Por Stephan Rozenbaum
A RFI conversou com Marcia Camargos, escritora, jornalista e historiadora brasileira, radicada em Paris desde 2016. Tem 27 livros publicados e foi coautora de "Monteiro Lobato: furacão na Botocúndia", que obteve os prêmios Jabuti e Livro do Ano de 1998. Marcia Camargos é também curadora da obra de Lobato, tendo escrito as apresentações e quarta capa de todo os livros, tanto infantis quanto para adultos, das obras completas do autor, lançadas pela Editora Globo. No sábado (15), ela estará em um evento voltado para o universo do Sítio do Picapau Amarelo na Maison de la vie associative et citoyenne do 14° distrito de Paris.
“O evento é grátis e crianças e adultos poderão participar de leituras e encenações de trechos dos livros infantis do Monteiro Lobato, com a presença do Visconde de Sabugosa e da Emília. As crianças poderão se fantasiar com as roupas dos habitantes do Sítio do Picapau Amarelo, tornando a tarde ainda mais divertida”, conta Marcia Camargos. “Não posso esquecer de falar dos bolinhos de chuva da tia Anastácia, que nós preparamos especialmente para a ocasião”, ressalta a escritora.
A ideia de juntar pequenos e grandes em torno da obra de Lobato aconteceu após conversas com a associação Sol do Sul. “A ideia era comemorar a época de natal com gostinho brasileiro. A associação me convidou para participar do evento, tendo em vista o centenário da obra Urupês. Com a ideia de oferecer às famílias brasileiras que moram na França a oportunidade de entrar nesse universo tão gostoso do Monteiro Lobato, que tem a ver com a brasilidade, com as nossas raízes nacionais.
Obra centenária
Marcia Camargos é referência quando o assunto é Monteiro Lobato. Recentemente ela escreveu uma coluna no jornal Estado de São Paulo para falar da obra Urupês e do personagem Jeca Tatu. “Eu não canso de me surpreender ao ver como ele ainda é muito atual. Em 1914, ele publicou um artigo no Estadão, chamado 'Uma velha praga', seguido por Urupês, um mês depois, que causaram muita polêmica porque ele denunciava as queimadas no Vale do Paraíba, onde ele tinha uma fazenda herdada do avô. Era a maneira mais fácil de limpar um terreno para o plantio, mas, ao mesmo tempo, destruía totalmente as árvores centenárias, os animais silvestres, empobrecia o solo. Lobato dizia que o Vale do Paraíba se transformava em um braseiro, totalmente em chamas”, conta a escritora.
“Isso mostra a preocupação de Lobato com a questão do meio ambiente, da ecologia, da preservação, dos recursos naturais, naquele tempo, no começo do século 20. Vemos hoje com muito espanto, indignação e medo essa possibilidade de vermos a Amazônia cada vez mais destruída, que é o grande pulmão do planeta. Com certeza, Monteiro Lobato, se estivesse em vida, estaria denunciando essa ideia de se desmatar cada vez mais”, afirma Marcia.
Desculpas a Jeca Tatu
Além da ecologia, Lobato também se preocupava com outros setores da sociedade. “O Urupês dá vida ao personagem símbolo Jeca Tatu, que foi visto primeiramente como o caipira indolente, para quem nada paga pena, preguiçoso, sempre de cócoras, a fumar seu pitozinho, e que plantava somente para sua sobrevivência mínima. Lobato criticou essa postura do caipira pois chegou na fazenda disposto a implementar técnicas agrícolas moderníssimas que não se desenvolviam naquele solo exaurido, esgotado, do Vale do Paraíba”, explica a escritora.
“Ele num primeiro momento colocou a culpa na preguiça do caipira. Só que depois, ele entra em contato com estudos de saúde pública, e descobre que o caipira não era assim, ele estava assim. Porque ele era vítima das endemias, da falta de saúde pública, do abandono do governo, que só dava atenção aos caipiras nas épocas das eleições. Depois de tudo isso, Monteiro Lobato acaba pedindo desculpas ao Jeca Tatu, porque ele fala que ele era um jardim zoológico de protozoários. Ele realmente se retrata, dizendo ‘você não é assim, você está assim'”, completa Marcia.
Notícia original em RFI.
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