramas, quatro personagens que refletem toda brasilidade, tanto nas suas características físicas quanto comportamentais: a matriarca da família, Dona Benta, e a sua neta Lúcia; a cozinheira de mão cheia, Tia Nastácia; e a boneca de pano Emília, passam a ser fundamentais no processo de naturalização da cultura nacional, tão defendida por Lobato ao longo de sua vida.

Com essa obra, o escritor expõe mais uma vez toda a sua genialidade irreverente e inquietude, através desse matriarcado que reúne mulheres de personalidades marcantes, com argumentos fortes para se expressarem e redefinirem os seus papeis sociais, numa atrevida ruptura com os velhos modelos literários.

É nesse contexto, que para celebrar o mês reservado às mulheres, nós fazemos um mergulho no universo feminino de Monteiro Lobato, para conhecer um pouco da personalidade de suas principais personagens femininas.

Mesmo Emília não pertencendo ao gênero humano, a boneca carrega fortes traços de uma personalidade feminina que ela própria confessa: estou começando a ser humana”.

Nesse mergulho encontramos todo o feminismo de Monteiro Lobato, que inegavelmente, através do matriarcado estabelecido em Reinações de Narizinho, se mostra um feminista convicto, muito antes do surgimento do movimento de valorização da mulher no Brasil!

O feminismo de Lobato ganha luz pela análise de duas mulheres, estudiosas e historiadoras da literatura infantil: Nelly Novaes Coelho e Vera Maria Tietzmann Silva. É através do olhar de ambas, que percebemos não apenas o alter ego do escritor escondido na essência comportamental da boneca Emília, por exemplo, mas também na defesa de um tipo de mulher e de um modelo familiar diferente do que existia no Brasil, na primeira metade do século XX, época em que Lobato viveu.

Lobato sempre foi considerado um homem a frente de seu tempo, um escritor singular que teve sempre em mente formar crianças sábias e críticas, através de histórias que abordavam temáticas atuais à sua época, numa linguagem clara e acessível aos pequeninos e assíduos leitores.

A seguir vamos conhecer um pouco da personalidade das quatro principais personagens desse matriarcado lobatiano, que até hoje segue influenciando diferentes gerações.

 

NARIZINHO

Lúcia, neta de Dona Benta, é a menina do nariz arrebitado, a personagem mais lírica de Lobato, que demonstra valores como gentileza e respeito em diversas passagens.

Se mostrando bem instruída em muitos aspectos, ela é dona de ações que resultam sempre de longas reflexões e apesar de sua fala sempre rebuscada, obedecendo muitas vezes as determinadas condutas que uma menina da época deveria seguir, ela não esconde a autonomia na fala e nos gestos que se contrapõem as regras sociais daquele tempo.

Narizinho caminha entre os dois meios, como é possível perceber na passagem do casamento da boneca Emília, onde ela demonstra se importar com a tradição do casamento, mas reforça a autonomia da noiva para tomar a decisão final, o que não era de costume naquele período.

 

EMÍLIA

A mais famosa boneca de pano do Brasil, que vive uma metamorfose para a vida humana, é lembrada sempre que o tema abordado é o feminismo, como uma personagem marcante e representativa.

Ela foge totalmente dos padrões e do estereótipo de boneca frágil e delicada. Falante como ninguém, a boneca de pano marcou a infância de diversas gerações, virando um ícone da literatura brasileira e não há qualquer exagero em afirmar que a personagem criada por Monteiro Lobato, é a própria personificação da força, astúcia e do pensamento crítico.

A partir da vivência de novas experiências e aventuras, Emília percebeu que suas velhas ideias já não serviam mais, pois se tornaram tão inúteis quanto um tostão furado” (LOBATO, a chave do tamanho).

A personagem carrega ainda um espírito de curiosidade, sempre em busca de informações e de novas hipóteses que, em suma, busca a construção de um mundo melhor.

Emília alia antagonismos que se complementam em sua ousadia e criticidade. Ela não tem medo de permitir que seu lado mágico, lúdico, poético e louco de brinquedo falante converse com a racionalidade e a sabedoria que adquiriu ao conquistar consciência. Ciência e magia são, para ela, o segredo das grandes descobertas.

 

TIA NASTÁCIA

A melhor amiga de Dona Benta, foi escrava quando jovem e depois de liberta se tornou parte da família, cuidando de Lúcia desde pequena. Criou a boneca de pano mais famosa do país, Emília e também o sábio Visconde de Sabugosa.

Além da sabedoria, ela tem o dom da bondade, até por oposição ao preconceito.

Mesmo responsável pelos afazeres da casa, não é menosprezada em momento algum da obra, ao contrário, é sempre tratada com muito respeito por todos.

Lobato ainda quebra um paradigma para época. Tia Nastácia mesmo sendo empregada e negra, dá opiniões sobre todos os assuntos, xinga as crianças, quando necessário e, além de tudo, é confidente de Dona Benta, o que era raro para a época.

Tia Nastácia é um belo exemplo da raça negra na literatura brasileira. Com jeito simples, muito habilidosa, costuma chamar Dona Benta de sinhá, assim como os negros chamavam seus donos antigamente. Mas no Sítio não havia dono, nem patrão, a relação entre as duas, era de amizade, trocas de receitas e confidências.

Tamanha importância teve Tia Nastácia que ganhou até um livro com seu nome; Histórias de Tia Nastácia”, que começa com a personagem explicando o que é folclore para as crianças e assim segue contando histórias da cultura brasileira e suas lendas.

Mulher forte, Tia Nastácia ganha muito espaço nas histórias e conquista o coração de muitos leitores que, até hoje, têm a doce lembrança dela. Um papel educativo e fundamental na obra, que ganhou espaço, cada vez mais com o desenrolar das histórias.

 

DONA BENTA

Em muitos aspectos a personagem se assemelha e revela uma projeção do próprio Lobato; não apenas pelo nome Benta, feminino de Bento, mas por uma série de coincidências de características, como o fato de terem um lado simples e outro erudito, serem donos de uma propriedade rural e amantes de livros, ambos abertos a todas as áreas do saber e, mais do que isso, que faziam o conhecimento circular partilhando suas descobertas e leituras.

Assim como Lobato, Dona Benta é capaz de enxergar o mundo pelo olhar da criança e no momento de contar histórias aos seus netos ela deixa aflorar a imaginação o faz-de-conta. Ela quebra certas atitudes convencionais da sociedade daquela época, como o fato de ser mulher no contexto em que as obras lobatianas foram publicadas e ser extremamente ativa, independente e forte em suas ações e no seu discurso.

Dona Benta é uma espécie de mulher coragem, uma vez que Monteiro Lobato lhe deu condições para isso, criando, em plena época em que mulheres e negros eram muito mais menosprezados do que hoje, uma personagem de garra, e de sabedoria para administrar, sozinha, seu sítio e ainda quebrar a regra de que lugar de mulher é no fogão”.

Por meio de seu discurso e de suas atitudes, a personagem representa a mulher culta, educada e, além disso, independente, tomando conta do sítio e resolvendo todas as situações-problema.

Se hoje em dia ainda encontramos resistência em admitir que uma mulher pode ser independente, imagine então na época em que Lobato inovou a literatura, colocando a figura da mulher em supremacia.

Dona Benta se afasta bastante do protótipo de dona de casa e em vez de a vermos costurando, cozinhando ou bordando, como era comum naquela época, sempre a encontramos escrevendo cartas, lendo jornais ou livros, ou então, escutando as últimas notícias do país e do exterior, se equiparando às mesmas condições dos homens daquele tempo.

 

Essa é uma síntese da personalidade que encontramos nas principais personagens femininas criadas por Monteiro Lobato.

No Sítio do imaginário lobatiano, encontramos facilmente em livros como Serões de Dona Benta”, Geografia de Dona Benta”, O Sítio do Picapau Amarelo”, só para citar alguns, histórias onde os personagens masculinos são minoria, e não tem tanto destaque, quanto as mulheres do Sítio, ressaltando o matriarcado que citamos, que tem ao centro Dona Benta, Narizinho, Emília e Tia Nastácia.

Com toda a feminilidade de suas naturezas, as personagens do imaginário lobatiano são a representatividade da mulher moderna que vislumbramos hoje; de personalidade forte, de opinião, cultas e independentes também financeiramente, como podemos notar em Dona Benta, que apesar de não ser casada, administra o Sítio cuidando do mesmo com muito afinco e carinho, sem deixar que falte nada.

Uma outra atitude feminista explicitada pelo autor, encontramos no livro O casamento da Emília”, onde Lobato traz uma temática um tanto comum: o casamento. Porém o comportamento da noiva, a boneca Emília, passa bem longe do considerado comum e de servir como exemplo para as noivas daquela época. Isso pelo fato da boneca de pano ser desbocada” e expressar livremente sua insatisfação em relação àquilo que lhe desagrada como, por exemplo, os versos recitados pelo personagem vidro azul e o comportamento de rabicó, seu noivo ao final do casório.

Esse comportamento audacioso raramente era encontrado nas mulheres de antigamente, porque como escolhidas” pelos homens para um casamento conveniente, não tinham voz ativa e precisavam enxergar apenas a qualidade de seus noivos, não devendo expressar abertamente sua insatisfação com eventuais defeitos do mesmo.

Ousadamente, Lobato não subestimou a capacidade da mulher, não a considerou como submissa ao homem, ao contrário, fez questão de mostrar aos homens e mulheres machistas de sua época que a mulher pode ser sim: independente, trabalhadora e culta, superando muitas vezes o próprio homem.

As figuras de Dona Benta, tia Nastácia, da boneca Emília e Narizinho deixam profundas marcas na saga do Sítio do Picapau Amarelo, elas atestam o lado feminista do seu criador.

Nestas quatro personagens femininas, Lobato externou uma maneira inovadora de representar a mulher na literatura infantil.

Um brinde à genialidade ousada do feminista Monteiro Lobato e à todas as mulheres do nosso Brasil!

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Referências Bibliográficas

https://anais.unicentro.br/seped/2010/pdf/resumo_182.pdf
https://diaonline.ig.com.br/2022/03/08/dia-da-mulher-personalidades-de-destaque-na-literatura-https://editorarealize.com.br/editora/anais/enebio/2021/CEGO_TRABALHO_EV139_MD1_SA24_ID550_0303
https://monteirolobato.com/wp-content/uploads/2021/12/2008LisandraPortelaSteffen.pdf
https://editorarealize.com.br/editora/anais/enlije/2016/TRABALHO_EV063_MD1_SA5_ID690_240720162009
http://nastrilhasdaliteratura.blogspot.com/2009/07/monteiro-lobato-um-escritor-feminista.html

12 curiosidades da segunda versão do Sítio do Pica-Pau Amarelo na TV Globo

  1. No Natal de 2001, a pedido dos telespectadores, o programa teve alguns de seus episódios lançados em vídeo e DVD. Também foram colocados no mercado produtos infantis – bonecas, mochilas, cadernos, álbum de figurinhas etc. – com os personagens do Sítio do Picapau Amarelo.
     
  2. Em dezembro de 2001, foi apresentado um especial musical intitulado A Festa da Cuca, que teve a participação de todos os artistas da nova trilha sonora e de atores convidados, como Malu Mader no papel da Cuca.
     
  3. Um dos maiores desafios da nova temporada foi a caracterização da Cuca. Nos anos anteriores, a personagem usava uma fantasia de jacaré. Em 2007, seu visual foi elaborado por meio de maquiagem e figurino, uma tentativa de afastar a personagem de uma atmosfera de teatro infantil, aproximando-a de uma estética mais televisiva. Cuca continuou com sua textura de jacaré, mas ganhou ares de bruxa. Os dentes e as unhas de crocodilo usadas pela personagem foram feitos sob medida para a atriz Solange Couto pela equipe de efeitos especiais, formada por Ricardo Menezes, Glauco César e Cláudio Sampaio.
     
  4. A atriz Jacira Santos, que interpretou a Cuca na segunda versão do Sítio, fez parte do grupo Cem Modos, companhia gaúcha de teatro de bonecos, e foi uma das que vestiram a fantasia da cadela Priscila, estrela do infantil TV Colosso (1993), da Globo. Baiana, nascida no Pelourinho, em Salvador, ela assistia na TV a episódios da primeira versão do programa, quando criança. Tinha 28 anos quando integrou o elenco do infantil.
     
  5. Cininha de Paula, uma das diretoras dessa nova fase do Sítio do Picapau Amarelo, trabalhou como atriz na primeira versão do infantil, como intérprete da personagem Ofélia.
     
  6. Sito do Picapau Amarelo foi adaptado pela primeira vez para a televisão em 1952, na TV Tupi. O programa ficou 11 anos no ar e foi um grande sucesso da emissora. Em 1964, o infantil ganhou uma versão na TV Cultura de São Paulo e, em 1967, outra na TV Bandeirantes.
     
  7. Em 2009, o programa ganhou uma versão animada exibida na véspera do Natal; a nova versão ganhou duas temporadas em 2012 e 2013.
  8. Os cantores Wanessa Camargo e Supla entraram para o elenco principal da temporada e deram vida à Diana Dechamps, líder de uma banda de rock feminino, e Elvis McCartney, um guitarrista, que formavam um casal que enfrentou diversos obstáculos para ficarem juntos.
     
  9. O Visconde Sabugosa começou essa nova versão, parecendo ter mesmo o tamanho de um sabugo de milho. Mas no final de 2002, durante o episódio "Volta ao Reino das Águas Claras", o personagem voltou a ter o tamanho de uma pessoa normal após uma lata de fermento cair em cima dele. Durante os anos de 2001 até 2004, Visconde era interpretado pelo ator Cândido Damm, que nessa versão do Sítio deu um padrão de voz "bem grossa" ao personagem, padrão que seria seguido também pelos outros dois atores que interpretariam o Visconde nas temporadas seguintes, Aramis Trindade em 2005 e 2006, e Kiko Mascarenhas em 2007. A diferença entre a voz dos três atores era que o Visconde de Cândido Damm tinha o sotaque carioca, enquanto o Visconde de Aramis Trindade falava com um forte sotaque paulistano, o terceiro intérprete, Kiko Mascarenhas, também tentou manter o sotaque paulista que Aramis Trindade fazia para o personagem.
     
  10. Uma das coisas da série de 2001, mais diferentes das outras versões do Sítio para a televisão, é que a Tia Nastácia foi vivida por uma atriz mais magra, Dulcilene Moraes (conhecida como Dhu Moraes). Mas, a partir da 3ª temporada, a produção pediu que Dhu Moraes engordasse um pouco, e usasse um pouco de enchimento no vestido, pois a personagem Nastácia era mais conhecida popularmente sendo gorda, tanto em outras adaptações para televisão, quanto nas ilustrações dos livros. Contudo, na temporada 2005 o vestido com enchimento parou de ser usado, só voltando na temporada 2006, mas dessa vez mais bem confeccionado e realista.
     
  11. De 2001 à 2006 (com exceção de 2007) foram confeccionadas três fantasias de Cuca diferentes, que eram manipuladas por Jacira Santos. Na primeira temporada, a intenção era que a aparência da Cuca não ficasse assustadora demais para as crianças. O diretor Marcio Trigo disse que a personagem devia ter uma aparência má e assustadora, mas nem tanto, pois esta versão do Sítio estava mais direcionada ao público infantil; por esse motivo a personagem tinha
     
  12. um visual mais inofensivo, com rosto e cauda de jacaré, e corpo de mulher, com um vestido e capa de bruxa. Mas essa ideia foi mudando com o passar do tempo, e no ano de 2003, a aparência da personagem foi reformulada, dando a ela "cabelos reais" e mais compridos, além de deixá-la mais gorda e com uma personalidade mais cruel. Outra mudança no corpo da personagem ocorreria no ano de 2005, deixando-a menos vaidosa, e mais parecida com a Cuca do folclore. Ela passaria a ser mais perversa e com traços mais aterrorizantes, perdendo o "corpo de humana" e ganhando um "barrigão" listrado de réptil.
     
  13. Uma outra ideia inicial dessa segunda versão, que foi sendo deixada de lado com o tempo, era mostrar algumas vezes objetos e máquinas dos tempos atuais. Para isso, em algumas cenas apareciam Dona Benta tentando convencer Tia Nastácia da utilidade de alguns novos utensílios que ela havia encomendado para sua cozinha, como freezer e microondas. Outro elemento moderno adicionado ao Sítio em 2001 era o fato de Dona Benta ter comprado um computador para a sua biblioteca, para poder se comunicar com sua filha Antonica que mora na cidade. Porém, a série também mostrava Dona Benta meio chateada pelo fato de que após a chegada do computador, Pedrinho só lhe enviava e-mails (quando estava na cidade grande), e não havia lhe escrito mais cartas, que ela dizia apreciar mais ao recebê-las. As modernidades, contudo, não permaneceram muito tempo sendo usadas no Sítio, pois a partir da temporada de 2003 o computador foi deixando de ser usado, até "desaparecer" por completo das histórias. Assim também como o microondas e outros utensílios modernos, que foram sendo abandonados da cozinha de Tia Nastácia. Algumas temporadas depois, a única modernidade que sobrou na cozinha do Sítio foi apenas a geladeira (na versão dos anos 70, uma das poucas máquinas mais "modernas" ou comuns daquela época que já foram usadas no Sítio, foi a televisão, que não aparece nos livros de Lobato).

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FONTES DE PESQUISA:

https://memoriaglobo.globo.com/entretenimento/infantojuvenil/sitio-do-picapau-amarelo-2a-

https://www.wikiwand.com/pt/S%C3%ADtio_do_Picapau_Amarelo_(2001)#/overview

http://paradatemporal.blogspot.com/2017/10/sitio-do-picapau-amarelo-versao-2001.html

Monteiro Lobato: rasgado, queimado, cancelado e imprescindível

Escritor, já muito atacado no passado sob pretexto de veicular ideias evolucionistas e socialistas, tem mais recentemente sido acusado de racismo. Mas simplesmente banir seus textos das salas de aula e espaços de discussão é renunciar a debater uma obra prenhe de criatividade, inventividade e criticidade.

Autor: 

E Lobato continua “causando”…

Com mais de 70 anos já transcorridos desde a morte de seu criador, os personagens infantis de Monteiro Lobato circulam por leituras polêmicas e atuais dentro e fora da escola. Considerado um divisor de águas na produção literária para crianças, Lobato legou à posteridade textos que, em diferentes situações, suscitaram seu intenso reconhecimento tanto por parte do público leitor, quanto da crítica especializada. Da mesma forma, porém, a polêmica se tornou elemento indissociável desse reconhecimento, o que chega, junto com a ininterrupta edição de seus textos infantis, aos leitores de hoje.

Sobre seus livros para crianças, há pouco mais de uma década, em capítulo intitulado “Monteiro Lobato, um clássico para crianças”, respondíamos à questão: O que há de tão atrativo no Sítio do Picapau Amarelo? Ou, em outras palavras, por que Pedrinho, Narizinho e Emília, principalmente Emília, continuam tão presentes no imaginário infantil brasileiro? Ainda de outro modo: como Lobato fez esta mágica que, embora muitas vezes explicada nos mínimos detalhes pelos mais “maduros”, continua encantando os “menos experientes”? Indagações como essas não têm faltado aos pesquisadores e demais leitores especializados ao longo dos anos. Perguntas impossíveis de serem respondidas em um só texto ou mesmo em muitos outros trabalhos que vêm tentando, no mínimo, tangenciar as mil e uma questões instauradas pela obra de Lobato.

Um escritor publicista

As contradições vão se acirrando ao longo do texto lobatiano, que, ao contrário de seus pares, não se limita a reproduzir, em forma de antologia asséptica, as histórias que Tia Nastácia conta. Lobato reproduz a história encenando a situação de narração e recepção, pondo, pois, em confronto o mundo da cultura negra do qual, no caso, Tia Nastácia é legítima porta-voz, e o mundo da modernidade branca, à qual dão voz tanto as crianças como a própria Dona Benta, também ela ouvinte de Tia Nastácia e também ela insatisfeita com as histórias que ouve (…).

A partir dos anos 1980, foram consolidados estudos sistemáticos sobre a literatura infantil e juvenil brasileira. Nesse contexto, a figura de Lobato se mostra central, trazendo como foco desses trabalhos a discussão de aspectos temáticos relevantes, como aponta Marisa Lajolo em artigo de 1988, “A figura do negro em Monteiro Lobato”, ao abordar Histórias de Tia Nastácia:

Um artigo como esse mostra, ao leitor de hoje, que os estudos sistemáticos sobre a obra de Monteiro Lobato têm sido realizados de forma séria, sem ceder a simples opiniões ou questão de gosto. Por isso mesmo, muitos temas que ocupam o centro de polêmicas em diferentes ambientes sociais ou veículos de comunicação nunca foram desconhecidos daqueles que estudam a obra do escritor.

Assim, em texto mais recente, intitulado “Provocações à longeva Botocúndia: Monteiro Lobato e Urupês”, de 2018, publicado em número da revista Leitura em revista em que se comemorava uma efeméride literária – 70 anos sem Lobato, destacávamos a verve crítica lobatiana. Lembramos, então, que isso foi  um dos aspectos que chamou a atenção de José Guilherme Merquior ao atribuir a Lobato a identidade de “publicista” – “um escritor que discute problemas de interesse público, de interesse coletivo”. Acrescenta o autor, ainda, que é esse o perfil que poderíamos relacionar a certo tipo de jornalismo engajado que “não só discute temas de evidente interesse coletivo como o faz dentro de uma linguagem que sistematicamente aspira a uma comunicação com o grande público”.   

Amante de boas brigas

A exposição decorrente desta atividade, na qual Lobato via oportunidade para divulgar seus livros, levaria a uma visibilidade cotidiana ou mesmo à imagem pública de alguém que se colocava disponível ao debate, à discussão, à divergência. A partir dos jornais de sua época, Lobato lançaria questionamentos e reflexões contundentes, provocativas, na expectativa de influenciar ações em seu contexto social. Como aponta Sueli Cassal, o envolvimento de Lobato com grandes causas era movido por um desejo utópico de uma nação desenvolvida, muita próxima da situação econômica dos Estados Unidos, o que seria possível mediante a valorização do conhecimento científico.

“Não deixaria por menos uma boa briga”, poderia ser uma expressão para definir Lobato. “Boas brigas” foram as campanhas por necessidades básicas dos brasileiros, como a do saneamento, de 1918, em que acompanhou médicos sanitaristas, colocando-se a serviço da denúncia em uma séria de matérias sobre moléstias (verminoses, na maioria) que atingiam a população paulista de modo vergonhoso. Seu empenho como adido comercial nos anos 1930, para dar ferro ao Brasil, isto é, para incentivar a produção nacional, bem como sua ação tanto como publicista quanto empresário para desenvolver a exploração do petróleo, se refletiam em artigos e livros. A obra infantil não deixaria, evidentemente, de refletir essas experiências, algumas posteriores, outras concomitantes a atividades de editor, empresário, publicista.

O leitor infantil surge, então, como um destinatário de suas expectativas – aliás, como em todo texto, na obra infantil é evidente que se projeta uma ideia de leitor. Um suposto leitor neutro, raso, manipulável não estava na mira dos livros de Lobato. Ao não subestimar seu destinatário criança, o escritor convidava esse leitor infantil a pensar o mundo ao seu redor por meio de um trabalho inventivo e consciente com o texto literário. Os rompantes de contrariedade de diferentes grupos em diferentes momentos iriam atestar, ainda que de modo inusitado, a relevância daquele labor literário ao longo do tempo e das gerações.

Darwinismo e socialismo

Nos anos 1950, uma obra, em particular, se tornaria paradigmática desse tipo de abordagem polêmica e acusatória, realizando uma interpretação bibliográfica de Lobato cujo título encerra, por si só, um entendimento notoriamente avesso para com as lutas por ele travadas no campo econômico: A literatura infantil de Monteiro Lobato ou Comunismo para Crianças, do Padre Sales Brasil.

O autor projeta sobre a obra infantil temas que, de longe, estariam no centro da proposta lobatiana de formação de leitores, como é o caso da ausência de conteúdos religiosos propensos a reafirmar a identidade católica brasileira. Mais do que as ausências, o autor do estudo busca pistas em livros como A chave do tamanho, de 1942, sobre ideologias danosas à moral das crianças. É dessa forma que entende a miniaturização dos personagens como a extinção de classes sociais, isto é, em A chave do tamanho haveria uma propaganda dos benefícios de uma sociedade comunista: “é o seguinte: quando todos os homens chegarem ao mesmo tamanho (nivelamento das classes sociais), então não haverá sobre a terra nem injustiça nem certos preconceitos”.

 

Ao lembrarmos do texto do padre Sales Brasil, percebemos que a fantasia, a inteligência e a criticidade são ignoradas como excepcionais qualidades da obra de Lobato e rebaixadas segundo uma inegável visão obscurantista.  Em outro trecho, outra denúncia: “Trata-se, evidentemente, da luta pela vida, segundo Darwin, aplicada ao campo sociológico pela teoria da seleção natural, de Spencer, ambas aproveitadas pela filosofia marxista-leninista e feitas balinhas de doce na literatura infantil de Monteiro Lobato”.

Aos olhos de hoje, a obra do padre Sales Brasil pode parecer um brandir de armas desnecessário, exagerado, até mesmo risível para muitos. Entretanto, a fórmula do “cancelamento” dos anos 1950 mostra-se ainda presente nas primeiras décadas do século 21, agora reportando-se à questão do racismo, que é pauta fundamental e premente, mas que tem sido associada a Lobato, na maioria das vezes, de forma ligeira, rasa, equivocada.

No centro dos debates, tivemos o conto “Negrinha” e a obra Caçadas de Pedrinho, a partir de 2010, como objeto de representação junto ao Conselho Nacional de Educação (CNE) e, também, à Controladoria Geral da União (CGU). O questionamento se debruçava sobre expressões que atentariam contra um item do edital do Programa Nacional Biblioteca na Escola (PNBE), qual seja, a presença de estereótipos ou discriminação nas obras adquiridas pelo programa.

Entre propostas de inserção de notas de rodapé ou mesmo refacção das narrativas, a intensidade dos debates atestou a complexidade do tema, convidando aqueles dedicados aos estudos sobre a obra lobatiana a se manifestarem. Como comentou Marisa Lajolo – em manifestação pública por meio de um artigo intitulado “Quem paga a música escolhe a dança?”, de 2010 – vivenciar debates sobre a literatura e a formação dos leitores na escola equivalia a um reconhecimento público sobre o assunto, bem como da própria obra: “Caçadas de Pedrinho, de Monteiro Lobato, está em pauta e é bom que esteja, pois é um livro maravilhoso”.

Acusações de racismo e debate

O debate, porém, nem sempre tem se dado em campos mais profícuos de ideias, conceitos e ideologias. Ao avocar os escritos lobatianos em artigo publicado na Folha de S. Paulo, em janeiro de 2021, Marcelo Coelho defendeu que “Pode ser chato saber disso, mas Monteiro Lobato era de um racismo delirante”, reeditando aspectos que há muito deveriam ter sido superados frente à qualidade dos debates em torno da obra lobatiana em curso já há mais de uma década, como a busca de “provas” descontextualizadas do pressuposto racismo de Lobato, não apenas em sua obra mas no interior de sua correspondência pessoal.

 Felizmente, a réplica não tardou, pois outra pesquisadora de Lobato, Ana Lúcia Brandão, veio a público em defesa do escritor, no mesmo jornal e em data muito próxima, com o artigo “ ‘Racismo delirante’ é tratamento grotesco, Monteiro Lobato merece respeito”. Entre muitos apontamentos, lembra seus leitores de que “Levar ao pé da letra palavras ou frases de uma mensagem pessoal entre amigos, para classificar um deles como “racista” revela uma enorme incompreensão do que significa a crítica literária”.

De alma lavada, o leitor lobatiano pode seguir de braços dados com Lobato. Entretanto, não se trata de vencer uma discussão ou ganhar o pódio da verdade. Como obra literária, os escritos de Lobato comportam questionamentos, dúvidas, discordâncias. Em evento acadêmico recente, em que discutíamos a obra do escritor, chamou nossa atenção uma fala de um aluno de graduação, cujo apontamento sustentava-se por meio da ideia de que Monteiro Lobato não o representava como cidadão, sujeito, pessoa imbuída e reconhecida como portadora de direitos fundamentais.

 

Caçadas de Pedrinho, de 1939, uma das obras no centro do debate sobre racismo

É importante esclarecer que nenhuma das ponderações desse estudante pode ser considerada irrelevante para a discussão, assim como é possível compreender o tom de agressividade de suas primeiras manifestações, face ao momento em que se dá o eternamente adiado debate sobre o racismo no Brasil. Nem ainda poderíamos discordar de que não só de Lobato se formam leitores!

O que parece um “problema” ou algo a se lamentar, porém, é o fechamento do interlocutor a textos cujas ideias continuam a contribuir para a formação inequívoca de leitores críticos mais autônomos e audaciosos em suas incursões pelo mundo da literatura. A conversa que travamos com aquele aluno, portanto, não mirava uma desqualificação de seu discurso ou certo menosprezo da intelectualidade por um suposto modismo ideológico. Ao contrário do que se poderia supor, as questões às quais nosso interlocutor se apegava com pertinência e propriedade, são essas mesmas questões que convidam à leitura da obra lobatiana, reitere-se.

É neste ponto que encerramos nosso convite irrestrito à leitura da obra infantil de Lobato. As polêmicas atestam, tanto pelo conjunto de argumentos e exposições, quanto pela presença de seus livros nas mãos de crianças do século 21, a vitalidade de suas narrativas. Presença que deve ser lembrada, sobretudo, agora que a obra do autor se encontra em domínio público e surgem inúmeras edições em papel e digitais de seus textos. O reconhecimento da amplitude e da intensidade de muitos temas, assuntos ou fatos presentes em suas histórias permite a discussão também ampla, aberta e, por que não, profunda desses temas, dos mais aos menos polêmicos. Se há, portanto, uma posição a assumir, ela se configura na busca por preservar a leitura de obras marcadas pela criatividade, inventividade e criticidade.

Cancelar Lobato, portanto, é queimar um ramo literário em que aquela tríade – criatividade, inventividade e criticidade – constitui grande probabilidade de servir a consciências imbuídas de utopias ainda tão caras à sociedade de nosso tempo.

Imagens acima: reprodução.

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Créditos: https://jornal.unesp.br/2022/02/25/monteiro-lobato-rasgado-queimado-cancelado-e-imprescindivel/

Em defesa do Brasil, Lobato é preso por criticar Getúlio Vargas e o Estado Novo

Além de brilhante escritor, Monteiro Lobato foi um nacionalista convicto que ao longo de sua vida defendeu a importância do Brasil se estruturar para explorar o petróleo disponível em terras nacionais, evitando que empresas estrangeiras usufruíssem do bem que é nosso.

O fato de defender livremente suas ideias, acabou levando Lobato à prisão no começo da década de 1940.

Insatisfeito com as políticas públicas direcionadas ao setor petrolífero, no dia 24 de maio de 1940, em plena Ditadura do Estado Novo, o escritor enviou cartas ao então presidente Getúlio Vargas e ao general Góes Monteiro, chefe do Estado-Maior do Exército.

Nessas cartas, Lobato criticava os rumos que a política do governo havia adotado em relação a exploração do petróleo nacional, acusando o Conselho Nacional de Petróleo de retardar deliberadamente a criação da indústria petrolífera nacional além de perseguir as indústrias nacionais já instaladas no Brasil.

Getúlio tomou as palavras de Lobato como injuriosas e assim um processo contra o escritor foi instalado.

Era madrugada do dia 27 de janeiro de 1941, quando Monteiro Lobato foi arrancado de sua casa por agentes policiais e levado para a sede do DEOPS em São Paulo. Após ser qualificado, o escritor foi transferido para a Casa de Detenção.

Mais tarde, naquele mesmo dia 27, a Superintendência de Segurança Política e Social de São Paulo realizou uma busca e apreensão de documentos no prédio da Rua Felipe de Oliveira, 21, 9º andar, sala 4, onde ficava o escritório de Monteiro Lobato.

Entre os documentos encontrados estava a cópia da carta que o escritor havia remetido ao Presidente da República e ao general Góes Monteiro, que para o delegado Rui Tavares Monteiro, da Superintendência de Segurança Política e Social de São Paulo, já eram subsídio suficientes para concluir o inquérito policial declarar Lobato, culpado do crime de injúria contra o então Presidente da República, em 1º de fevereiro de 1941.

Monteiro Lobato permaneceu preso na Casa de Detenção de São Paulo por quatro dias. Incomunicável, sem o direito de receber visitas, de conversar com outros detentos e de tomar banho se sol. No dia 28, Lobato recebe um pacote enviado por sua esposa, Purezinha, com roupas de baixo, aspirinas e produtos para sua higiene pessoal. Ele põe tudo de lado, desamassa o papel do embrulho e escreve ali uma carta a sua esposa.

“Purezinha, só contarei o que é a vida em prisão. É a gente sozinho com os pensamentos, nunca o pensamento trabalha tanto. Mas de tanto trabalhar acaba girando num círculo. Meu dever era só cuidar de tua felicidade, Purezinha, e no entanto passei a vida a te contrariar e a fazer asneiras que tanto nos estragaram a vida.”[…..] Estou preso há quase 3 dias e já me parecem 3 séculos. As horas tem 60.000 minutos. As noites não tem fim. Sou obrigado a não fazer nada. Não há o que ler – nem jornais. E a incomunicabilidade em que estou agrava tudo, porque me isola completamente do mundo exterior. Não posso falar com ninguém nem comunicar-me com ninguém.”*

Purezinha e Ruth, filha mais nova de Lobato, conseguiram visitar o escritor apenas no dia 30, num encontro que foi monitorado pelo chefe dos investigadores, Heráclito Arantes Correa, que registrou toda a conversa por escrito.

No meio da tarde, neste mesmo dia, Lobato foi conduzido novamente a sede do DEOPS onde foi interrogado e confirmou tudo que havia escrito ao Presidente da República, e ao General Goes Monteiro na qual, entre outras coisas, acusava o Conselho Nacional de Petróleo de retardar a criação da grande estrutura petrolífera nacional e de perseguir sistematicamente as empresas nacionais. O escritor reiterou ainda, a acusação de que o Conselho Nacional de Petróleo agia única e exclusivamente no interesse do truste Standard Royal Dutch, confirmando todo o teor da carta em questão, esclarecendo que suas afirmações ali se encontravam plenamente justificadas pelos fatos apresentados. Lobato também explicou que escreveu ao General Góes Monteiro uma outra carta onde tachava o Presidente da República de displicente, porque o mesmo não tomava, em relação ao petróleo, as medidas reclamadas por ele, em defesa dos interesses nacionais.

Perguntado se estava convencido “de que o Conselho não passava dum ingênuo instrumento do imperialismo da Standard”, Lobato respondeu que sim, esta era a sua convicção.

O inquérito contra Lobato foi concluído no dia seguinte, dia 1º de fevereiro de 1941 e remetido ao Procurador Gilberto Goulart de Andrade, do Tribunal de Segurança Nacional, no Rio de Janeiro, onde tramitou até o dia 18 de março daquele ano, quando o procurador do caso pediu a prisão preventiva de Monteiro Lobato, por entender que o pedido de passaporte para a Argentina feito pelo escritor, deixava clara a possibilidade de fuga do mesmo.

Uma nova prisão, dessa vez sob a alegação preventiva, aconteceu no dia 20 de março, quando Lobato foi recolhido à Casa de Detenção de São Paulo, mas antes teve o direito de fazer um telefonema à sua esposa. Desta vez Lobato está preparado e encara o período com serenidade. Mantém um diário onde relata as visitas recebidas. Logo nos primeiros dias, Purezinha, com a filha Ruth e a neta Joyce vão visita-lo e levam sua máquina de escrever portátil e papel.

Lobato trabalhou furiosamente, transformando o cárcere em escritório. Recebe visitas, escreve dezenas de cartas, denuncia as condições carcerárias do presídio e as torturas ali praticadas contra os presos políticos. De acordo com sua neta Joyce, o escritor ensina os presos a ler, além de dar aulas diárias de historia e de “conhecimento gerais” durante a sua permanência na prisão.

Os advogados de Monteiro Lobato, Hilário Freire e Waldemar Medrado Dias, para sua defesa apresentaram vários argumentos jurídicos em favor de sua absolvição, além de demonstrarem as enormes contribuições do escritor ao País, defendendo que não houve crime de injúria, visto que o teor das cartas não havia sido divulgado. A principal estratégia da defesa foi traçar um paralelo do grande escritor com as maiores personalidades literárias mundiais, culminando por considerá-lo como homem público, de letras e um patriota, que inclusive havia feito uma expressiva dedicatória em seu livro ‘O Escândalo do Petróleo’, com quatro edições esgotadas à época, às Forças Armadas brasileiras.

O julgamento do escritor aconteceu no dia 8 de abril de 1941, no Tribunal de Segurança Nacional, onde Lobato foi inocentado, tendo reconhecido o livre exercício do direito de crítica, dadas as relações de amizade entre o autor e o destinatário, o caráter sigiloso da carta e a ausência dos elementos materiais e morais do crime de injúria. Mas o veredito é apelado imediatamente e Lobato volta a prisão, e o Tribunal Pleno, reforma a sentença absolutória por unanimidade de votos,  e condena José Bento Monteiro Lobato à pena de seis meses de prisão.

Monteiro Lobato não se abateu, continuou a escrever cartas e a denunciar as péssimas condições da prisão.  Distribuía tudo o que lhe era enviado entre os presos e fez inúmeras amizades. O escritor descobre que pode usar a máquina de propaganda do Estado Novo em beneficio próprio e reacende a polêmica do Petróleo. Em uma das cartas à Geraldo Serra, escreve: “A quem perguntar pela minha ilustra pessoa – diga que estou ótimo, satisfeitíssimo, na sala livre, com um belo jardim para  passear à vontade e com ótimos companheiros.”  Em outra, ele chega a afirmar: “Estou como queria, colhendo o que plantei. A causa do petróleo ganha muito mais com a minha detenção do que com o comodismo palrador aí do escritório.”

Os amigos de Lobato se organizam e crescem as manifestações de apoio após a condenação, tanto de conhecidos quanto de pessoas anônimas. De dentro da prisão Lobato se transforma em porta-voz dos outros presos e escreve constantemente aos amigos pedindo emprego para alguém que está sendo solto e revisão de processo e soltura daqueles que já haviam cumprido a pena. Lobato fez grandes amizades durante os meses que permaneceu preso e recebeu presentes, cartas e visitas dos presos durante varios anos.

Do lado de fora amigos se movimentam, redigem abaixo assinados, falam com autoridades e finalmente apelam a Getulio Vargas. Até que após três meses de prisão, Getulio concede o indulto a Lobato. Ele é solto no dia  20 de junho de 1941 mas os jornais são proibidos de noticiar o fato e Getulio impõe censura total a Lobato, impedindo-o de dar entrevistas até Marco de 1945.

Mas a perseguição não parou por aí e Monteiro Lobato, que recusou convites para participar tanto do governo como do Partido Comunista, foi alvo de outras perseguições policiais, revelando a face autoritária deste período da nossa história. Seu livro Peter Pan, para crianças, foi tido como subversivo e apreendido por incitar os infantes a “doutrinas exóticas”, “práticas deformadoras do caráter”, pois ‘predispunham as crianças a doutrinas perigosas e a práticas deformadoras do caráter’.

Mesmo após a saída de Vargas, durante o governo do general Dutra, o escritor foi alvo da repressão política, tendo outro de seus livros, o Zé Brasil, apreendido pela polícia. Sobre este fato, numa entrevista dada ao jornal Folha da Noite, em 5 de fevereiro de 1948 Monteiro Lobato disse que era a própria Constituição quem lhe garantia o direito de “escrever histórias”.

O escritor morreu 5 meses após essa entrevista, sem saber quantas vezes esses fatos ainda se repetiriam, mesmo que Constituições afirmassem o direito ao pluralismo político e a livre expressão do pensamento.

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Referências bibliográficas:

https://www.causaoperaria.org.br/artigo/ha-80-anos-monteiro-lobato-era-preso-por-criticar-o-estado-novo/

http://oextra.net/434/ha-75-anos-monteiro-lobato-era-preso-pela-ditadura-vargas

https://paginacinco.blogosfera.uol.com.br/2019/05/31/monteiro-lobato-prisao-cadeia-vargas/

https://www.publishnews.com.br/materias/2019/05/24/a-prisao-de-monteiro-lobato

http://www.usp.br/proin/inventario/destaques.php?idDestaque=5

https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/reportagem/em-1941-monteiro-lobato-foi-preso-por-criticar-o-estado-novo.phtml

https://www.oabsp.org.br/sobre-oabsp/grandes-causas/a-prisao-de-monteiro-lobato

Carta de Lobato – Furacao na Botucundia, paginas 293-310

Um elenco recheado de estrelas e de novos talentos na segunda versão do Sítio na TV Globo

 

Emília, Narizinho, Pedrinho, Dona Benta, tia Nastácia, Visconde de Sabugosa, Saci e até a assustadora Cuca. Esses e muitos outros personagens que fazem parte do imaginário infantil de gerações que se encantaram com a magia do Sítio do Pica-Pau Amarelo.

 

Exatamente no dia 12 de outubro de 2001 estreava na TV Globo, a segunda versão do programa infantil, baseado na obra de Monteiro Lobato, produzido pela emissora.

 

Grandes nomes tiveram a oportunidade de emprestar seus talentos para dar vida aos personagens do imaginário Lobatiano nessa segunda versão do Sítio na Globo. Novos talentos surgiram a partir do programa, bem como algumas estrelas fizeram participações especiais ao longo das sete temporadas dessa versão iniciada em 2001.

 

Confira algumas das estrelas que participaram dessa segunda versão Global e ajudaram a fazer do Sítio do Pica-Pau Amarelo, um dos programas infantis mais importantes e premiados da televisão brasileira:

 

  • Dona Benta: Nicette Bruno (2001-2004); Suely Franco (2005-2006) e Bete Mendes (2007)

  • Tia Nastácia: Dhu Moraes (2001-2006); e Rosa Marya Colin (2007)

  • Narizinho: Lara Rodrigues (2001-2003); Caroline Molinari (2004-2005); Amanda Diniz (2006); e Raquel de Queiroz (2007)

  • Pedrinho: César Cardareiro (2001-2003); João Vitor da Silva (2004-2005); Rodolfo Valente (2006); e Vitor Mayer (2007)

  • Emília: Isabelle Drummond (2001-2006); e Tatyane Goulart (2007)

  • Visconde de Sabugosa: Cândido Damm (2001-2004); Aramis Trindade (2005-2006) e Kiko Mascarenhas (2007)

  • Saci Pererê: Izak Dahora (2001-2006); e Fabrício Boliveira (2007)

  • Cuca: Jacira Santos (2001 a 2006); e Solange Couto (2007)

 

O elenco inicial da nova versão era formado por Nicette Bruno (Dona Benta), Dhu Moraes (Tia Nastácia), João Acaiabe (Tio Barnabé), César Cardadeiro (Pedrinho), Lara Rodrigues (Narizinho), Isabelle Drummond (Emília), Cândido Damm (Visconde de Sabugosa), Izak Dahora (Saci), Jacira Santos (Cuca), Aline Mendonça (Marquês de Rabicó), Zé Clayton (Burro Falante) e Sidnei Beckencamp (Quindim). O programa contava com ainda com a participação especial de Ary Fontoura (Coronel Teodorico).

 

Em setembro de 2002, novos atores integraram o elenco das novas aventuras da turma do Sítio do Picapau Amarelo, como Antonio Calloni, Elizabeth Savala, Henrique Ramiro e Zezé Polessa. Além disso, o programa recebia convidados, entre eles os atores Ney Latorraca, Fernanda Rodrigues, Leonardo Brício, Lilia Cabral, Maria Luisa Mendonça, Rodrigo Faro, Samara Felippo, Susana Werner, Márcio Kieling e Bussunda, que interpretou na trama o gênio da lâmpada de Aladin.

 

Chico Anysio, Ary Fontoura, Humberto Carrão, Eri Johnson, Nelson Xavier e Agildo Ribeiro também participaram da segunda versão do ‘Sítio do Picapau Amarelo’ na TV Globo.

 

Um dos nomes que estreou na segunda versão do “Sítio” foi o do ator Paulo Gustavo, que em 2007 interpretou Lupicíneo, um delegado que vivia atrás de um lobisomem, sem saber que ele próprio era o monstro.

AS MULHERES DA VIDA DE LOBATO

Por Cleo Monteiro Lobato

“A mulher não é inferior nem superior ao homem. É diferente. No dia em que compreendemos isso a fundo, muitos mal-entendidos desaparecerão da face da Terra.”

Esse pensamento reforça a tese de que o escritor Monteiro Lobato era de fato um homem muito à frente do seu tempo. Nascido em 1882, na cidade de Taubaté, no interior de São Paulo, José Bento ou simplesmente ‘Monteiro Lobato’, era um visionário que valorizava a observação cuidadosa do ambiente que o rodeava, fruto da influência das teorias cientificistas do início do século XX e que tinha plena consciência do seu papel social. Em comemoração ao dia internacional da mulher, vamos conhecer um pouco das mulheres que fizeram parte da vida de Lobato, que conviveram com o escritor: Anacleta do Amor Divino, avó materna; Olympia Augusta Monteiro, mãe de Lobato; Purezinha Monteiro Lobato, sua esposa; Martha Lobato Campos, filha mais velha; Ruth Monteiro Lobato, filha mais nova; e Joyce Campos Kornbluh, neta do escritor. Todas conheceram e conviveram com Lobato e apesar de nascidas numa sociedade extremamente patriarcal, sempre foram muito fortes, de opiniões marcantes e principalmente extremamente apaixonadas pela vida. As memorias a seguir me foram contadas em parte pela minha mãe, Joyce nesses últimos anos que venho me esforçando para colher o máximo das memórias da minha mãe sobre Lobato a minha familia.

Anacleta do Amor Divino

Mamãe sempre me contou que a avó materna de Lobato foi uma figura importante na história do escritor.  Ela não foi casada com o avô de Lobato, José Francisco, que mais tarde se tornaria o Visconde de Tremembé e era na verdade sua amante, num romance iniciado quando ele tinha 20 anos de idade. Juntos tiveram três filhos: a mãe de Lobato e mais dois irmãos.

Apesar de não ser casado com Anacleta, o Visconde reconheceu seus três filhos, garantiu a educação de todos e os fez herdeiros, sem se importar com as o falatório alheio ou as convenções da época.
Por não ser a esposa oficial do Visconde, Anacleta não pode estar presente no nascimento do seu primeiro neto, Juca (apelido familiar de Lobato), porque o Visconde já havia se casado com Maria Belmira de França Monteiro, que se tornou a Viscondessa de Tremembé. Mesmo assim, Anacleta manteve uma relação intensa e amorosa com a filha e com seu neto, trocando cartas regularmente e o vendo sempre que possível.
Apesar de todo o preconceito sofrido, ela foi professora, dando aulas particulares de primeiras letras em sua própria casa. A relação entre Anacleta, Olympia e seu neto Juca sempre foi muito amorosa e forte até ela falecer em 1906, quando Monteiro Lobato tinha 24 anos.

Por um daqueles absurdos que marcaram a nossa história, Anacleta não pode ser enterrada no cemitério oficial de Taubaté, pelo simples fato de ser mãe solteira e as regras da igreja não o permitirem na época. 
Mamãe sempre se refere a Anacleta como a mais forte da linhagem feminina que conviveu com o escritor, pois conseguiu viver de modo independente, constituiu carreira, juntou posses, manteve relacionamento com seus filhos e netos, além de ver seus filhos legitimados e seus três netos como herdeiros do Visconde de Tremembé. Sem dúvida, uma mulher formidável para o seu tempo.

Olympia Augusto Monteiro

Filha de Anacleta com o Visconde de Tremembé, Olympia nasceu em Taubaté, em 1856 e casou-se com José Bento Marcondes Lobato. Mamãe conta que a mãe de Monteiro Lobato, era extremamente amorosa, paciente e doce. Ensinou o filho e suas duas irmãs a ler cedo e manteve longa correspondência com seu filho, pois Olympia logo ficou doente de tuberculose e passou longos períodos convalescendo.  Olympia tocava piano e também tinha propriedades próprias.

Em cartas amorosas escritas à sua mãe, Lobato relata o período em que foi morar e estudar na capital paulista, com apenas 14 anos de idade, correspondência esta que mantiveram assiduamente até ela falecer ainda jovem, aos 40 anos, vítima de tuberculose em 22 de junho de 1899.

Menos independente, mais adequada às normas sociais da sua época, de saude frágil, Olympia cumpriu o propósito de produzir e criar um herdeiro para seu pai, o Visconde de acordo com a visão de minha mãe, Joyce.

Judith Monteiro Lobato

Mamãe sempre se refere a Judith, a irmã mais nova de Lobato, nascida em 1884, com admiração.  Ela era aventureira, apaixonada, sonhadora, romântica e muito bonita. Tanto Judith quanto Esther estudaram num colégio interno de freiras em Taubaté onde aprontavam terrivelmente e só não foram expulsas por que o Visconde pagava extra cada vez que as irmãs aprontavam.

Mamãe conta que Judith era muito namoradeira e sempre ficava na janela flertando. Certa vez se apaixonou por um estudante (ou seminarista, mamãe não tem certeza) que passava duas vezes por dia debaixo de sua janela. Importante frisar que namoro naquela época, era sempre da janela com olhares e bilhetinhos. Foi uma paixão intensa e proibida e logo o rapaz a convidou para fugirem juntos para bem longe de Taubaté a fim de viverem plenamente o amor. Mas os apaixonados decidiram fazer um pacto e morrer juntos para desfrutar daquele amor impossível em outro mundo, sem empecilhos. Mamãe conta que chegaram a acertar data e horário, mas no dia marcado, Judith perdeu a hora e não cumpriu com o combinado. Ela ainda foi até a casa do rapaz para tentar impedir o ato, mas não conseguiu chegar a tempo e ele de fato se matou. 

O Visconde teve de esconder Judith por um bom tempo, chegou a arranjar um casamento com um amigo seu, mais velho do que ela chamado Luis Cursino. Dessa união nasceram dois filhos que ela amava cuidar dos cachinhos e sempre os vestia como príncipes, com golinhas de renda.  Mas nem o casamento ou os filhos impediram Judith de viver uma vida cheia de ‘emoções’. Quando o marido estava na cidade e Judith na fazenda, ela conheceu um caixeiro viajante e abandonou seu esposo e seus dois filhos para fugir para a cidade de Santos. Com esse caixeiro teve mais um filho, Faustinho, que mamãe conheceu e com quem brincou.

Judith montou uma pensão em Santos e vivia de alugar quartos e fazer marmitas. Aparecia ocasionalmente. Certa vez, apareceu na casa de minha avó Martha (sua cunhada), pedindo dinheiro para pagar uma conta de luz com urgência. Martha emprestou o dinheiro e Judith saiu às pressas, voltando meia hora depois com um buquê de rosas lindo (mamãe se lembra do buquê) que deu de presente à Martha numa demonstração de gratidão pela ajuda recebida. Quanto a conta? Judith disse que não pagou e que se viraria depois.

Assim era Judith, mulher romântica e sonhadora, de acordo com as memórias de minha mãe. Apesar do caso do pacto de suicídio não ser confirmado, o restante desta narrativa é verídico, inclusive o fato de seu primeiro marido Luís Cursino ter ficado com toda a herança que o Visconde havia deixado para ela. Judith morreu muito pobre em Santos e ninguém da familia sabe onde fo enterrada.

Esther Monteiro Lobato de Moraes

Nascida em 1886, na cidade de Taubaté, Esther, ou Teca como todos a conheciam, era a irmã do meio de Monteiro Lobato. Mamãe a descreve como uma mulher durona, de raros sorrisos, que viveu de modo independente, costurando e cozinhando para fora, quitutes e doces que fizeram a sua fama de cozinheira de mão cheia. Era auto suficiente e feminista já naqueles tempos. A matriarca do seu ramo da familia.

Teca se recusou a casar com todos os pretendentes escolhidos pelo Visconde e só se casou com um amigo de Lobato chamado Heitor de Moraes, que era poeta e jornalista em Santos. Entretanto, logo as diferenças entre os dois afloraram. Esther era uma mulher prática, enquanto Heitor era um sonhador que adorava frequentar os saraus literários da época, mas que sofria de depressão. Apesar disso, dessa união nasceu, em 1912, Gulnara de Moraes única filha do casal.

De acordo com mamãe o casal vivia muito acima de suas posses e gastaram toda a herança recebida por Teca, do Visconde. Sem recursos, ela recorreu a Lobato em busca de um emprego para o marido que começou a trabalhar como diretor de em cartório em São Paulo. A família se mudou para a capital paulista, mas Heitor não se adaptou com a nova vida longe dos amigos, das noitadas e sem tempo para escrever seus poemas. O relacionamento do casal piorou e a depressão de Heitor se agravou, até que em 1936 depois de uma briga terrível ele se suicidou com um tiro no peito.

Teca jamais se casou novamente. Passou a viver para sua filha Gulnara (que tambem ficara viuva de Edgard muito cedo) e seu neto Rodrigo. As duas se mudaram para Tremembé e Teca passou a sustentar a todos costurando fantasias de carnaval incríveis para uma clientela da alta sociedade e essas criações extraordinárias de vestidos diferentes e criativos lhe garantiam uma boa renda.
De acordo com mamãe, Teca foi responsável pelo namoro e casamento de sua filha Gulnara com Edgar, seu sobrinho, filho de Lobato. Tudo aconteceu porque logo depois de combater na Revolução de ’30 ou ’32, Edgard contraiu tuberculose e como a família inteira estava nos EUA por conta do trabalhou de Monteiro Lobato como adido comercial, Teca o acolheu e colocou sua filha Gulnara para tratar dele. Daí nasceu o namoro que logo virou casamento, mesmo a contragosto de Purezinha, mãe de Edgard.

Teca foi responsável por uma das melhores memórias de infância da minha mãe. Naquele tempo não era costume dar presente de aniversario, mas mamãe se lembra do melhor presente que ela ganhou na vida. Foi um cachorro deitado, feito inteiramente de fios de ovos por Tia Teca. 

Maria da Pureza Gouveia Natividade

Purezinha (nome que assinava em sua correspondência), esposa de Lobato, foi uma das mulheres mais fortes e marcantes da família com enorme influência sobre seu marido.
Nascida em 1885, de uma família tradicional de educadores homens, a professora Maria da Pureza de Gouvêa Natividade, era filha de Francisco Marcondes Gouvêa Natividade, professor em um curso Anexo à Faculdade de Direito em São Paulo e neta do famoso Dr. Antonio Quirino Souza, professor em Taubaté, que inclusive foi mestre de Monteiro Lobato.
Purezinha viveu cercada de professores, escritores, abolicionistas e intelectuais.

O magistério era considerado na época, uma profissão de vanguarda para as mulheres e a escolha pode ter sido resultado da influência do pai e do avô. Mas, talvez também se inclua, entre os fatores que levaram Purezinha a se tornar professora, um certo veio politicamente engajado de seu tio (irmão de seu avô Dr. Quirino), o abolicionista Antonio Bento (1843-1898), famoso pela luta contra a escravidão e a interceptação de escravos. 

Purezinha e Lobato se casaram em 1908 enquanto ele era promotor em Areias. Tiveram 4 filhos: Martha, Edgar, Guilherme e Ruth.
Purezinha deixou de lecionar para se dedicar aos cuidados da casa e à educação dos filhos, pois Lobato era incansável sempre com novos planos e mudanças.  De Areias se mudaram para a Fazenda do Buquira, herdada após a morte do Visconde e depois de vender a fazenda se mudaram para São Paulo, onde Lobato abriu a Companhia Editora Nacional e depois para o Rio de Janeiro. Ela tinha por hábito ler histórias para seus filhos e foi justamente observando essas experiências de leitura, que Monteiro Lobato se motivou para escrever um mundo de livros para meninos e meninas.

Muitos não sabem, mas Purezinha foi muito importante para a carreira do marido escritor. De forma imperceptível, ao longo dos anos, ela esteve presente na obra de Lobato. Lia seus textos, sugeria alterações e os corrigia com a crítica aguçada de uma professora. Ele escreve que a opinião de Purezinha era a única na qual confiava. Durante sua vida foi companheira integral de Lobato e mamãe conta o quanto ela “sofria” com a energia constante dele. Nos jantares que davam para conseguir investidores para sua companhia de petróleo, Lobato não se sentava, mas costumava andar em volta da mesa falando e gesticulando com seu garfo e de vez em quando pegando um pedaço de comida do prato de Purezinha. Esse é só um detalhe engraçado que demonstra a energia constante de Lobato. Porém o esforço de te cuidado de dois filhos que faleceram de tuberculose e ainda acompanhar a genialidade de Lobato em suas empreitadas, envelheceu minha bisavó muito cedo.

Durante sua vida colecionou e organizou todas as matérias de jornais que saiam sobre Lobato e depois de sua morte, doou seus famosos álbuns de recortes de jornais, além das roupas, chapéu, costela, mesa e outros pertences para a Biblioteca Monteiro Lobato. Alem disso após a morte do meu bisavô, passou a lutar junto com os amigos de e sua filha mais nova, Ruth,  para conseguir que a Semana Monteiro Lobato se tornasse realidade. 
Ela faleceu aos 73 anos, de câncer no cérebro no dia 27 de abril de 1959 e foi enterrada ao lado do marido no Cemitério da Consolação em São Paulo, tendo conseguido ver o legado do escritor consolidado na Semana Monteiro Lobato em 1955.

Martha Lobato Campos

A filha mais velha de Lobato, nasceu em 1909 e foi a única dos filhos que descobriu um jeito de sobreviver à exaustiva genialidade e à loucura produtiva de seu pai.
Martha construiu um mundo paralelo de romance, namoricos e fofocas, onde viveu por toda a vida, sem jamais se preocupar com dinheiro ou com questões tidas como ‘mais importantes’. Minha avó Martha não completou o ensino secundário pois na época a família se mudou para Nova York e ela jamais aprendeu inglês.

Se casou escondida de sua mãe Purezinha, aos 17 anos, com Jurandir Ubirajara Campos, logo após se conhecerem em Nova Iorque, onde Lobato foi ser adido comercial e menos de um ano depois deu a luz a mamãe, Joyce Campos. Sempre fez questão de deixar claro que não tinha jeito para a maternidade e continuou levando a vida como se não tivesse uma filha, cabendo ao meu avô, Jurandir e a Purezinha, assumir o papel materno.
Teve uma relação muito complicada com minha mãe que teve que conviver com essa rejeição. Martha adorava fazer palavras cruzadas em italiano e em português e até escreveu um livro de palavras cruzadas que foi editado pela Companhia Editora Nacional. Vivia na rua, adorava fumar, jogar cartas (pôquer, canastra, tranca, buraco, paciência, crapô, qualquer coisa com baralho) e conversar longas horas ao telefone para saber das notícias. Gostava de reunir seus amigos e parentes em casa para o almoço de domingo e rodadas de pôquer. Quando pergunto a mamãe sobre suas memórias de minha avó, mamãe costuma dizer que vovó só fazia palavras cruzadas, ou então se lembra de sua mãe vestindo e fazendo maquiagem para sair para ir passear.

Das mulheres da família que conheceram Lobato, eu tenho a impressão que minha avó Martha foi certamente a menos ambiciosa e a mais alienada de todas. Jamais trabalhou, sempre viveu de direitos autorais. O casamento ainda jovem, foi o modo que encontrou para resolver o seu problema de independência e assim viver no seu mundo paralelo até falecer em casa em 1995, aos 86 anos de idade.

Gulnara Monteiro Lobato de Morais Pereira

Sobrinha de Monteiro Lobato, filha de sua irmã, Esther (Teca) e do poeta Heitor de Morais, nasceu em 1912. Era três anos mais velha que sua prima irmã Martha, com quem cresceu, eram muito amigas, pularam juntas muitos carnavais.

Em 1934, Gulnara se casou com o irmão de Martha, filho de Lobato, chamado Edgard e quatro anos depois nascia Rodrigo Monteiro Lobato, fruto dessa união. Edgard faleceu muito cedo, vítima de tuberculose, no ano de 1943, quando Gulnara tinha apenas 31 anos e seu filho Rodrigo apenas 6.

Foi um período difícil para todos e Esther, com a sua força, sustentou a família, costurando e cozinhando para fora.

Logo após a morte de Edgard a família de Lobato passou por um período voltado ao espiritismo, onde todos se reuniam na chácara de Tremembé para fazer sessões espíritas na tentativa de se comunicarem com Edgar e Guilherme (também falecido). Nessas sessões era Lobato quem fazia as atas.

Cerca de três anos após ter ficado viúva, Gulnara se casou com o escritor Antonio Olavo Pereira com quem teve outro filho, Tolavito (Antonio Olavo Pereira Jr) e conviveu por quarenta anos, morando no bairro da Aclimação, em Sao Paulo pertinho de nós.

Gulnara dominava o idioma inglês e ajudava Lobato nas traduções e revisões de textos junto com Ruth, continuando a trabalhar como tradutora após a morte do escritor.
Em 1982 ela escreveu uma biografia de Monteiro Lobato chamada ‘O Menino Juca’, que foi publicada com belíssimas ilustrações de Rui de Oliveira.
Faleceu em São Paulo, no dia 27 de agosto de 1986.

Ruth Monteiro Lobato

A filha mais nova de Lobato e Purezinha, nasceu em 1916 em meio a Primeira Guerra Mundial.
Dos filhos do casal, mamãe conta que Ruth foi a que herdou a inteligência, o dinamismo a curiosidade e a energia de seu pai. Foi a primeira mulher da família a aprender a dirigir, teve diversos carros, usava calça comprida, fumava muito, e absolutamente não gostava de crianças. Mamãe adorava Ruth e a seguia por toda parte, quase a enlouquecendo, afinal era 14 anos mais velha que ela.

Mamãe conta que Ruth teve muitos namorados, mas sempre inventava uma razão para não se casar. Dizia que queria morar em casas separadas após o casamento ou que só poderia casar depois que a mãe morresse.
Ruth morou com os pais a vida toda e após a morte de Lobato, quando tinha 32 anos de idade, continuou a morar com sua mãe, Purezinha, passando a ajuda-la a tomar conta dos direitos autorais de Lobato. Os móveis do Visconde que haviam acompanhado Lobato desde que herdara a fazenda passaram para o apartamento de Ruth.

Com o falecimento da mãe, em 1959, Ruth continuou a morar sozinha na Rua das Palmeiras, tendo apenas a companhia de sua gata e se manteve como responsável pelos direitos autorais de Lobato, enquanto Martha, sua irmã mais velha, fazia a parte pública de aparecer nas celebrações e homenagens ao escritor.

Na opinião de minha avó, Ruth tinha “doenças de homem” porque trabalhava demais e estava sempre estressada. De qualquer maneira ela teve um infarto aos 52 anos de idade, e depois um derrame aos 54 (do qual ela não se recuperou). Deprimida, se suicidou com apenas 56 anos, em 1972, com um revólver que havia pedido para um primo comprar.
Ao longo da vida, Ruth talvez não tenha encontrado espaço para viver a sua sexualidade, extrapolar a sua inteligência, nem a sua independência e autorrealização.

Joyce Campo Kornbluh

Joyce, minha mãe foi quem substituiu minha bisavó Purezinha como o esteio emocional da família. Mamãe virou a matriarca do meu ramo familiar, a pessoa que todos procuram para resolver problemas e especialmente conselhos depois que Ruth se matou.
Nascida em 1930, a única neta de Lobato (filha de Martha), teve que conviver com a rejeição da mãe.
Muito independente desde criança, sendo a líder da turma da rua, batendo nos meninos, para não apanhar em casa do pai, Joyce foi uma criança super levada, daquelas que subiam em árvores, caíam, se machucavam, mas não reclamavam. Certa vez, foi desafiada por sua melhor amiga para juntas colocarem a mão dentro da jaula de um urso no zoológico da Aclimação. O animal acabou mordendo a mão e quase decepando o dedo da amiga, que foi salvo graças a um anel. Fugiu de casa diversas vezes, apanhou muito, mas teve um convívio intenso com Monteiro Lobato, dormindo junto na mesma cama que ele e Purezinha quando era criança e ouvindo suas histórias.
Além de Lobato foi a primeira da família a fazer faculdade sendo uma das cinco mulheres de sua turma a se formar em Arquitetura no Mackenzie, onde conheceu meu pai Jerzy Kornbluh, judeu polonês não religioso, refugiado de guerra, que tinha chegado ao Brasil aos 11 anos de idade em 1941, escapando, com sua mãe, pai e irmã do Holocausto na Polônia. Se casou com ele aos 28 anos de idade.

Numa família onde todos eram católicos e Lobato não tinha batizado os filhos, casar com um judeu foi um ato de extrema rebeldia, reforçando a independência e a criação lobatiana que Joyce recebera.
Fato é que o casamento trouxe transformações negativas na vida da neta de Lobato. Da menina das histórias de aventuras, viagens e independência, surgiu uma mulher que sofria constantemente com enxaqueca, dor nas costas e depressão. Assumiu a função de mulher de um executivo, resumida a cozinhar, apoiar o marido e fazer tudo para ele progredir na carreira. Mesmo após meu pai se aposentar e passar a ser o representante da família para assuntos de Monteiro Lobato minha mãe não conseguiu se liberar. Somente após a morte do meu pai em 2015 foi que minha mãe passou a me contar sua verdadeira história, seus medos e frustrações. 

Mamãe foi sempre uma mulher à frente do seu tempo, que recebeu uma educação simultaneamente liberal e não convencional por parte de Lobato e de seu pai Jurandyr, mas ao mesmo tempo totalmente conservadora por parte de sua mãe, Martha.

Essa dicotomia interior talvez tenha dificultado muito a vida dela, que sempre se descreveu e se mostrou forte para os outros mas não conseguiu transcender o conservadorismo de sua época, suas contradições internas, nem as expectativas de ser neta de Monteiro Lobato. 

Sem conseguir encontrar sua voz ou sua independência financeira, optou por tentar se encaixar nos padrões de esposa e mãe dedicada, arcando assim com as consequências de um papel que talvez não devesse ser o seu.
Hoje, aos 92 anos, a neta de Lobato vive em Americana, no interior de São Paulo com sua cachorrinha Petit e está orgulhosa do trabalho que eu venho realizando.

Essas são as mulheres que conheceram e que tiveram a experiência única e indescritível de conviver não apenas com o pai da literatura infantil brasileira, mas sobretudo com o homem, o ser humano Monteiro Lobato.
Mulheres que como ele, estavam a frente de seu tempo, pelo modo como viveram suas vidas enfrentando e quebrando tabus, derrubando preconceitos e provocando reflexões sobre temas que poderiam passar despercebidos à época, mas que hoje se mostram atuais e são incansavelmente debatidos.

As mulheres que fizeram parte da vida de Lobato, lidaram com os traumas e as expectativas de serem relacionadas com uma das grandes personalidades do nosso país, além das mudanças sociais que ocorreram durante o século XX.

Todas sofreram, conviveram com seus traumas, algumas conseguiram transcender as limitações do contexto temporal, outras não. Mas sem dúvida todas elas foram corajosas, liberais e simultaneamente, extremamente conservadoras, cheias de contradições e medos.

A primeira vista pode parecer que as mulheres da vida de Lobato viveram em função dele ou à sua sombra. Mas a verdade é que cada uma delas, ao seu tempo, escreveu ao seu modo a sua própria história, com doses enlouquecedoras do DNA lobatiano, e sobretudo com a essência única e desafiadora de ser mulher em um mundo que ainda hoje insiste em seu machismo descabido.

Parabéns a todas as mulheres que ainda ousam sonhar além!

O padrão Global na produção da segunda versão do Sítio do Pica-Pau Amarelo em 2001

Como na primeira versão do Sítio do Pica-Pau Amarelo produzida pela Globo, a maior parte das gravações eram feitas num sítio localizado na Ilha de Guaratiba, na zona oeste do Rio de Janeiro. Já as cenas internas eram gravadas nos estúdios da Renato Aragão Produções, em Vargem Grande, também na zona oeste da cidade.

Em 2003, as gravações das cenas externas deixaram de ser realizadas na Ilha de Guaratiba e passaram a ser rodadas em Jacarepaguá, num sítio em Camorim, próximo à Central Globo de Produção, o Projac. A proximidade facilitou o deslocamento da equipe de produção e com a novidade, a casa principal do sítio de Dona Benta foi reformada e ganhou ares de uma fazenda.

Em 2004, foi construída dentro do Projac uma cidade cenográfica com quatro mil metros quadrados, especialmente para as gravações do programa. O espaço incluía a fictícia Arraial dos Tucanos, com um lago repleto de marrecos, uma igreja, o celeiro, a chácara, o estábulo e seus jardins. Na cozinha de Tia Nastácia não faltavam doces em compotas, panelas de bronze nas prateleiras, coador de café de pano, fogão a lenha e cortininha de renda na janela. A ideia, de acordo com a cenógrafa Giana Lannes, era facilitar as gravações e reproduzir as cidades do vale do Paraiba, onde Monteiro Lobato nasceu.


FIGURINO E CARACTERIZAÇÃO

Um dos maiores desafios dessa nova temporada foi sem dúvida a caracterização da Cuca. Nos anos anteriores, a personagem usava uma fantasia de jacaré, mas em 2007, o seu visual foi elaborado por meio de maquiagem e figurino, numa tentativa de afastar a personagem de uma atmosfera de teatro infantil, e a deixando mais próxima da estética televisiva.

A Cuca continuou com a característica textura de jacaré, mas ganhou ares de bruxa. Os dentes e as unhas de crocodilo usadas pela personagem foram feitos sob medida para a atriz Solange Couto pela equipe de efeitos especiais, formada por Ricardo Menezes, Glauco César e Cláudio Sampaio.

Outros personagens que também receberam uma atenção especial em relação a modernização de suas caracterizações, foram o Marquês de Rabicó e o Visconde de Sabugosa. Rabicó ganhou nariz e orelhas de látex, especialmente feitas para o ator Ricardo Tostes.

Já a caracterização do Visconde de Sabugosa passou por algumas experimentações antes de se chegar ao resultado final. A princípio, foi produzida uma máscara de mousse de látex que, que embora tenha agradado à direção, era muito incômoda para o ator. Finalmente, a equipe decidiu usar no ator uma peruca vermelha, e fazer a maquiagem usando air brush, que projetava o desenho dos milhos no rosto, sem a necessidade de uma prótese.

Emília foi outra que também teve o visual modernizado: no lugar das cores vermelho e amarelo, diferentes tons de rosa passaram a predominar no vestido da boneca. Sua maquiagem ganhou um tom de bege para fugir da impressão de porcelana, e os cílios foram alongados, dando um ar mais angelical à personagem. Além disso, o seu cabelo, que antes era de pano, agora era feito de lã.

CENOGRAFIA E ARTE
Para criar os novos cenários do Sítio – a chácara de Dona Benta, o Arraial dos Tucanos, a Pensão Cervantes, a venda do Seu Elias, o laboratório do Visconde, a gruta da Cuca e a gruta da Iara -, as equipes buscaram referências nos textos de Monteiro Lobato, que costumava fazer descrições detalhadas dos cenários onde a ação se desenvolvia.

De acordo com o cenógrafo Raul Travassos, a primeira versão do infantil exibida em 1977, também serviu de inspiração para a equipe e o trabalho desenvolvido foi uma homenagem ao cenógrafo e figurinista Arlindo Rodrigues, responsável pela criação dos cenários da primeira versão Global.

Durante os dois primeiros anos dessa segunda versão do programa, foram usados efeitos especiais para que o Visconde de Sabugosa parecesse ter o tamanho de um sabugo de milho. Em 2003, Visconde come uma pitada de fermento e fica do tamanho de uma pessoa normal, deixando o efeito especial de lado.

Na temporada de 2007, destaque para os efeitos visuais utilizados nas sequências em que o Burro Falante conversava com os personagens do Sítio. As cenas foram gravadas com o animal em um fundo de cromaqui e em seguida, usando recursos de computação gráfica, foi inserida na imagem uma boca em 3D, que fazia os movimentos como se o burro estivesse realmente falando.

Para as cenas em que a dupla de besouros Casca e Cascudo (Páblio Sanábio) conversava com Emília, o ator também gravava num fundo de cromaqui e, com a ajuda da computação gráfica, foram inseridas as asinhas dos insetos e os efeitos de voo. Em seguida, a imagem foi reduzida às proporções dos besouros e encaixada na cena.

Outra curiosidade era a animação das ilustrações antigas nas cenas em que Dona Benta contava uma história. Os desenhos eram baseados nos traços dos livros de Monteiro Lobato. 

 

AS SETE TEMPORADAS DO SITIO

1ª E 2ª TEMPORADAS (2001 e 2002)

A primeira temporada desta nova versão Global do Sítio do Pica-Pau Amarelo, durou do final de 2001 até setembro de 2002 e seus episódios eram extraídos das histórias dos livros de Monteiro Lobato. Quando as histórias se esgotaram teve início uma outra fase do programa, com novas histórias escritas especialmente para a televisão, assim como já havia ocorrido na primeira versão do programa, exibida em 1977.

Mantendo a tradição, a produção dessa segunda versão do Sítio do Pica-Pau Amarelo na TV Globo contou com uma equipe de produção de peso, com nome como Roberto Talma (2001) Márcio Trigo (2001-2002), Roberto Talma (2001-2002) , Pedro Vasconcelos (2001-2002) e
Marcelo Zambelli (2001-2002) na direção e Luciana Sandroni, Mariana Mesquita, Cláudio Lobato e Toni Brandão na redação e adaptação.

Em 2001, cada livro de Lobato era adaptada em cinco dias, as histórias eram contadas em um ritmo mais rápido, com cada livro durando apenas uma semana para ser contado. Excepcionalmente, os episódios ‘O Picapau Amarelo’; ‘Reforma da Natureza; e ‘Histórias Diversas’ levaram duas semanas para ser contados. ‘Memórias do Pica-Pau Amarelo’ durou três semanas e ‘Os Doze Trabalhos de Hércules’, quatro semanas. Já na versão de 1977, as histórias demoravam mais tempo sendo adaptadas para televisão, com alguns textos tirados dos livros e outros criados especialmente para a telinha, que duravam normalmente um mês.

Nessa nova versão do Sítio, alguns elementos dos livros de Lobato puderam ser trazidos de volta para a televisão, como o Pó de Pirlimpimpim, que na versão de 1977 tinha sido transformado em um tipo de "palavra mágica" para evitar comparações com a cocaína. Desse modo, os moradores do Sítio apenas gritavam: "Pirlim Pim Pim" para viajarem de um lugar para outro. Nos livros de Monteiro Lobato, o Pó de Pirlimpimpim era aspirado com o nariz pelos personagens; já na versão de 2001 ele passou a ser um pó jogado em cima das cabeças dos personagens, mais parecido como o "Pó Mágico" da Sininho, da história de Peter Pan. Outra coisa que havia sido censurada na versão dos anos 70, e foi trazida de volta nessa segunda versão Global, é o costume que Emília tem de inventar suas próprias palavras. A censura da década de 1970 não permitia que a Emília da TV alterasse ou falasse palavras da gramática ao seu próprio modo, como: "bissurdo", "arimética" ou "obóvio". 

A segunda temporada teve início em setembro de 2002, com direção de Cininha de Paula e Paulo Ghelli e com episódios escritos por Walcyr Carrasco, com a colaboração de Mário Teixeira e Thelma Guedes. As histórias deixaram de ser exibidas em episódios semanais de cinco capítulos e passaram a ter duração de cerca de um mês. O horário de exibição do programa também foi alterado: o infantil passou para as 10h10.
Novos atores passaram a integrar o elenco como Antonio Calloni, Elizabeth Savala, Henrique Ramiro e Zezé Polessa, entre outros. Além disso, o programa recebia convidados, entre eles os atores Ney Latorraca, Fernanda Rodrigues, Leonardo Brício, Lilia Cabral, Maria Luisa Mendonça, Rodrigo Faro, Samara Felippo, Susana Werner, Márcio Kieling e o humorista Bussunda, que interpretou na trama o gênio da lâmpada de Aladin.


3ª TEMPORADA (2003 e 2004)

Em abril de 2003, o Sítio do Picapau Amarelo estreou sua nova temporada com episódios inéditos e as novas aventuras passaram a ter somente base na obra original de Monteiro Lobato, ainda sob a direção de Cininha de Paula e Paulo Ghelli, mas com Mário Teixeira – até então colaborador de Walcyr Carrasco – na autoria do programa, com a colaboração de Duca Rachid e Alessandro Marson. Novas historias foram escritas  baseadas nos livros de sucesso do momento para os personagens do Sitio. 

Os personagens do Sítio tambem passaram por algumas mudanças no visual. Dona Benta por exemplo, envelheceu um pouco, (agora com cabelos grisalhos), assim como Tio Barnabé (que abandonou seus coletes africanos e adotou um estilo mais caipira).

Tia Nastácia, interpretada por Deu Moraes, mais magra teve de engordar um apouco e por sua vez, ficou mais rechonchuda, enquanto a malvada Cuca sofreu uma transformação radical: ganhou uma enorme cabeleira e roupas novas, além de uns quilos a mais. Após participações em episódios anteriores, os personagens Zé Carijó (Cassiano Carneiro) e Pesadelo (Leandro Léo) passaram a integrar o elenco fixo do programa, e foram também adicionados na abertura da série. 

A turma do Sítio ganhou ainda participação de outros novos personagens em 2003 por conta das novas historias A grande surpresa foi a chegada de Zumpilion (Cosme Monteiro), um animal de estimação extraterrestre.  Ele foi responsável por grandes confusões no sítio de Dona Benta, especialmente por seu apetite voraz. Moby (Raul Gazolla) e Dick (Nelson Freitas), uma dupla de piratas do espaço, comandada pelo vilão Mordoror (Norton Nascimento), entraram em cena em busca do animalzinho; e os investigadores espaciais Alista (Cristina Pereira) e Aníbal (Guilherme Karan) também embarcaram na aventura. Esses personagens integravam o elenco de O Extraterrestre, episódio com dez capítulos que abriu a série de episódios de 2003.


4ª TEMPORADA (2004 e 2005)

Em 2004, a equipe de redatores do Sítio era formada por Mário Teixeira e Duca Rachid e pelos colaboradores Alessandro Marson e Júlio Fisher. A direção continuava sob responsabilidade de Luiz Antonio Pillar, e a direção-geral era de Cininha de Paula e Paulo Ghelli. 
Tivemos grandes mudanças no elenco pois os personagens Pedrinho e Narizinho passaram a ser interpretados, respectivamente, por João Vítor Silva e Caroline Molinari, enquanto a Iara passou a ser interpretada por Lilian Cordeiro. Nessa temporada foi criado o cenário do Arraial dos Tucanos, com a Venda do Elias, a Pensão da Dona Joaninha Pão Doce, a Igreja, a Delegacia, e a casa do Coronel Teodorico passou a ser integrada no Arraial dos Tucanos.

Outra novidade da temporada foi a saída dos personagens centrais do Sítio para cenários fora do Sitio de D. Benta tanto assim que o primeiro episódio de 2004 foi "A Menina da Selva", com cenas gravadas na Amazônia.  

Em "A Dama dos Pés de Cabra", baseada no conto do autor português Alexandre Herculano, a turma embarcou para Portugal, onde gravou cenas em Lisboa e em Sintra. 

O último episódio de 2004, exibido em janeiro de 2005, foi "Dom Quixote", que ficou marcado pela saída de Cândido Damm do papel do Visconde de Sabugosa. No episódio, o Visconde (ainda interpretado por Cândido Damm) acaba esmagado pela estante de livros da biblioteca de Dona Benta, ficando tão fino quanto uma folha de papel. Assim, Tia Nastácia constrói um novo Visconde (a partir daí interpretado por Aramis Trindade). Mas Cândido Damm não saiu imediatamente do programa; ele continuou até o final do episódio, mas interpretando o personagem Dom Quixote.

5ª TEMPORADA (2005)

No dia 4 de abril de 2005, tinha início uma nova temporada do Sítio, mas agora com a mudança de dois atores do elenco principal : Nicete Bruno e Cândido Damm, que interpretavam a Dona Benta e o Visconde de Sabugosa, os dois tiveram que sair do programa e foram substituídos por Suely Franco e Aramis Trindade.

A Dona Benta, que passou a ser vivida por Suely Franco, ficou com uma personalidade mais doce, e recebeu também um novo figurino, passando a usar vestidos e aventais, típicos de uma senhora de idade.

Já o Visconde, agora interpretado por Aramis Trindade, que é conhecido por ser bom de improviso, ganhou uma personalidade mais carismática de sábio meio atrapalhado, e algumas vezes um pouco excêntrico, especialmente quando está inventando alguma máquina, ou pesquisando algo; com isso ele ganhou mais destaque nas histórias. Aramis também deu ao personagem algumas características interessantes, como um forte sotaque paulistano, principalmente quando pronunciava palavras que continham as letras R e L no final. Em 2005, o Visconde também ganhou uma espécie de "bordão" durante o programa, a sua frase: "Ma-ma-mas Marquesa…", que ele sempre diz a cada vez que a Emília o obriga a inventar alguma máquina genial. Esse novo bordão do Visconde na verdade foi um improviso de Aramis Trindade durante as filmagens de uma cena, frase que acabou dando certo, e passou a ser usada quase sempre pelo Visconde perante as ordens da Emília (e sendo imitada até mesmo pelo Zé Carijó e pelo Conselheiro).

Outra novidade nessa temporada, foi que a boneca Emília ganhou uma espécie de "irmã mais nova", a bonequinha de plástico Patty Pop (apelidada pela Emília de 'Pata Choca'), que também tomou a "Pílula Falante" e ganhou vida, deixando Emília morta de ciúmes pela atenção da Narizinho.

Ainda em 2005, a fantasia da Cuca ganhou novas mudanças, ficando mais feia e horripilante, e ganhando uma forma mais parecida com a Cuca do Sítio dos anos 70 (com exceção do fato de que a Cuca de 1977 possuía listras coloridas na barriga, e pequenos olhos vermelhos), a "Cuca de 2005" passou a ser feita de um material de borracha, que a deixava mais realista e assustadora. A roupa de jacaré se tornou mais elaborada e detalhada, dando à personagem um aspeto mais ameaçador, ela ganhou grandes olhos amarelos com pupilas e veias vermelhas; e um focinho mais comprido, com muitos dentes pontudos; ganhou também um "barrigão" listrado, e pés com unhas afiadas, além de uma longa cabeleira loira.

O programa também mudou o seu formato e passando a ser uma novela infantil, com 194 capítulos e uma única história, que durava o ano inteiro.

A proposta do Sítio para a televisão naquele ano, era apresentar uma história que tivesse personagens e elementos da obra de Lobato, junto com temas do dia a dia, importantes para crianças, jovens e adultos; como a importância da escola, a valorização do folclore nacional, que é mostrada, quando a professora Antonica, mãe do Pedrinho, faz uma festa sobre o Dia do Saci na escola do Arraial dos Tucanos, no mesmo ano em que esse dia foi instituído no Brasil.

Houve também uma grande citação em alguns capítulos sobre a alfabetização de pessoas adultas e idosas, quando Zé Carijó decide ir para escola aprender a ler e escrever. A história ainda contava com quase 40 atores no elenco fixo, entre eles Chico Anysio, intérprete do advogado Osvaldo Saraiva que participou como personagem fixo de 2005.

Uma coisa muito interessante sobre essa temporada é que ela não faz parte da linha cronológica de 2001-2004 por vários motivos e dos quais, o mais perceptível é o fato de Dona Benta não acreditar em Saci, Cuca, lobisomens, bruxas, fadas, e Pó de Pirlimpimpim.
Apesar de Dona Benta já ter visto o Saci e a Cuca na sua frente nas temporadas de 2001-2004 (além de ter visto outros seres, e personagens de contos de fadas), na temporada de 2005 ela simplesmente age como se nunca os tivesse visto e nem acredita que são reais, a menos que ela veja como os próprios olhos. Todas as aventuras fantásticas que as crianças contavam, ela acreditava serem apenas brincadeiras fantasiosas. Um outro momento  interessante que ilustra como esta temporada nao faz parte da linha cronológica  é que Miss Sardine (que já havia morrido na temporada de 2001) aparece viva e vivendo fora do Reino das águas Claras.
 
A trama principal daquele ano mostrava os moradores do Sítio, conhecendo dois jovens chamados "Cléo" e "João da Luz", que aparecem pelo "Arraial dos Tucanos", e vão se tornando amigos da turma do Picapau Amarelo, e vivendo aventuras juntos.

Poucos sabem disso, mas, esses dois personagens também foram criados originalmente por Monteiro Lobato, eles apareceram em dois livros diferentes, e foram "pinçados" das histórias de Lobato, para participarem na trama de 2005.

A personagem Cléo, é uma garota que aparece em Caçadas de Pedrinho, descrita no livro como uma radialista da cidade, uma menina "desembaraçada", que costuma trocar cartas com Narizinho, que acompanha o seu programa pelo rádio junto com todo o pessoal do Sítio. Curiosamente existiu mesmo uma Cleo na vida de Lobato, era Cleo Marcondes, filha de um grande amigo de Lobato Octales Marcondes, uma menina incrivelmente inteligente.

A temporada de 2005 ganhou ainda uma nova trilha sonora, com novas músicas para alguns personagens. Como a intenção era agradar tanto as crianças, quanto os jovens e adultos, algumas músicas eram mais "lúdicas", como: "Dona Benta" de Elder Costa, "Emília, faz o que ninguém mais faria" de Pato Fu, e "Sem Medo de Assombração" de Ney Matogrosso, enquanto outras músicas eram voltadas para um público mais adolescente, como a canção "Nós Dois" da banda Jukabala, tema do casal Cléo e João da Luz.

Nessa temporada o Sítio chegou a ganhar o "Prêmio Mídia Q 2005", na categoria de quatro a sete anos, com base numa pesquisa feita com pais de crianças e jovens de quatro a dezessete anos, nas classes A, B e C, sobre a qualidade da programação da TV no Brasil.

6ª TEMPORADA (2006) – 

A sexta temporada teve início em setembro de 2006 mantendo o mesmo formato de novela. Porém desta vez com o objetivo de tratar mais da fantasia e do surreal, sem deixar de lado temas reais, assim como já havia acontecido no ano anterior. 

Nessa temporada mais algumas trocas de atores aconteceram. O ator João Vítor da Silva, que interpretou o Pedrinho entre 2004 e 2006 passou a interpretar o Curupira, dando o papel de Pedrinho a Rodolfo Valente. Caroline Molinari, a Narizinho em 2004 e 2005, foi substituída por Amanda Diniz. A maioria do elenco do núcleo do Arraial dos Tucanos, também foi trocado, sendo mantidos apenas os atores que faziam os personagens principais: Suely Franco como Dona Benta; Dhu Moraes no papel de Tia Nastácia; João Acaiabe como Barnabé; Isabelle Drummond na pele da boneca Emília; e Aramis Trindade como o Visconde de Sabugosa.

Nesta temporada Cininha de Paula deixou a direção do programa para dirigir a novela ‘Cobras & Lagartos, sendo substituída por Carlos Manga, que decidiu reformular totalmente o Sítio do Picapau Amarelo, no intuito de deixa-lo mais parecido com o "Sítio" das histórias de Monteiro Lobato. Com isso alguns personagens tiveram que sair como a bonequinha de plástico Patty Pop e Pesadelo, o ajudante da Cuca, que já não apareceram mais nessa temporada.

Outros personagens sofreram uma grande mudança no visual: Emília ficou com o cabelo mais comprido e passou a usar outros tipos de vestidos. Já o Visconde ganhou um novo figurino, com maquiagem amarela no rosto, um grande nariz de látex e uma cartola feita de palha dourada. O burro Conselheiro, passou a ser uma marionete que andava sobre as suas quatro patas e a cor do seu pelo ficou cinza. O folclórico Saci trocou o seu macacão vermelho por um calção na mesma cor, enquanto o Tio Barnabé ganhou uma barba mais comprida e passou a morar sozinho no meio do mato. 

Outra mudança aconteceu com os objetos usados no Sítio, que ficaram mais rústicos, desaparecendo o forno de microondas, o computador e gameboy. A casa ganhou móveis e aparelhos mais antigos ainda e as histórias dos episódios da televisão passaram a lembrar mais o clima dos livros de Lobato. 

Esse também foi último ano em que a personagem Cuca utilizou a fantasia criada em 2005, já que na próxima temporada, em 2007, a bruxa do Sítio passaria a ser interpretada por uma atriz humana e não mais por um boneco de jacaré.

7ª TEMPORADA (2007)

E Em 2007, Sítio do Picapau Amarelo passou a ser exibido no TV Xuxa programa infantil comandado pela apresentadora Xuxa Meneghel. O programa, estreou na nova programação com a proposta de voltar às histórias originais de Monteiro Lobato. Todas as histórias apresentadas ao longo do ano de 2007 eram baseadas nos textos originais de Monteiro Lobato. A primeira história, O Saci Contra-Ataca, com 25 capítulos, trazia elementos do folclore brasileiro. 
Com direção geral de Carlos Magalhães, foi tomada a arriscada decisão de substituir praticamente o elenco inteiro para a nova temporada. Todos os personagens principais tiveram novos atores. Emília voltou a ser interpretada por uma atriz adulta, Tatyane Goulart; o Saci por Fabrício Bolíveira não era mais careca; Tio Barnabé passou a ser interpretado por Genésio Amadeu ; Dona Benta, passou a ser interpretada pela atriz Bete Mendes e apareceu de cabelos pretos; Tia Nastácia passou a ser interpretada por Rosa Marya Colin; Renato Borghi deu vida ao Seu Elias Turco; e Pedrinho e Narizinho passaram a ser interpretados pelas crianças Vítor Mayer e Rachel de Queiroz.  E o Visconde agora interpretado por Kiko Mascarenhas, ganhou uma maquiagem com muitos grãos de milho pintados no rosto e um paletó fechado.
Nessa temporada o Sítio também ganhou novos figurinos para os atores e os bichos: Rabicó deixou de ser um boneco e passou a ser interpretado por um ator com orelhas e nariz de porco; o Burro Conselheiro passou a ser um burro de verdade, dublado com uma voz humana.

Mas a maior mudança naquele ano, aconteceu com a Cuca. Diferente de todas as adaptações televisivas que já foram feitas com a personagem, a Cuca dessa vez não era mais um boneco de jacaré com cabelo loiro, mas sim a atriz Solange Couto com maquiagem no rosto e dentes pontiagudos, usando um macacão verde.

Infelizmente, com tantas mudanças, essa temporada não manteve o mesmo desempenho no Ibope, e após 165 capítulos divididos em 6 histórias, chegou ao fim com a exibição do seu último episódio no dia 7 de dezembro de 2007. Sem a mesma audiência de anos anteriores, a emissora decidiu pelo cancelamento do programa e a sua retirada da grade de programação.
 

Desmistificando Monteiro Lobato nos 100 anos da Semana de Arte Moderna

No ano do centenário da Semana de Arte Moderna, também chamada de Semana de 22, não poderíamos deixar de fazer uma menção especial ao evento e principalmente desmistificar a história que injustamente insiste colocar o moderno Monteiro Lobato como um antimodernista.

Mas antes de nos aprofundarmos nessa história, até para esclarecer aos mais jovens resumidamente, cabe-nos contextualizar: esse foi um evento de música, dança, poesia e artes plásticas que inaugurou um novo movimento cultural no Brasil chamado de Modernismo, promovido pela elite cafeicultora paulista entre os dias 13 e 17 de fevereiro de 1922, no Teatro Municipal da cidade de São Paulo.

Autor com reconhecidas características de vanguarda, Monteiro Lobato, apesar de todo o seu regionalismo e da denúncia da realidade brasileira presente em sua obra, acabou injustamente, sendo rotulado como um ‘antimodernista’.
Mas será que um sujeito considerado moderno, visto como alguém à frente do seu tempo por suas ideias e ações, era isso mesmo?

O PRINCÍPIO DE UM EQUÍVOCO HISTÓRICO

O início de todo esse mal-entendido entre o autor de Urupês e o movimento literário chamado Modernista, aconteceu alguns anos antes da Semana de Arte Moderna, em 20 de dezembro de 1917, quando Monteiro Lobato publicou um artigo no jornal O Estado de S. Paulo, intitulado "A Propósito da Exposição Malfatti", mas que distorcidamente passou a ser divulgado e debatido sob o título de "Paranoia ou mistificação?", que na verdade é uma citação que o escritor fez no texto (que pode ser conferido neste link: – arquivo PDF enviado), utilizado para criar um clima de polemica e animosidade entre Lobato e os chamados ‘modernistas’: Mario de Andrade, Oswald de Andrade, Menotti del Picchia e Anita Malfatti entre outros.

Nesse texto, o autor de “Urupês” e criador do Sítio do Pica-Pau Amarelo, que também era crítico de arte e pintor amador, claramente faz uma crítica à artista, após visitar uma exposição individual de Anita, referente à estética de suas obras, fortemente influenciadas pelo que Lobato chamou de "extravagâncias" de Pablo Picasso e seus colegas. Como nacionalista convicto e preocupado em consolidar o conceito de Brasil nação, Lobato em 1917 era, sem vergonha alguma, um crítico voraz da exagerada influência europeia sobre artistas brasileiros e sobre o meio cultural da época. 

Apesar da crítica, Lobato nunca deixou de reconhecer e exaltar o talento artístico de Anita Malfatti, e o faz no mesmo artigo tão polemico.  Na verdade, ele questionava não a inovação contida na artista, mas o estrangeirismo, e por isso, de modo equivocado (ou quem sabe até propositalmente), foi feito um recorte para desqualificar o escritor e colocá-lo como uma figura conservadora, retrógrada e careta, o que a própria história de Lobato nos revela o contrário.

Ao fazer a leitura integral do texto, qualquer leitor desprovido de outros interesses, pode notar claramente que Lobato na verdade, chama atenção para a reprodução acrítica dos valores estéticos das vanguardas europeias. No ano seguinte ao polêmico artigo, através de sua Revista do Brasil, Lobato lança Urupês, livro que décadas mais tarde renderia um comentário bastante interessante do crítico Wilson Martins em A Literatura Brasileira: "poderia ter sido, ou deveria ter sido, o primeiro manifesto modernista".

Urupês é mesmo o reflexo literário do pensamento modernista de Monteiro Lobato. Das suas observações como fazendeiro, ele aprendeu sobre a vida do caboclo brasileiro e forjou o termo "jeca" para criar um dos maiores representantes da nossa cultura multifacetada, com a saude corroida por vermes e absolutamente explorado por interesses economicos. O jeca aparece como natural do interior do Brasil, mas tem sua sabedoria ampliada por essa abstração denominada "cultura nacional": é o embrião da antropofagia modernista vislumbrada nesse personagem, que é uma mistura de várias personalidades brasileiras.

Lobato ofereceu o jeca aos olhos do público e da crítica, um novo caboclo, um herói multifacetado como a cultura brasileira e de costumes antropofágicos, filho de miscigenações e de portugueses degradados, mas o movimento Modernista não teve olhos para reconhecê-lo.

Seu nacionalismo sempre o manteve conectado aos que se interessavam pela questão cultural brasileira. Ainda em sua fazenda, Lobato enumerava admirações por alguns autores que mais tarde se consagrariam na Semana de Arte Moderna, publicando inclusive, vários desses autores em sua revista. Se um equívoco o separou do movimento modernista, esse mesmo equívoco o deixou livre para contestar o que lhe parecia errado no movimento.

Enquanto em texto o autor analisava a identidade nacional (aproximando-se, assim, de umas das principais propostas modernistas), o homem Monteiro Lobato aventurou-se em projetos empresariais no mundo literário. Em 1918, ele comprou a já famosa Revista do Brasil, em que havia publicado contos e críticas. A revista teve vida longa e foi ilustrada por nomes importantes da literatura brasileira.

Seu empreendimento também pode ser visto como modernizador das relações do artista com os negócios. O Estado, até então, era o novo mecenas das artes, e as negociações com editoras eram precárias. Monteiro Lobato fundou sua própria editora e inaugurou uma nova relação do artista com seu negócio. A literatura é vista, assim, como um produto próprio e pronto a ser negociado. Como afirma o escritor e crítico Silviano Santiago, "é através da caracterização do papel social e político do livro entre nós que se pode conhecer, com maior propriedade, o sucesso do projeto elitista e o fracasso do projeto populista dentro dos contornos da estética modernista”. Começou, então, com Monteiro Lobato, a era moderna nas relações autores-editores no Brasil.

PARA OS PRÓPRIOS MODERNISTAS, LOBATO ERA UM DELES

O escritor Oswald de Andrade, um dos principais nomes do movimento modernista, foi pelo mesmo caminho de Monteiro Lobato, quando escreveu o Manifesto Antropofágico.

Esse manifesto literário, publicado em maio de 1928, onze anos depois do famoso artigo de Lobato, tinha o objetivo de repensar a dependência cultural brasileira, demonstrando assim, que não havia contradição entre ele e o escritor.

Dois anos antes, em 1926, Lobato havia escrito um texto chamado ‘Nosso Dualismo’, no qual deixava clara a importância do movimento modernista: “Esta brincadeira de crianças inteligentes, que outra coisa não é tal movimento, vai desempenhar uma função séria em nossas letras. Vai forçar-nos a uma atenta revisão de valores e apressar o abandono de duas coisas a que andamos aferrados: o espírito da literatura francesa e a língua portuguesa de Portugal. Valerá por um 89 duplo — ou por um 7 de setembro”, diz Lobato.

O autor sempre esteve próximo a Oswald de Andrade, que ele próprio considerava uma das mentes mais brilhantes do modernismo brasileiro e sobre o qual afirmou: “…o futurismo apareceu em São Paulo como fruto da displicência de um rapaz rico e arejado de cérebro: Oswald de Andade”, que, como “turista integral, sentiu melhor que ninguém a nossa cristalização mental e empreendeu combatê-la”.

Claramente não houve rompimento radical entre Lobato e os modernistas. O que ocorria é que, ao contrário dos modernistas – que discutiam questões formais e estéticas – Lobato queria modernizar o país no plano da economia e da saúde, por exemplo. Queria modernizar um país arcaico, evidenciando ainda mais assim a sua conexão com o movimento modernista.

Mas voltando a falar de Oswald de Andrade, ele próprio eliminou qualquer embaraço que ainda pudesse existir entre Lobato e os modernistas, no aniversário de 25 anos de “Urupês” com seguinte texto:
“Você foi culpado de não ter a sua merecida parte de leão nas transformações tumultuosas, mas definitivas, que vieram se desdobrando desde a Semana de Arte de 22. Você foi o ‘Gandhi do Modernismo’, jejuou e produziu, quem sabe, nesse e noutros setores, a mais eficaz resistência passiva de que se pode orgulhar uma vocação patriótica (…) Sua luta significava a repulsa ao estrangeirismo afobado de Graça Aranha, às decadências lustrais da Europa pobre, ao esnobismo social que abria os seus salões à Semana”.

Mário de Andrade foi outro que anos mais tarde, ao rever o movimento que integrou, cita Lobato como um dos seus, reconhecendo a importância do escritor em toda aquela novidade:
“O modernismo no Brasil foi uma ruptura, foi um abandono consciente de princípios e de técnicas, foi uma revolta contra a intelligensia nacional. (…) Quanto a dizer que éramos antinacionalistas, é apenas bobagem ridícula. É esquecer todo o movimento regionalista aberto anteriormente pela Revista do Brasil, todo o movimento editorial de Monteiro Lobato”.

De fato, Monteiro Lobato era um grande editor naquela época e reforçando: no ano da Semana de Arte Moderna, editou vários modernistas, comprovando que não se tratava de um opositor ao movimento, mas sim de um interlocutor, alguém que discutia a forma com que o modernismo estava se estabelecendo no nosso país.

Por fim, essa confusão com os modernistas terminou fazendo de Lobato um injustiçado pela história. Mas não se pode negar a sua inestimável contribuição para a literatura brasileira e para o próprio movimento modernista.
 

Em 2001, o Sítio voltou para a tela da Globo

Em julho de 1999, a Rede Globo assinava um contrato com os herdeiros de Monteiro Lobato, para produzir uma nova adaptação para a televisão, baseada na coleção de histórias do Sítio do Picapau Amarelo. Essa nova versão, a segunda da rede Globo, estreou no dia 12 de outubro de 2001, às 11h30, dentro do programa infantil Bambuluá, em edição especial para o Dia das Crianças

A previsão inicial para a reestreia da atração era 15 de outubro, porém havia uma preocupação muito grande por parte da emissora, de que o projeto iniciado há um ano e meio, seria tão bom quanto a edição anterior, exibida com estrondoso sucesso entre 1977 e 1986.

A ideia então foi iniciar a exibição do Sítio do Pica-Pau Amarelo como uma das atrações do programa comandado pela apresentadora Angélica, em episódios de apenas 15 minutos, levados ao ar de segunda à sexta-feira. Nessa primeira fase, a história de um dos livros da série literária escrita por Lobato era dividida em apenas 5 episódios.

Mantendo a tradição, a produção dessa segunda versão do Sítio do Pica-Pau Amarelo na TV Globo contou com uma equipe de produção de peso, com nome como Roberto Talma (2001) e Carlos Manga (2006) na direção de núcleo; Luciana Sandroni, Mariana Mesquita, Cláudio Lobato e Toni Brandão na redação e adaptação; Márcio Trigo (2001); Cininha de Paula e Paulo Ghelli (2002); Carlos Magalhães (2007) na direção geral.

De acordo com Roberto Talma, toda equipe de produção não se preocupava apenas com a audiência da nova atração, mas também com a necessidade da adaptação da famosa obra de Lobato para os dias atuais, sem descaracterizar o original. E assim como na primeira versão, a equipe da nova produção se manteve o mais fiel possível à obra do autor e conseguiu de forma brilhante, aproximar o programa da vida atual, mantendo o aspecto rural presente no original Lobatiano, sem abrir mão de fazer a conexão com as crianças dos grandes centros urbanos.

Entre as inovações apresentadas nessa segunda versão, destaque para a “modernização” do cenário do Sítio, localizado agora na ilha de Guaratiba, no Rio de Janeiro, que contava por exemplo com um computador com acesso à internet e forno microondas. A linguagem dos personagens também foi adaptada de modo a se aproximar da realidade atual sem perder a sua essência, misturando gírias recentes – como “maneiro” e “sinistro” – com expressões usadas na obra de Lobato, como “cara de coruja seca” e “torneirinha de asneiras”.

Para dar vida aos personagens principais, o elenco do Sítio do Pica-Pau Amarelo de 2001 contou com as atrizes Nicette Bruno no papel de Dona Benta, Dhu Morais (ex-integrante do grupo musical As Frenéticas) como Tia Nastácia, e com o ator Cândido Damm na pele do Visconde de Sabugosa.

Entretanto o grande destaque ficou por conta dos personagens infantis: a boneca de pano Emília por exemplo, foi interpretada pela primeira vez por uma criança, a atriz Isabelle Drummond, na época com apenas 7 anos de idade. Anteriormente, em uma adaptação de cinema, também houve uma pequena menina chamada Olga Maria, que interpretou a Emília no filme ‘O Saci’, de 1951, ainda em preto e branco, dirigido por Rodolfo Nani e baseado no livro homônimo, escrito por Monteiro Lobato. Com exceção desse filme, e dessa nova versão do Sítio na Globo, a boneca Emília havia sido interpretada unicamente por atrizes adultas.

Outros destaques infantis foram as atuações da menina Lara Rodrigues no papel de Narizinho, de César Cardadeiro que viveu Pedrinho e o garoto Izak Dahora que deu vida ao nosso Saci Pererê. Esse atores viveram nessa versão do Sítio o seu primeiro grande papel na TV.

O elenco dessa segunda versão, contou ainda com as participações de Jacira Santos como a bruxa Cuca; o amado João Acaiabe como Tio Barnabé; Aline Mendonça vivendo o Marquês de Rabicó); Zé Clayton que deu vida ao Burro Falante e Sidnei Beckencamp como Quindim, além da participação especial de Ary Fontoura vivendo o Coronel Teodorico.

Na área musical mais algumas novidades. A canção original, de Gilberto Gil, foi mantida e passou a conviver com uma nova trilha sonora interpretada por Ivete Sangalo, Carlinhos Brown, os mineiros do Jota Quest e Cássia Eller, que interpretou a música-tema da vilã Cuca.

Com bons índices de audiência, o programa mais uma vez caiu nas graças dos brasileiros, comprovando que os personagens do imaginário Lobatiano continuavam conquistando novas gerações com histórias empolgantes, atuações convincentes e uma excelente produção.

Diante do grande sucesso, a emissora se viu estimulada por seus telespectadores a lançar uma linha de produtos especiais com os personagens do Sítio, como vídeos e DVDs com episódios lançados no natal de 2001, além de bonecas, mochilas, cadernos, álbum de figurinhas, entre outros produtos. Ainda em dezembro daquele ano, a Globo exibiu um especial musical intitulado ‘A Festa da Cuca’, que teve a participação de todos os artistas da nova trilha sonora e de atores convidados, como Malu Mader no papel da Cuca.

A partir do dia 22 de dezembro daquele ano, a segunda versão do Sítio do Pica-Pau Amarelo na Globo, deixou o programa da Angélica e conquistou o seu próprio espaço, sendo exibido de segunda a sexta feira, as 11h30 e depois as 10h10, até 2007.

Essa segunda versão do Sítio na Globo teve um total de sete temporadas exibidas entre os anos de 2001 a 2007.

Curiosidades sobre o Sítio de 1977

Muita coisa acontece distante dos olhos do grande público ….Aqui vamos contar pra voces algumas curiosidades sobre a primeira versão do Sítio do Pica-Pau Amarelo que foi ar pela TV Globo:

 Voce sabia que  o ator André Valli tinha sido escalado inicialmente para interpretar o personagem Zé Carneiro e Tonico Pereira, o Visconde? Mas quando Tonico ficou doente, foi substituído por Valli na última hora. Mais tarde, Tonico entrou para o elenco onde viveu Zé Carneiro.

Dezenas de meninas foram testadas para o papel de Narizinho e a escolhida foi Rosana Garcia, que tinha 11 anos quando as gravações começaram em 1976. O programa só estrearia um ano depois e Rosana ficaria no papel até 1980, quando já aos 16 anos, teve que deixar o programa por estar muito grande para interpretar uma personagem de 7 anos de idade.

 A atriz Patrícia Travassos fez testes para viver a boneca Emília, porém a escolhida para interpretar a personagem foi Dirce Migliaccio, que tinha atuado em Pluft, o Fantasminha.

Quando a primeira versão do Sítio na Globo terminou, em 1986, a Globo presenteou a atriz Zilka Salaberry com a vaca Mocha, que ela tanto gostava e tinha ficado super amiga. A vaca fazia parte dos animais que compunham o sítio onde o programa foi gravado.

 Falando na atriz Zilka Sallaberry, inicialmente, ela achou que poderia fazer o papel de Dona Benta no Sítio da Globo. Isso porque ela achava impossível dar vida a uma personagem tão diferente dela. Zilka era super urbana e não se via como uma senhora calma, que vive em um pacato sítio no interior. Zilka não conseguia passar um final de semana longe da cidade e não gostava muito do contato com a natureza. Ao saber que as gravações seriam feitas em um sítio especialmente planejado para a série, em Barra de Guaratiba, ela simplesmente ficou desesperada! Sem ter como recusar o papel, ela disse que se apaixonou pela personagem desde o primeiro dia de gravação.

5- Júlio César (o primeiro Pedrinho) abandonou a carreira de ator, enquanto Rosana Garcia (a primeira Narizinho), continuou na Globo, como atriz, fez teatro  e hoje é instrutora de dramaturgia na TV Globo e TV Record. www.trevo.art.br @arosanagarcia

6- Além de Dona Benta, Tia Nastácia, Emília, Narizinho, Pedrinho e Visconde, que sempre protagonizaram as histórias do Sítio, a primeira versão da TV Globo destacou outros personagens como Tio Barnabé, Zé Carneiro e Garnizé, eternizados nas interpretações marcantes dos atores Samuel Santos (o Tio Barnabé), que faleceu em 1993; Canarinho (o Garnizé), que também fez sucesso na Praça é Nossa do SBT, falecido em 2014; e Tonico Pereira (o Zé Carneiro), que mais tarde faria sucesso com o personagem Mendonça, na série A Grande Família.

Educar é preciso, conhecer as obras de Monteiro Lobato também!

Para celebrar o Dia Internacional da Educação, nada melhor do que falar da importância e da influência de Monteiro Lobato na educação infantil.
Lobato criou um universo para a criança enriquecida pelo folclore, buscou o nacionalismo na ação das personagens que refletiam na brasilidade, na linguagem, comportamentos e na relação com a natureza.

O Sítio do Pica-Pau Amarelo tem um caráter interdisciplinar e transdisciplinar, onde se fala de mitologia, de gramática, de matemática, de folclore e de outras questões pertinentes.
Algumas transformações ocorridas no século XVIII, aliadas às questões educacionais, marcaram alguns conceitos sociais voltados à família, e é neste século que surge a educação para todos, priorizando, a criança. Surgem textos adaptados exclusivamente para elas, dando início a formação de pequenos leitores.

Surgiu a necessidade de obras que despertassem o interesse das crianças, que chamassem a sua atenção, que as fizessem viajar e sonhar, baseadas no mundo do faz-de-contas e a literatura de Monteiro Lobato cumpre muito bem esse papel.

Além de despertar o interesse da criança através do imaginário, Lobato conscientiza com a sua literatura denunciadora, que envolve fatos políticos-econômicos-sociais. A sua principal obra, “O Sítio do Picapau Amarelo”, tem traços de um Lobato indignado com a exploração do Petróleo, logo depois surge o livro “O Poço do Visconde”, que conta a história da descoberta do Petróleo nas terras do Sítio (mundo fictício), que eram terras de sua família. Não podendo se expor, criou as personagens fantásticas, as quais dizem tudo o que ele pensa sobre a descoberta, entre elas Emília, a qual representa a sua voz.

Você sabia que Lobato é considerado pioneiro na literatura paradidática, cuja principal característica é permitir que a criança aprenda enquanto brinca e lê?
Pois é, e isso aconteceu de um modo muito interessante, protagonizado pelo autor ousado, que sem dúvida estava à frente de seu tempo.

O escritor lançou em dezembro de 1931, o livro “A menina do narizinho arrebitado”, uma edição muito bonita, com capa dura, formato maior que uma folha de sulfite e com ilustrações coloridas.
De olho no mercado educacional, estrategicamente, em março do ano seguinte Lobato prepara uma edição escolar, acrescentando 2 novas histórias em um formato de mais ou menos o tamanho de um palmo, imprimindo 500 mil exemplares.

Sabendo que o governador do Estado à época, visitaria determinadas escolas da capital, Lobato preparou uma jogada de marketing ousada, distribuindo cerca de 50 mil exemplares dessa versão que ele preparou de “A menina do narizinho arrebitado”, nas escolas que seriam visitadas por ele.

Durante a visita, o governador vê as crianças encantadas com o livro e decide encomendar 450 mil exemplares junto ao escritor. A versão especial de “A menina do narizinho arrebitado” foi então distribuída nas escolas estaduais, surgindo, a partir daí, títulos didáticos como Aritmética da Emília, Emília no país da Gramática e Histórias do mundo para crianças, entre outros.
Na literatura de Lobato há uma forte abertura para o currículo escolar e múltiplas possibilidades pedagógicas para o educador.

Sem dúvida, o pai da literatura infantil influenciou positivamente milhares de pessoas de diferentes gerações, e vai seguir influenciando enquanto seus fãs seguirem espalhando a magia de sua obra por todos os cantos.
Todos que enxergam na educação o caminho para a boa formação das futuras gerações, precisam conhecer e entender o conteúdo pedagógico inserido na obra de Monteiro Lobato.

O incentivo a leitura, o estímulo a criatividade e o livre pensar, ainda é a melhor forma de se educar.

Há 45 anos, o Sítio chegava à TV Globo

Era para ser uma novelinha infantil, com entretenimento, retratasse a cultura brasileira e apresentasse material didático para as nossas crianças, porém a primeira versão do Sítio do Pica-Pau Amarelo na TV Globo, conquistou os corações de milhões de brasileiros e se tornou um marco na história dos programas infantis na televisão brasileira.
Tudo começou exatamente às 17h25 de uma terça-feira do dia 7 de março de 1977. Naquele momento, milhões de brasileirinhos se debruçaram em frente à telinha para a estreia do Sítio na maior emissora do país.
Resultado de uma parceria entre a Globo, a TV Educativa e o Ministério da Cultura, o programa, uma adaptação da obra de Monteiro Lobato, pai da literatura infanto-juvenil, foi o primeiro com investimento massivo em uma produção do gênero na história da televisão brasileira.

Com direção geral de Geraldo Casé, o programa era exibido de segunda a sexta-feira, com capítulos que duravam cerca de 30 minutos, o Sítio do Pica-Pau Amarelo ficou no ar durante nove anos, superando as expectativas de seus idealizadores e da própria emissora que via nascer ali um dos seus maiores sucessos de audiência.
Baseado em um contexto rural, a primeira versão do Sítio na Globo manteve a originalidade da obra de Lobato. A trama foi ambientada num sítio, onde constantes aventuras eram vividas pelos personagens criados pelo autor, em meio à realidade e à fantasia.

Inesquecível, a música de abertura do infantil, composta e interpretada por Gilberto Gil introduzia os espectadores em um universo paralelo, mágico, místico, onde boneca de pano ganha vida e sabugo de milho vira gente. Este é o Sítio do Pica-Pau Amarelo, um lugar em estado de euforia, com saci, piratas, sereia e rios de prata, que há anos leva leitores e telespectadores a uma viagem deliciosa pelo imaginário de um dos nossos maiores autores.

Além dos personagens centrais, já conhecidos do público, como a contadora de histórias e proprietária do sítio, Dona Benta, sua neta Lúcia (apelidada de Narizinho), a amiga eximia quituteira Nastácia, o neto Pedrinho (primo de Narizinho, morador da ‘cidade grande’ que passava as férias escolares no sítio), o intelectual e cientista Visconde de Sabugosa – feito pelo próprio Pedrinho com um sabugo de milho – e a boneca falante Emília, confeccionada por Tia Nastacia para ser companheira de Narizinho, essa nova versão do Sítio destacou ainda outros personagens como Tio Barnabé, Zé Carneiro, Garnizé, João Perfeito, Seu Elias, a “jacarezona” e feiticeira Cuca e, é claro, o buliçoso Saci Pererê.

Com a direção geral de Geraldo Case, considerado o “pai “ do programa, tivemos tambem ao longo dos anos Fábio Sabag, Roberto Vignatti, Paulo Gracindo Jr. E Hamilton Vaz Pereira. Supervisor geral foi sempre Edvaldo Pacote. Ao longo do programa, o núcleo de redatores foi composto por grandes nomes da dramaturgia nacional como Wilson Rocha, Paulo, Afonso Grisolli, Benedito Rui Barbosa, Sylvan Paezzo e Marcos Rey.

No elenco principal, quatro personagens foram vividos por um único artista: Zilka Sallaberry personificou como ninguém a eterna Dona Benta, Jacyra Sampaio como a maravilhosa Tia Nastácia, André Valli encarnou o genial Visconde de Sabugosa e o ator Romeu Evaristo nos deu uma icônica do nosso Saci Pererê.

Ainda fizeram parte do elenco principal as atrizes Rosana Garcia, Daniele Rodrigues, Izabel Bicalho e Gabriela Senra, que nesta ordem interpretaram Narizinho; os atores Júlio César, Marcelo Patelli e Daniel Lobo, também nesta ordem, viveram Pedrinho; as atrizes Dirce Migliaccio (1933-2009), Reny de Oliveira e Suzana Abranches que fizeram nessa sequência o papel de Emília; e as atrizes Dorinha Duval, Stela Freitas e Catarina Abdala, que nessa ordem deram vida à bruxa Cuca.

A primeira adaptação do Sítio do Pica-Pau Amarelo chegou ao fim em 1986, quando foi ao ar o 20º e último capítulo do episódio “A Trilha das Araras”, no dia 31 de janeiro de 1986.
Até hoje, as histórias e atores que deram vida a essa versão do Sítio, são lembradas com muito carinho e nostalgia.

As canções que embalaram uma geração

Durante a década e que a sua primeira adaptação para a TV Globo foi exibida, o Sítio do Pica-Pau Amarelo viveu a sua melhor época.

Não apenas pelo elenco de primeiríssima qualidade, nem só pelas histórias que desde 1920 já encantavam milhões de leitores, mas como ignorar a trilha sonora reunida pelo arranjador, cantor e compositor Dori Caymmi, que convidou alguns dos mais inspirados músicos da época, para criar o cenário sonoro de um lugar tão mágico e bucólico?

Dori revelou certa vez, que o projeto do Sítio do Pica-Pau Amarelo surgiu na sua vida em um momento delicado, quando ele se recuperava de uma cirurgia no tendão de Aquiles e pelo tempo parado, atravessava sérias dificuldades financeiras.

Foi nessa época que um amigo dos seus pais, chamado Edvaldo Pacote, soube da sua situação e falou com o Boni, na época o principal mandatário da Globo, que sensibilizado, assinou a carteira do artista, que então pôde ter uma recuperação adequada, se se preocupar com as contas no fim do mês.

Daí surgiu a oportunidade de fazer a trilha sonora do Sítio do Picapau Amarelo. Dori contou que se sentiu muito agradecido e que deu o seu melhor. Ele pediu ao Gilberto Gil para que ele fizesse uma abertura e daí, ele começou a chamar o Sérgio Ricardo e todos os outros artistas que ajudaram a fazer essa história musical que todos hoje conhecemos.

Enfim, em1977, chegava às lojas de disco de todo o país, pela gravadora Som Livre, do mesmo grupo da Rede Globo, o disco que apresentou ao Brasil a música composta por Gilberto Gil, que marcaria definitivamente o Sítio do Pica-Pau Amarelo nas nossas memórias:

"Marmelada de banana/ Bananada de goiaba/ Goiabada de marmelo/ Sítio do Picapau Amarelo…".

Conduzida por uma flauta, a abertura da série já alvoraçava toda a criançada que corria para a frente da televisão.

A letra, engenhosa, anárquica como só as crianças, brincava numa melodia onde Gil fazia a festa e ele próprio contou que preferiu fazer uma canção que falasse de todos os personagens e do sítio todo, que ocupasse aquele espaço inteiro e nela coubesse Taubaté toda, a cidade de Monteiro Lobato.

Para o crítico Pedro Alexandre Sanches, o tema composto para o Sítio do Pica-Pau Amarelo, ficou tão tatuado na obra de Gil, que ele mesmo viria a regravá-la em seu best-seller para a MTV, muitos anos depois.

Além do tema de abertura composto por Gilberto Gil, a trilha sonora do Sítio de 1977, reuniu grandes nomes da MPB, como Ivan Lins e Vitor Martins, autores da canção "Narizinho", interpretada por Lucinha Lins; e "Dona Benta", cantada por José Luís, esse desconhecido do grande público.

João Bosco e Aldir Blanc, fizeram a quatro mãos o irresistível samba “Visconde de Sabugosa”, além de Jards Macalé, Marlui Miranda e Xico Chaves, autores da canção “Tio Barnabé”, um batuque de terreiro que abre como canção de ninar e é considerado um outro ponto alto do álbum.

Dori Caymmi também compôs duas músicas ao lado de Paulo César Pinheiro. "Ploquet Pluft Nhoque (Jaboticaba)", interpretada pelo coral Papo de Anjo, além do tema do personagem "Pedrinho". "Arraial dos Tucanos", em parceria com Geraldo Azevedo e Carlos Fernando, cantada por Ronaldo Malta.

Até o produtor da Som Livre Guto Graça Mello, entrou com uma caprichada "Saci", o rei dos reis do folclore nacional. Gilberto Gil que, mais ou menos, na época da gravação da trilha, estava em turnê com os Doces Bárbaros, trajando nos palcos um figurino estilizado do encantado neguinho dos nossos contos populares, só viria compor uma para o Pererê pouco tempo mais tarde, para o disco da Banda Black Rio, em 1980.

A canção "Peixe", de Caetano Veloso, entrou na trilha como "tapa-buraco" e acabou funcionando muito bem. 

Completando as treze faixas do primeiro disco do Sítio do Picapau Amarelo, aparecem o patriarca Dorival Caymmi, honrando "Tia Nastácia" como ninguém e o quarteto vocal MPB-4, em gravação de "Passaredo", de autoria de Chico Buarque e Francis Hime, que também como "Peixe", não foi composta sob encomenda para o seriado, mas se harmonizou com o todo.

Na Globo, Sítio ganhou adaptações respeitando a obra de Lobato

Na primeira versão do Sítio do Pica-pau Amarelo para a TV Globo, os autores tiveram toda uma preocupação em respeitar a obra de Monteiro Lobato, procurando aproximar o programa da realidade e da linguagem da época, sem esquecer as diferenças entre o Brasil de 1977 e o da década de 1930.

Era preciso manter o aspecto rural, sem esquecer a grande parcela da população infantil das cidades grandes, para quem a informação sobre o meio urbano também era importante, e assim o personagem Pedrinho, por exemplo, se tornou a ligação do sítio com a cidade.

Numa clara demonstração de preocupação com a atualidade dos episódios, o diretor Geraldo Casé, contou anos mais tarde, para os registros da memória TV Globo, que colocou um aparelho de televisão na sala da Dona Benta, embora nem sempre estivesse ligado. Mesmo com as intervenções, o programa procurou ser atemporal. Houve ainda a preocupação de não urbanizar demais a parte rural, para que não se perdesse o contraste de uma criança que sai do centro urbano e vai para um sítio.

Em entrevistas na época da estreia do programa, Wilson Rocha, um dos redatores, falou sobre a tentativa de recuperar palavras e expressões favoritas de Monteiro Lobato. Para isso, a produção do programa contou com o apoio de uma equipe especializada em linguística, ciência, educação, psicologia, pesquisa e sociologia, e a seleção do conteúdo de cada capítulo era feita pelos autores e pelo grupo de apoio pedagógico.

Live imperdível para professores! A importância da obra de Lobato na escola

Os doutores em Educação Vanessa Camasmie e Ilan Brenman; e a professora e especialista em Lobato, Renata Codagan, foram os convidados de @cleomonteirolobato para um bate papo  mediado pela doutora em Educação, @soniamariatravassos, durante a celebração pelos “100 anos de Narizinho”, em dezembro do ano passado.

Em pauta, o processo percorrido pelos educadores para levarem a obra lobatiana ao universo escolar e um olhar sobre a relação entre Literatura e escola, além de debaterem experiências e os ataques a Lobato, considerado um “prisioneiro de seu tempo”.

A participação do público foi mais uma vez enriquecedora, ao trazer para o bate papo, questionamentos sobre o suposto racismo, dirigidas em especial, à professora Renata Codagan, que é negra.

Você pode rever esse conteúdo agora no canal do YouTube do Lobato com Você, ou ler o resumo desse encontro no nosso Blog.

Assista: https://www.youtube.com/watch?v=_WKmPyQDEfs&list=PLTSOlBY3k3FWHVFdscwCQPT2B-c0jm6qK&index=4 

Leia: https://lobato.com.vc/2020/12/reinacoes-de-narizinho-na-escola-como-desenvolver-projetos-literarios-com-este-classico/

A TV Bandeirantes abre as portas para o Sítio do Pica-Pau Amarelo

Em 1967 o casal Júlio Gouveia e Tatiana Belinky volta a cena para comandar uma nova produção do Sítio do Pica-Pau Amarelo para a televisão, agora na TV Bandeirantes, com o patrocínio do Bolo Pullman.

A estreia aconteceu no dia 12 de dezembro de 1967, às 17 horas, com o tema de abertura, assim como na Tupi, composto por Salathiel Coelho; “Polca da Primavera”.

Com um investimento maior, o novo cenário muito próximo a um sítio de verdade que contava com outros elaborados para cada viagem feita pela turma, o casal também levou para essa nova adaptação, atores que já haviam participado da versão exibida pela TV Tupi, com exceção de alguns personagens que tiveram seus atores trocados ao longo da série.

Na primeira fase do Sítio na TV Bandeirantes faziam parte do elenco principal: Lúcia Lambertini (Emília), Edi Cerri (Narizinho), Isaura Bruno (Tia Nastácia), Leonor Lambertini (Dona Benta), Mauro Tach (Pedrinho) e Roberto Orozco (Visconde De Sabugosa).

Mesmo com uma estrutura melhor, Júlio Gouveia se mostrava insatisfeito com o programa, porque não gostava do videoteipe que eliminava a sensação de se atuar em um teatro com uma plateia, como ele sempre fez. As paradas para cortes, ajustes de cenas, cenário ou atores, além da necessidade de filmar vários takes de cada cena, também faziam com que cada episódio de 30 minutos, levasse de 7 a 8 horas para ser filmado, o que desgastava bastante atores e toda equipe técnica.

Haviam ainda, de acordo com relatos, problemas administrativos. Na Tupi, Júlio tinha total liberdade para criar seus programas e na Bandeirantes ele precisava se adaptar ao estilo da emissora.

Para completar, Júlio Gouveia detestava a interrupção dos episódios para os intervalos comerciais, algo que também não acontecia na Tupi, quando o programa era ao vivo.

Por volta da metade de 1968, o descontentamento também atingiu o elenco que acabou sendo praticamente todo trocado, entrando nessa segunda fase: Silvinha Lane (Narizinho); Zodja Pereira (Emília); Ewerton de Castro (Visconde Sabugosa); Roberto Campos (Pedrinho) e Célia Rodrigues (Dona Benta).

Em 1969 a sede da emissora sofreu um incêndio devastador, que destruiu praticamente todas as suas instalações e grande parte de seu acervo. Como refazer todo o cenário exigiria um grande investimento, o Sítio do Pica-Pau Amarelo acabou sendo exibido pela última vez, no dia 14 de março daquele ano.

É importante a gente esclarecer, que todas as informações que trazemos aqui, são fruto de um árduo trabalho de pesquisa, que contou com a inestimável colaboração do amigo e diretor do SBT, Jefferson Cândido – @ omundomagicodelobato.
Conseguimos assim, identificar os principais atores que deram vida aos personagens de maior destaque da obra de Lobato, nas primeiras versões do Sítio para a TV.

Caso você tenha outras informações, entre em contato com a gente.
A contribuição de todos que amam o Sítio do Pica-Pau Amarelo, é muito importante para esse resgate e para que a verdadeira história não se perca com o tempo.

Análise sobre ilustrações, reforçaram a certeza de que Lobato estava à frente de seu tempo

O designer @magno_silveira, o designer gráfico e estudioso de Lobato responsável por uma das exposições do centenário de Narizinho, comemorado em dezembro de 2020, foi o convidado de uma mesa redonda mediada pela curadora @marisalmonson, ao lado da organizadora do evento, @cleomonteirolobato. 

Magno reuniu em uma linha do tempo ilustrações de capas mostrando a evolução do livro “A Menina Do Narizinho Arrebitado”, até se tornar “Reinações de Narizinho”, 11 anos depois.

Nessa conversa, os participantes abordaram ainda a evolução através dos tempos, das personagens Dona Benta e Tia Nastácia, por seus ilustradores, além de ressaltar algo que a maioria das pessoas desconhece: dois dos ilustradores que ilustraram as obras de Lobato eram negros! 

O vídeo desse bate papo está disponível no canal do YouTube do Lobato com Você. Confira também o resumo dessa mesa redonda no nosso Blog.

Assista: https://www.youtube.com/watch?v=tZVZcL85TLo&list=PLTSOlBY3k3FWHVFdscwCQPT2B-c0jm6qK&index=2 

Leia em: https://lobato.com.vc/2020/12/dona-benta-tia-nastacia-e-seus-ilustradores/

Conheça os principais atores que deram vida ao Visconde Sabugosa na TV

Depois de um árduo trabalho de pesquisa, que contou com a inestimável colaboração do amigo e diretor do SBT, Jefferson Cândido, conseguimos identificar os principais atores que deram vida ao nosso Visconde nas primeiras versões do Sítio para a TV.
Caso você tenha outras informações, entre em contato com a gente.
A colaboração de todos que amam o Sítio do Pica-Pau Amarelo, é muito importante para esse resgate e para que a verdadeira história não se perca com o tempo.

Rubens Molino 
Ainda adolescente já trabalhava com teatro amador, chegando a fazer peças no tradicional Clube Pinheiros da capital paulista.
Nesse período conheceu o produtor e diretor Júlio Gouveia, e passou a trabalhar com ele. Em 1952, no início da TV Tupi de São Paulo, foi convidado para ser o primeiro Visconde de Sabugosa da Televisão Brasileira, personagem que interpretou até 1953 na primeira adaptação do Sítio do Pica-Pau Amarelo para a TV.
Depois dessa experiência, se afastou da carreira artística e faleceu em 2018 aos 86 anos.

Luciano Maurício
Deu vida ao personagem entre os anos de 1953 e 1954.
Infelizmente não encontramos a biografia do ator nas principais fonte da internet, mas se você tiver informações, entre em contato conosco.

Hernê Lebon
Foi um dos pioneiros da televisão e na adaptação do Sítio do Pica-Pau Amarelo para a TV Tupi também viveu o Visconde de Sabugosa, que lhe rendeu enorme fama.
No teatro, Hernê fez, entre outras, as peças: “Marido Magro, Mulher Chata”, “O Sistema Fabrizi”. No cinema, trabalhou em “O Grande Momento”, de 1958. Na TV Cultura de São Paulo, esteve na novela “Escrava do Silêncio” e nos programas “Contando e Imaginando” e “Quando Menos se Espera”. Na Tupi esteve em “O Jardim Encantado” e “Os Dez Mandamentos”.
Viveu o Visconde Sabugosa na primeira adaptação para a TV Tupi de São Paulo de1954 a 1963. Depois voltou a interpretar o personagem na versão do Sítio para a antiga TV Cultura em 1964.
Morreu em São Paulo, em 1981.

Georges Ohnet
Considerado um dos ícones do teatro e da TV entre as décadas de 50 e 60, ganhou fama por sua interpretação do Visconde de Sabugosa na primeira versão do Sítio da TV Tupi de São Paulo, quando substituiu Hernê Lebon, que havia adoecido. O curioso é que essa troca de atores só foi percebida pelos espectadores depois de um ano, tal a semelhança entre os atores e a maquiagem muito bem feita.
Sua carreira artística durou de 1954 a 1970, quando teve que se afastar da vida artística por problemas de saúde, e nesse período atuou em diversos papeis no teatro, no cinema e na tv.
Ator, autor e diretor, passou os últimos anos de sua vida vivendo em Cotia/SP, onde trabalhava como terapeuta holístico.
Morreu em 2015, vítima de um infarto, após uma cirurgia para tratar de um tumor na cabeça.

Elísio Albuquerque
Viveu o Visconde de Sabugosa na versão carioca do Sítio do Pica-pau Amarelo, em 1957, pela TV Tupi do Rio de Janeiro.
Fez parte do TBC – Teatro Brasileiro de Comédia e do Teatro dos Doze, atuou em diversas peças do “Grande Teatro Tupi“, participou de vários especiais teledramatúrgicos da Tupi de São Paulo, atuando no “TV de Vanguarda” e no “TV de Comédia“. Atuou também 
Em várias novelas e no cinema até 1972. O ator faleceu em 23 de novembro de 1983, na capital paulista, vítima do Mal de Parkinson, aos 63 anos de idade.

Daniel Filho
Substituiu o ator Elísio Albuquerque na adaptação do Sítio do Pica-Pau Amarelo para a TV Tupi do Rio de Janeiro em 1957 e ficou no papel até 1958.
De família circense, Daniel foi criado desde cedo do meio artístico e cresceu ao lado de grandes nomes. Depois da experiência no Sítio, chamou a atenção como ator em dois filmes que foram sucesso na década de 60: Os Cafajestes (1962) e Boca de Ouro (1963).
É um dos fundadores da Globo Filmes, importante produtora do cinema brasileiro. Ao longo de sua carreira dirigiu e escreveu roteiros em filmes como “A Partilha”, “A Dona da História” e “Se eu Fosse Você” (2006).
Aos 82 anos de idade, o ator e diretor Daniel Filho mora no Rio de Janeiro.

Roberto Orozco
Começou a trabalhar como ator no Teatro, em 1962, na peça “Quatro Num Quarto“. Dois anos depois já estava na TV Tupi fazendo o “Sítio do Pica- Pau Amarelo“, onde viveu o primeiro o Leão Medroso e depois o Relógio.
Viveu o Visconde de Sabugosa na versão do Sítio na TV Bandeirantes, em 1968
Passou pela TV Cultura, nos seus primeiros anos, quando a emissora ainda pertencia aos Diários Associados, onde participou de novelas de grande sucesso, depois pela TV Tupi e Bandeirantes, até chegar à TV Globo em 1972, onde interpretou o papel do boneco Gugu, em “Vila Sésamo” um grande sucesso nacional.
Também passou pela extinta TV Manchete e  além da televisão, fez diversos trabalhos no teatro e no cinema.
Morreu em São Paulo, no ano de 1989, aos 43 anos, vítima de linfoma.

Ewerton de Castro
Viveu o Visconde na adaptação do Sítio do Pica-Pau Amarelo para a TV Bandeirantes, em 1967, na segunda turma de atores do programa na emissora.
No cinema, participou de mais de 25 filmes, dirigiu e atuou em diversos espetáculos teatrais e telenovelas. Recebeu o prêmio de melhor ator coadjuvante, pelo papel de Mário, no filme “Anjo Liro”, no Festival de Santos de 1973. 
Ewerton deixou a TV em 2010, e em 2014, aceitou estrelar a peça “O Amor Move o Sol e Outras Estrelas” na cidade de Cordeirópolis, no interior de São Paulo, onde mora, como forma de incentivar o teatro local.