Monteiro Lobato e o folclore brasileiro

Originária da junção de duas palavras inglesas, ‘folk’ (povo) e ‘lore’ (conhecimento), a palavra ‘folclore’ surgiu no século XIX, através do pesquisador britânico William John Thoms, ganhando desde então o significado literal de “conhecimento do povo” ou “aquilo que o povo faz”. O termo foi registrado pelo autor, através de uma carta publicada pela revista britânica The Athenaeum, em 22 de agosto de 1846, na qual ele sugeria que todo o conjunto de tradições ou “antiguidades” populares poderia ser definido pela palavra “folklore”. De modo geral, podemos entender como folclore, o conjunto de práticas e saberes de um determinado povo, transmitido de geração para geração. A partir dessa carta de John Thoms, o termo “folklore” se popularizou entre os países ocidentais, despertando o trabalho de estudiosos e muitas nações decidiram eleger o dia 22 de agosto como o dia oficial do folclore, de modo a valorizar e mostrar a importância de todas as manifestações que caracterizam a cultura popular de um país, como suas lendas, canções, mitos, danças e artesanatos entre outros. Entendendo a sua significância e a necessidade da sua preservação, a Unesco reconhece o folclore como Patrimônio Cultural Imaterial.

Aqui no Brasil o movimento mais representativo aconteceu no Rio de Janeiro, em agosto de 1951, com o “Iº Congresso Brasileiro de Folclore”, onde foi elaborada a Carta do Folclore Brasileiro, mas o Dia do Folclore só foi oficializado no Brasil em 1965, sendo celebrado anualmente, também no dia 22 de agosto. Isso aconteceu graças ao grande volume de estudos sobre a cultura popular brasileira que já haviam sido feitos, desde o século XIX, onde se destacavam estudiosos como Mário de Andrade, Câmara Cascudo e Monteiro Lobato, entre outros intelectuais nacionalistas que estudavam as características culturais de cada canto do Brasil.

Natural do Vale do Paraíba, Lobato cresceu num ambiente interiorano, passando boa parte do seu tempo de infância entre a Fazenda São José do Buquira, a fazenda Paraíso, e a fazenda da cidade, chamada de chácara do Visconde. Desde pequeno, Lobato sempre ouviu muitas histórias sobre Saci, Mula sem Cabeça, Curupira, Cuca, que eram contadas pelos trabalhadores das fazendas. Todo esse contexto despertou o interesse do escritor pelo folclore nacional, especialmente pelo personagem do Saci.

Em 1914, passeando pelo Jardim da Luz em São Paulo com um amigo, Lobato se deparou com a famosa cena que ele imortalizou num texto publicado na Revista do Brasil em1916, chamado A poesia, de Ricardo Gonçalves:

Pelos canteiros de grama-inglesa há figurinhas de anões germânicos […] porque tais nibelungices, mudas à nossa alma, e não sacis-pererês, caiporas, mães d’água e mais duendes criados pela imaginação do povo?

Inconformado com a falta de orgulho na nossa própria identidade nacional, Lobato passou a explorar mais a fundo a lenda do Saci-Pererê e no começo de 1917. Realizou uma pesquisa de opinião pública, no suplemento vespertino do jornal O Estado de São Paulo, chamado Estadinho, para colher as respostas dos leitores a respeito das versões sobre o lendário personagem. O inquérito foi um sucesso e Monteiro Lobato recebeu dezenas de respostas de todo o Brasil. No ano seguinte, 1918, Lobato reúne os relatos num livro e lança O Saci Pererê: resultado de um Inquérito. A ótima repercussão dessa iniciativa, então, o motivou a realizar também uma exposição de pintura e escultura sobre o mesmo tema.

Três anos mais tarde, em 1921, ele então lança O Saci, para o público infantil, que acaba norteando definitivamente a sua carreira de escritor. Nessa história, Pedrinho, orientado pelo Tia Barnabé, captura um Saci. Ambos vivem uma grande aventura na floresta onde durante a noite e o Saci protege Pedrinho dos diversos personagens do folclore brasileiro e acabam discutindo sobre temas relevantes, do tipo: quem é mais desenvolvido, os humanos ou os animais e criaturas das florestas? O Saci assume o protagonismo desta discussão filosófica, e dá uma verdadeira aula sobre comportamento, respeito, amor ao próximo e principalmente a importância da preservação da natureza. Em meio a essa aventura, o Saci ajuda Pedrinho a salvar Narizinho da Cuca e desta vez Lobato dá uma aula sobre o bem mais precioso do mundo: a liberdade.

Definitivamente, Monteiro Lobato foi um divisor de águas na literatura infantil. Ele criou um estilo próprio e inovador de escrever para crianças, dando outro sentido às histórias que ele próprio ouviu na infância. Suas histórias impressas no papel criaram um mundo imaginário ao alcance de todos, imortalizados. Recorrendo às fontes originais das lendas folclóricas e inserindo-as em suas obras, Monteiro Lobato criou uma ferramenta poderosa de ensino infantil, que deram aos seus livros um conceito didático, revolucionário e inovador. Fato é que Lobato sempre foi um exímio contador de histórias, que tinha em seu ‘DNA’, o brasileirismo para entender a importância e exaltar nossos mitos e lendas, contos e fábulas populares.

Curiosamente, a jornalista, pós-graduada em Educação Infantil, Rosângela Marçolla, enxerga Monteiro Lobato como um ‘folk’ comunicador que através dos seus livros, se tornou um agente ‘folk’ midiático, responsável pela disseminação de narrativas da nossa cultura popular em forma de obra literária. A “Folk-comunicação”, é uma teoria brasileira proposta pelo sociólogo e pesquisador Luiz Beltrão, em sua tese de doutorado em 1967, que analisa a comunicação que se dá por meio do folclore e as estratégias de comunicação adotadas pelos chamados “grupos marginalizados”, rurais e urbanos. Lobato absorveu muito das histórias da nossa tradição oral, da nossa cultura popular, vinda de ex-escravos, das nossas tribos indígenas e dos nossos emigrantes para enriquecer a mais fantástica e singular obra da nossa literatura infantil e sobretudo para revelar ao mundo a nossa extraordinária cultura popular. Como um legítimo agente ‘folk’ midiático, o escritor teve um papel inovador e revolucionário, através dos seus livros, como uma espécie de porta-voz das pessoas excluídas socialmente, sem acesso ao estudo, que formavam a maioria analfabeta do nosso país naquela época.

No Brasil, quando falamos de folclore, automaticamente lembramos do Saci, da Cuca, do Curupira, da Iara, da Mula sem cabeça, do Boitatá e de tantos outros personagens popularizados através das obras de Monteiro Lobato, em histórias que ainda hoje continuam passando de geração para geração.

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REFERÊNCIAS:

https://mundoeducacao.uol.com.br/datas-comemorativas/dia-folclore.htm

https://exame.com/pop/dia-do-folclore-entenda-a-origem-data-que-e-comemorada-no-dia-22-de-agosto/

https://www.educamaisbrasil.com.br/enem/datas-comemorativas/dia-do-folclore

https://www.educamaisbrasil.com.br/enem/datas-comemorativas/dia-do-folclore

https://www.diarionline.com.br/?s=noticia&id=118036

http://www0.rio.rj.gov.br/arquivo/pdf/cadernos_comunicacao/estudos/estudos17.pdfhttps://www.bocc.ubi.pt/pag/marcolla-rosangela-monteiro-lobato-contador-de-historias.pdf

Escola Nova, Lobato e a revolução educacional no Brasil

Era o final do século XIX, a proclamação da República encerrava o período do Brasil Imperial e apesar da base da nossa economia ainda se manter na agricultura, tendo o café como o produto mais cultivado e exportado pelo país, a industrialização dava seus primeiros passos. Esse novo cenário passou a exigir que o país se fortalecesse e desenvolvesse o seu próprio setor industrial, considerando ainda a man era como a abolição da escravidão em 1888 ocorreu “da porteira para fora” e sem nenhum tipo de mão de obra especializada, as poucas indústrias que começavam a surgir por aqui decidiram substituir a mão de obra escrava pelo trabalho do imigrante estrangeiro, tendo assim início também, o surgimento de uma política imigratória.

É a partir desse cenário que o Brasil passa a ser cada vez mais pressionado para promover uma profunda reforma em todo o seu sistema educacional e Monteiro Lobato se torna, pelo seu trabalho como escritor e editor e sua crença na melhoria da ser humano pela ciência, uma das principais personalidades nesse processo, a apontar o caminho da educação como a base para o desenvolvimento do nosso país. Quase um iluminista, Lobato acreditava que através da ciência seria possível melhorar a qualidade de vida das pessoas, dentro da ideia de se trabalhar e prosperar, através de melhor saúde e melhor educação.

Nessa linha desenvolvimentista, o movimento Escola Nova, que surgiu inicialmente na Europa e logo conquistou adeptos nos Estados Unidos, no final do século XIX, reuniu educadores que passaram a questionar e a se contrapor aos métodos de ensino tradicionais da época. Ultrapassada a educação escolar que já não tinha tanta eficácia na realidade social exigida naquele novo período e não preparava os alunos para que de fato eles se tornassem cidadãos bem adaptados ao convívio social. Na América o grande propagador desse movimento foi o filósofo e pedagogo estadunidense John Dewey, responsável por influenciar os principais educadores brasileiros da época, como Fernando de Azevedo e Anísio Teixeira.

Aqui no Brasil o movimento estourou a partir da primeira metade do século XX, em meio aos impactos importantes de transformações econômicas, políticas e sociais. Os chamados escolanovistas defendiam o respeito a diversidade, a individualidade do sujeito e o incentivo a liberdade de pensamento em relação a sociedade brasileira. Para eles a educação escolarizada deveria ser sustentada no indivíduo integrado à democracia, na formação do cidadão atuante.

Monteiro Lobato se identificava com essas ideias, porque ele também acreditava que esse era o caminho para vencer os desafios e tornar o Brasil um país próspero. Afinal no início do século XX os índices de analfabetismo eram estarrecedores, o povo incapaz de formar suas próprias opiniões ou defender suas ideias, cenário que se tornara um grande obstáculo para o desenvolvimento do país. O escritor se entusiasmou em especial, com a obra de Anísio Teixeira, que ele conheceu em 1927, em Nova Iorque. Naquela época, Lobato já era um escritor consagrado e trabalhava como adido comercial brasileiro, enquanto o educador baiano ainda era um jovem intelectual que fazia especialização no Teachers College da Universidade de Columbia e dava os primeiros passos no campo da educação, em defesa do ensino público nacional. Ambos se encantaram com os Estados Unidos e acreditavam que era possível trazer para o Brasil as ideias e diretrizes do progresso estadunidense, com a devida contextualização territorial e cultural. A partir desse primeiro

encontro nasceu uma forte e duradoura amizade entre os dois, e os vínculos afetivos entre eles foram se fortalecendo através dos anos, principalmente pela afinidade de ideias nacionalistas e a preocupação com o desenvolvimento do país, como revelam as inúmeras cartas trocadas entre eles.

Em 1928 Lobato recebeu um livro de Anísio Teixeira, chamado Instrução Pública no Estado da Bahia, publicado pelo escritor baiano naquele mesmo ano. Lobato se entusiasmou com as ideias propostas no livro e recomendou a Teixeira, que enviasse um exemplar do mesmo ao secretário da Presidência da República na época, Alarico Silveira, e outro ao Fernando de Azevedo, diretor de Instrução no Rio de Janeiro. Lobato escreve a Silveira e a Azevedo, recomendando que ambos lessem com atenção o trabalho do educador para conhecer suas ideias, conforme registro encontrado em uma das cartas trocadas entre eles em 1929. Fernando de Azevedo, era um dos principais articuladores do movimento em defesa da renovação educacional no país, nos anos 1920 e 1930, e Anísio Teixeira, um defensor da necessidade de integrar a aprendizagem escolar às experiências sociais em geral. Ele acreditava que só por intermédio dessa experiência, a criança seria capaz de perceber o sentido das coisas, de como o que a criança estava apreendendo teria aplicação prática em sua vida, num processo de “reconstrução imaginativa”, mais do que de repetição ou treino.

Entre Lobato e Anísio, surgiu uma amizade sólida, de respeito mútuo e admiração reciproca que cresceu sem grandes esforços, devido até mesmo pela afinidade de ideias de ambos, a preocupação com o destino da educação brasileira e o desejo de dar um futuro melhor às crianças brasileiras. Essa amizade está evidente nas cartas trocadas entre eles no período de 1928 e 1947, verdadeiros documentos que trazem textos de conteúdo crítico e de escrita cuidadosa. Os amigos, se apoiavam em seus projetos profissionais e quando necessário, também faziam críticas ou davam sugestões, se bem que isso era raro, pois na maioria das vezes prevalecia a admiração que um nutria pelo trabalho do outro. Devido a precariedade de transporte à época, assim como acontecia com os jornais, as cartas não chegavam com a velocidade desejada, mesmo assim, elas permitiam a circulação de informações sobre os mais variados assuntos e ideias que fomentavam a vida dos intelectuais, dentro e fora do país.

A partir do seu encontro com Anísio Teixeira em Nova York, em 1930, Lobato ficou encantado com a ideia de ensinar de forma divertida através de histórias, dando um novo teor pedagógico aos livros, indo de encontro aos ideais escolanovistas e com a nova concepção atualizada da infância. O escritor posicionou a criança no lugar central do processo educacional e ofereceu a ela mais liberdade para expressar os seus interesses e os seus impulsos dentro dos seus próprios livros. Reconheceu que a criança tem certas particularidades e que para despertar nelas o interesse pela leitura, era preciso utilizar recursos relacionados à própria infância, como a ludicidade, a fantasia e a imaginação. Através do universo criado por suas histórias, Lobato conectou a criança, o professor, o ambiente de aprendizado e os conteúdos de ensino à filosofia pedagógica da Nova Escola.

Mesmo antes de conhecer Anísio Teixeira e o movimento Escola Nova, Lobato já era um ferrenho defensor do poder da educação para o progresso do Brasil. Suas ideias, apesar de convergentes, se desenvolveram paralelamente. Enquanto a Escola Nova é um movimento teórico, amplo e profundo, baseado na proposta de mudanças da própria sociedade, a literatura lobatiana percorreu um caminho norteado pelo entusiasmo dessas mudanças, numa percepção própria da genialidade de Monteiro Lobato.

Levando em consideração a criança fora do livro (que lia) e a criança de dentro do livro (seus personagens infantis fictícios), Monteiro Lobato ofereceu aos seus pequenos leitores a representação de como ele as enxergava e como o ensino deveria ser organizado para que a criança realmente aprendesse. Através de sua obra infantil nós podemos compreender claramente a concepção de infância e de educação defendidas pelo escritor, e essa soma pioneira de educação e entretenimento que encontramos em suas histórias é uma característica que o consagrou como ‘o pai da literatura infantil’.

É fácil perceber que o universo lobatiano aborda de um modo todo especial e de fácil compreensão, questões relacionadas aos grandes problemas nacionais, questões culturais, políticas, econômicas, linguísticas, históricas e geográficas, apresentando noções básicas de cultura geral, de temas curriculares das ciências humanas, exatas e naturais. Através do seu imaginário, Monteiro Lobato se tornou uma espécie de guia literário para um novo conceito de infância, como um período ou uma fase de descoberta e de percepção do mundo por parte da criança.

No livro Serões de Dona Benta (1937), por exemplo, o Sítio do Pica-Pau Amarelo é transformado em um laboratório, e os alunos (as crianças), com Dona Benta como professora, fazem experiências descobrindo curiosidades das ciências naturais, como a física, a química e a astronomia. Dona Benta aborda os conteúdos científicos de um modo especial, de fácil entendimento, fazendo a mediação entre quem aprende e o conteúdo a ser compreendido, conteúdo este que são associados ao cotidiano e relacionados ao dia a dia das crianças e ao que elas podem observar. Isso se repete em outras obras do autor, em especial nas publicadas na década de 1930 e na primeira metade dos anos 1940, como Viagem ao céu (1932), Emília no País da Gramática (1934), Aritmética da Emília (1935), História do Mundo para Crianças (1933), Geografia de Dona Benta (1935), O Poço do Visconde (1937), História das Invenções (1935), A reforma da natureza (1941), O espanto das gentes (1941), A chave do tamanho (1942), Dom Quixote das crianças (1936), Histórias de tia Nastácia (1937), O Minotauro (1939), Os doze trabalhos de Hércules (1944) e Memórias da Emília (1936).

Em todas essas obras o escritor constrói situações de aprendizado que exemplificam perfeitamente as práticas idealizadas por Anísio Teixeira e os próprios personagens do Sítio reproduzem na prática toda a curiosidade e o interesse em conhecer, em descobrir e entender, sentimentos que certamente também são despertados nos pequenos leitores de Lobato. Este deve ser o papel da escola e a leitura, mesmo em tempos tão tecnológicos, continua sendo a mais poderosa ferramenta de transformação social. Como já alertava Monteiro Lobato em sua época: “Quem mal lê, mal ouve, mal fala, mal vê”. E o alerta segue ainda totalmente atual.

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REFERÊNCIAS:

https://www.educabrasil.com.br/escola-nova/ http://ameninacentenaria.bbm.usp.br/index.php/lobato-e-os-educadores/ https://seer.pucgoias.edu.br/index.php/educativa/article/view/6973/4922 https://educador.brasilescola.uol.com.br/gestao-educacional/escola-nova.htm

http://educa.fcc.org.br/pdf/ctp/v17n1/1984-7114-ctp-17-01-00094.pdf

https://abralic.org.br/eventos/cong2011/AnaisOnline/resumos/TC0850-1.pdf

** VIo Colóquio Internacional – Educação e Contemporaneidade – “Memórias Narrativas de um educador sertanejo: A correspondência entre Anísio Teixeira e Monteiro Lobato”, da pesquisadora Luciete de Cássia Souza Lima Bastos

Há 75 anos o Brasil perdia Monteiro Lobato

“..E agora uma notícia que entristece a todos: Acaba de falecer o grande escritor patrício Monteiro Lobato!

Assim, o Repórter Esso, programa noticioso que revolucionou a história do radiojornalismo brasileiro, comunicava à todos, na voz do jornalista Heron Domingues, a morte de José Bento Monteiro Lobato, um dos mais influentes escritores brasileiros do século XX. Autor de mais de 40 obras, considerado o pai da literatura infantil no Brasil, Monteiro Lobato, morreu vítima de um segundo acidente vascular isquêmico, às 4 horas da madrugada, do dia 4 de julho de 1948, aos 66 anos de idade. Ele morreu em casa, em um apartamento temporariamente emprestado por seu amigo e co-fundador da Editora Brasiliense, Caio Prado Jr., na rua Barão de Itapetininga 93,  Centro de São Paulo, onde no térreo funcionava a histórica Livraria Brasiliense. O prédio continua lá, firme como testemunha muda de um pedaço relevante da nossa história. A morte do escritor causou forte comoção nacional, atraindo milhares de pessoas, entre ilustres desconhecidos, autoridades e famosos, ao seu velório na Biblioteca Municipal de São Paulo e ao seu sepultamento no Cemitério da Consolação, na zona sul da capital, demonstrando a importância de Lobato para o Brasil naquela época.

Um homem à frente de seu tempo, Lobato teve múltiplas facetas; foi, além de escritor, jornalista, tradutor, editor, publicitário e empresário, que se notabilizou sobre tudo, por sua luta em defesa dos interesses do Brasil e dos brasileiros nas áreas do petróleo, saneamento básico, saúde, e educação. Na literatura infantil, Monteiro Lobato se popularizou pelo conjunto educativo de sua obra formada por livros como Reinações de Narizinho (1931), Caçadas de Pedrinho (1933) e O Picapau Amarelo (1939), que constitui aproximadamente metade da sua produção literária. A outra metade é composta por contos (geralmente sobre temas brasileiros), artigos, críticas, crônicas, prefácios, cartas, um livro sobre a importância do petróleo e do ferro, e um único romance, O Presidente Negro.

Estamos completando 75 anos sem esse gênio da nossa literatura e para lembrar a sua importância para o nosso país, nós decidimos escrever este artigo, baseado em textos publicados em sua homenagem, na edição 4-5 volume II, de setembro/outubro de 1948 pela Revista Fundamentos, publicação que Lobato havia fundado alguns meses antes pela Editora Brasiliense. Na Revista, Lobato exercia a função de redator-chefe e publicou os folhetos De Quem É o Petróleo na Bahia e Georgismo e Comunismo. A publicação mantinha um “conselho de redação” formado por destacados intelectuais, como Annibal Machado, Aparício Torelli, Artur Ramos, Astrojildo Pereira, Candido Portinari, Clovis Graciano, Edson Carneiro, Galeão Coutinho, Graciliano Ramos, Vilanova Artigas, Leo Ribeiro Moraes, Mario Schemberg, Moacir Werneck de Castro, Oscar Niemeyer, Samuel Barnsley Pessoa e Sérgio Buarque de Holanda. No mês seguinte à sua morte, quem assumiu a chefia de redação foi Afonso Schmidt, e tinha como seus colaboradores mais próximos Ruy Barbosa Cardoso, José Eduardo Fernandes, Caio Prado Junior e Artur Neves. A Revista Fundamentos encerrou suas atividades em dezembro de 1955, depois de 40 edições.

UM JEITO ÚNICO DE ESCREVER QUE CONQUISTOU O BRASIL

Monteiro Lobato trabalhou pelo abrasileiramento da nossa língua e da nossa arte, escrevendo sobre os processos rotineiros do trabalho nos sítios, nas fazendas, os personagens do nosso folclore, as brincadeiras das crianças do interior, nossa fauna e flora, além de matérias até então pouco literárias como por exemplo o fisco e o imposto territorial. Foi através do caboclo doente, miserável e abandonado, que ele foi levado a estudar a situação econômica do povo brasileiro e como consequência desta preocupação, passou para a política. Iniciou a campanha pelo voto secreto no Brasil, com o objetivo de revigorar a política, estimulando a renovação dos quadros políticos nas Câmaras. Do voto secreto passou para a defesa do nosso subsolo e da nossa independência energética, tema que muitos brasileiros sequer tinham percebido sua importância até que publicou os livros Escândalo do petróleo e ferro e O Poço do Visconde.

Como escritor, a partir dos artigos Velha Praga e Urupês, Lobato passa de figura conhecida localmente para conhecida nacionalmente e realiza uma transição estilística em seu modo de escrever, inaugurando um novo momento na literatura brasileira, onde o romantismo habitual, da época, é substituído por textos mais realistas e contestadores de assuntos nacionais. Sua obra passa a ser, em todos os setores, uma obra de denúncia implacável e sistemática contra a desonestidade política, o estado de abandono e a pobreza da população do interior do país, a sabotagem das nossas riquezas em favor do imperialismo e o próprio governo do Brasil como um todo.

Se não conseguiu provocar uma grande revolução social através de seus livros, os fatos mostram que Lobato foi o grande responsável pela maior revolução editorial e literária vivida pelo pelo Brasil ao longo de sua história.

O EDITOR QUE REVOLUCIONOU O MERCADO DE LIVROS NO BRASIL

Lobato surgiu como escritor de sucesso num tempo em que não era fácil viver de livros no Brasil, porque haviam apenas duas ou três grandes editoras por aqui, que se dedicavam quase que exclusivamente a publicações didáticas. Além disso, o livro era considerado um artigo de luxo, por ser caro e difícil de ser encontrado. As poucas publicações que haviam, eram voltadas para a sociedade aristocrática, que possuía estudo, deixando de lado a grande maioria dos brasileiros, formada por analfabetos ou por pessoas de baixíssima escolaridade. Esse era claramente um dos grande obstáculo a ser enfrentado no desafio de aumentar o número de leitores, para assim destravar o mercado editorial.

Para se ter uma ideia, os maiores livros da nossa literatura não conseguiam garantir aos seus autores, o suficiente para que conseguissem sobreviver, mal dando para pagar as despesas de impressão de suas obras. Definitivamente, ser escritor não era de forma alguma um bom negócio. As edições eram pequenas,  processo de distribuição de livros era incipiente, e quando um livro conseguia vender toda uma edição, era raro o caso em que conseguia editar uma segunda edição. O pensamento na época era: “para que reimprimir mais se quem desejava (e sabia) ler, já tinha lido?

Foi assim que Monteiro Lobato teve que, além de escrever, se tornar editor. Nessa função ele democratizou o papel impresso no Brasil, espalhando livros por cerca de 8 milhões de quilômetros quadrados do território nacional, mesmo em um país que não sabia ler!

A partir da compra da Revista do Brasil, em 1918, Lobato dá início a uma série de inovações no mercado editorial nacional. Ele desenvolve uma seção editorial que revolucionou a produção de livros no Brasil, passando a editar autores novos e consagrados. Um inegável ativista da ideia de “dar livros ao Brasil”, Lobato foi levado por sua veia empreendedora, a transformar a Revista do Brasil, que na época reunia os principais escritores paulistas, em um núcleo inicial para uma grande editora, mudando definitivamente o negócio de livros no país. Ele se associou a Octalles Marcondes Ferreira, um jovem de apenas 18 anos de idade à época, para fundar a sua primeira editora, a Monteiro Lobato & Cia., um sucesso absoluto que logo foi transformada em uma sociedade anônima, com oficinas enormes. Lobato introduziu em São Paulo os primeiros monotipos, publicou centenas de obras e expandiu a venda de livros para mais de 1.200 localidades no Brasil. O número de publicações e de vendagem superou as expectativas do próprio Lobato, que para enfrentar o problema da escassez de livrarias, criou uma rede própria de distribuição, expandindo, apesar de toda a precariedade do transporte na época, os locais de venda de livros para todo o país, através de pontos de vendas por consignação.

O PAI DA LITERATURA INFANTIL NO BRASIL

Não podemos deixar de ressaltar também, a importância de Monteiro Lobato na literatura infantil, afinal antes dele, os livros voltados para esse público, praticamente não existiam, eram muito caros, escritos, na maioria das vezes, em Português de Portugal e praticamente sem ilustrações, nem mesmo em preto e branco. Em outra atitude pioneira, Lobato revolucionou o modo de escrever para crianças, se utilizando o nosso Português, e simplificando os termos, pode se dizer que utilizou uma linguagem muito mais acessível, em publicações repletas de figuras, ilustrações coloridas e muita fantasia. Mexendo no imaginário infantil, Lobato conseguiu falar aos mais jovens, sobre assuntos tão complexos e antes interessantes apenas aos adultos, como petróleo, ferro, saneamento básico, verminoses e novos processos de trabalho agrícola, por exemplo. As histórias de Monteiro Lobato ensinam sobre história, física, geografia, matemática e tantos outros temas chatos para quem queria apenas brincar e se divertir. Ele entendeu que o ato de educar, de despertar o interesse pela leitura, estava justamente aí: em saber como se conectar com a criança através do modo e através do mundo dela. Estava criado um novo método educacional no Brasil.

TRADUÇÕES QUE CONECTARAM O LEITOR BRASILEIRO COM O MUNDO

Lobato não apenas se destacou escrevendo livros para crianças e adultos, mas também teve um papel relevante na tradução de obras estrangeiras, que foram essenciais para a formação do leitor brasileiro. Responsável por lançar vários autores estrangeiros aqui no Brasil, suas traduções foram da História da Filosofia, de Will Durand, e Memórias, de André Maurois, a Minha vida e minha obra, de Henry Ford, e Por quem os sinos dobram, de Ernest Hemingway passando por O Homem Invisível  de H.G.Wells e 1984 de George Orwell. Crepúsculo dos Ídolos e Anticristo, de Friedrich Nietzche, ainda em 1906, Robinson Crusoé, Mowgli, o menino lobo; Aventuras de Tom Sawyer; Pollyana; Moby Dick; Tarzan e Homem Invisível, são alguns títulos que ilustram a importância dessa atividade de tradução e adaptação feitas por Lobato, por o desenvolvimento literário do nosso país. É importante ressaltar, que Lobato não apenas fazia as traduções para a língua portuguesa, como também se preocupava e deixar os textos mais claros e fáceis de ler, num processo chamado de ordenação literária.

LOBATO DO BRASIL, PELO BRASIL E PARA OS BRASILEIROS

De acordo com o historiador e sociólogo Caio Prado Júnior, o escritor foi tocado pelo espetáculo da grandeza estadunidense que ele presenciou no tempo que passou nos Estados Unidos, onde trabalhou como adido comercial do governo brasileiro de Washington Luis. Lobato passou então a sonhar em ver o nosso país seguindo pelo mesmo caminho. Para realizar esse sonho, ele então não só passou a estudar o Brasil, como também passou a propor medidas para promover o desenvolvimento nacional, se tornando uma espécie de ‘capitão de indústria’. O escritor consultou técnicos, convocou engenheiros, reuniu capitais e se lançou em um dos seus mais audaciosos projetos: descobrir petróleo no território brasileiro. Lobato não se limitou em somente idealizar o assunto, foi além da teoria, arregaçou literalmente as mangas e agiu com o objetivo de ajudar a melhorar a vida dos brasileiros, tentando transformar seu sonho do petróleo em um grande negócio.

A longa história de sua luta pelo petróleo nacional está contada em seu livro O Escândalo do Petróleo, a mais terrível acusação até hoje escrita contra o imperialismo e seus agentes incrustados no governo federal da época. Nessa publicação, ele denunciou com provas documentais, o monopólio das nossas terras petrolíferas e o vasto plano para entregar o nosso petróleo à exploração de empresas estrangeiras. Com sua inteligência e combatividade, ele conseguiu transformar a luta em defesa de um empreendimento capitalista, num movimento de extensão nacional, que desempenhou no seu tempo, juntamente com a campanha da Aliança Nacional Libertadora, liderada por Luiz Carlos Prestes, uma indiscutível função educativa e politizadora junto às mais amplas camadas da nossa sociedade. Podemos dizer que foi através dos comícios da A.N.L., dos panfletos e da pregação de Lobato em defesa do petróleo nacional que o povo brasileiro passou a conhecer e entender os problemas básicos da nossa economia, bem como a necessidade de se manter uma posição de luta firme e corajosa contra as ameaças imperialistas.

Foram dez anos de sua vida dedicados à campanha de nacionalização do petróleo brasileiro. Mesmo doente, costumava atravessar noites escrevendo cartas, artigos e prospectos de divulgação e propaganda, além de viajar por todo o Brasil, em incansáveis encontros para divulgar suas ideias sobre o assunto e defender a nossa libertação econômica. Lobato sacrificou saúde, dinheiro e sua família durante o que ele mesmo chamou de sua “febre petrolífera”, que ao invés de leva-lo ao delírio, deu a ele a lucidez necessária para compreender as linhas mestras da revolução agrária e anti-imperialista do Brasil daquela época. Seu entusiasmo pelo petróleo era tão grande que ele chegou a estudar e aprender toda a técnica da extração do ouro negro, para assim poder acompanhar os trabalhos junto aos poços que suas companhias perfuravam.

Antes de iniciar a sua jornada em defesa do petróleo brasileiro, Lobato se tornou um dos maiores defensores do processo Smith, da redução do oxido de ferro em baixa temperatura. Esse método siderúrgico criado pelo engenheiro William H. Smith e patenteada, em 1928, pela General Reduction Corporation, em tese, reduziria o minério de ferro a ferro esponja, por meio de reações químicas, em forno vertical com temperatura inferior ao ponto de fusão do metal. Após essa redução, o ferro é magneticamente separado de outros materiais e, por fim, briquetado. O ferro esponja é considerado uma alternativa ao ferro gusa e ambos podem ser utilizados na produção de aço, no entanto, apesar de ainda hoje, muitos especialistas considerarem o uso do segundo mais vantajoso. O livro “Ferro”, de 1931, onde Monteiro Lobato reúne seus artigos publicados no jornal O Estado de São Paulo sobre este assunto foi considerado pelos técnicos como uma valiosa contribuição ao estudo do problema siderúrgico no Brasil, servindo de incentivo à formação de diversas empresas que até hoje empregam o processo preconizado pelo escritor.

A PUBLICIDADE ANTES E DEPOIS DE LOBATO

Além de um incansável propagador de ideias no sentido geral, a serviço dos homens, no campo da cultura, na defesa da terra e na independência econômica do país, Monteiro Lobato deu uma importante colaboração ao mercado de publicidade e propaganda. No âmbito comercial ele foi um técnico em anúncios e o seu primeiro grande trabalho foi com a adaptação do Jeca Tatuzinho como garoto propaganda de dois preparados farmacêuticos: o Biotônico e a Anquilostomina Fontoura. Os textos produzidos para o Jeca Tatuzinho e posteriormente para o Zé Brasil, um panfleto que entrou na história da literatura brasileira como a maior campanha publicitária do Brasil. Lobato se revelou um exímio copywriter, redigindo e revisando vários textos de toda a linha Fontoura durante vários anos. Na verdade o escritor sempre demonstrou essa sua faceta publicitária, contribuindo com ideias pioneiras na direção da Revista do Brasil, fundada por ele, e mais tarde na União Jornalística Brasileira, uma empresa que redigia e distribuía notícias para vários jornais, comprada por Lobato em 1937, para fazer a propaganda comercial da sua companhia de petróleo. Lobato não foi apenas um técnico em propaganda, mas também redigiu e revisou textos, garoto propaganda de diversos produtos e foi até dono de agência de publicidade e inegavelmente um pioneiro inovador da publicidade no Brasil. Na opinião do publicitário Pedro Neme, um dos colaboradores da Revista Fundamentos,  somente depois de Monteiro Lobato é que a propaganda começou a se desenvolver no nosso país.

NÃO QUIS SER MINISTRO E QUASE VIROU DEPUTADO FEDERAL

Monteiro Lobato sempre teve uma veia política latente, claramente exposta em seus textos questionadores, críticos e reflexivos sobre temas como saúde, educação e desenvolvimento econômico. Foi nomeado adido comercial do Brasil nos Estados Unidos pelo presidente da República, Washington Luís,  que foi deposto por um golpe militar em 1930. O comandante das forças político-militares, Getúlio Vargas, assumiu então a presidência do país. Nacionalista convicto, Lobato e Getúlio entraram em rota de colisão quanto a relação dos interesses energéticos do Brasil da época. Vargas ainda tentou seduzir o escritor, fazendo um convite para que ele assumisse a direção do Ministério da Propaganda em seu governo, prontamente recusado por Lobato.

Quando Vargas chegou ao poder, Monteiro Lobato já era famoso pela produção literária e pela luta para provar que o Brasil era rico em petróleo. Preso por discordar da política energética e afrontar o regime ditatorial de Vargas, Lobato ficou preso na Casa de Detenção de São Paulo, onde conheceu o sargento do Exército, José Maria Crispim, preso por ser simpatizante do Partido Comunista Brasileiro, com quem dividiu uma pequena cela. Foi nesse período que ele conheceu as ideias do PCB e se interessou ainda mais pelos assuntos que giravam sempre em torno do petróleo, da siderurgia, da reforma agrária e da democracia. Lobato lamentou não ter conhecido Crispim antes, porque já se considerava velho, doente e cansado, para assumir uma militância mais ativa.

Mesmo assim, quando deixou a prisão, se manteve próximo a Julio Prestes e membros do PCB. Em 1945 foi convidado por Prestes, que esteve em sua casa, acompanhado do poeta chileno Pablo Neruda, para ser candidato a deputado federal. O escritor aceitou o convite de imediato, mas desistiu depois, por discordar do apoio que o PCB havia dado ao governo Vargas. A explicação para esse apoio do partido a Getúlio, foi justificada pelo próprio Luís Carlos Prestes, em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, em 1986, que via os nazistas como o grande inimigo a ser combatido naquele momento, apesar de Vargas ter sido o responsável pela deportação da ativista política Olga Benário, companheira de Prestes à época, que foi presa e morta na Alemanha.

Havia também um drama de consciência. Lobato não aceitava o carimbo de ‘comunista’, porque apesar da sua simpatia por algumas ideias defendidos pelo PCB, o escritor há anos se mantinha um admirador confesso das ideias do economista estadunidense Henry George, tendo publicado inclusive o panfleto Georgismo e Comunismo. Junte-se a isso, o fato do escritor ter sido uma pessoa de senso ético e independência de pensamento acima do normal, esses fatores sempre tornaram impossível à Lobato juntar-se a qualquer governo ou filosofia politica.

Seja como empreendedor, realizador, escritor ou pensador, Monteiro Lobato será sempre merecedor de todas as homenagens e dos inúmeros estudos sobre sua vida e sua obra. A genialidade de Lobato transcendeu a criação de personagens imaginários, trouxe à luz o verdadeiro Brasil que margeava o imaginário fantástico e envolvente do escritor. Convivendo entre o real e a fantasia, Monteiro Lobato foi em sua essência um dos mais combativos patriotas do nosso país e sem dúvida a sua morte, uma perda imensurável para a nossa própria história. Mas a sua memória continua viva, provocativa, reflexiva e inquieta, como ele próprio foi ao longo se sua existência.

Para finalizar este artigo, fazemos um agradecimento especial ao jornalista Silvio Lefevre, filho de Antonio B. Lefevre. médico que atendeu Lobato no dia de sua morte, por nos ter disponiblizado esse material, que a partir de agora estará a disposição de todos, aqui no nosso site.

Revista Fundamentos, edição 4-5 volume II, de setembro/outubro de 1948, edição em homenagem ao seu fundador, Monteiro Lobato.

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REFERÊNCIAS:

http://memoria.bn.br/pdf/102725/per102725_1948_00004-00005.pdf

https://vermelho.org.br/prosa-poesia-arte/osvaldo-bertolino-monteiro-lobato-e-o-partido-comunista-do-brasil/

https://monteirolobato.com/obras-de-lobato/traducoes-e-adaptacoes/#:~:text=Al%C3%A9m%20de%20escrever%20livros%20para,se%20editava%20no%20plano%20internacional.

Depoimento do terceiro Pedrinho na TV: Antonio Silvio Lefèvre

Vejam só como eu virei Pedrinho na primeira versão do Sítio do Picapau Amarelo, que foi na TV Tupi de São Paulo, a primeira emissora de TV do Brasil, recém-inaugurada. Era então 1953, eu tinha 10 anos de idade, e o casal Julio Gouveia e Tatiana Belinky, grandes admiradores de Lobato, tinham começado há pouco a levar o Sítio na TV. Eles eram muito amigos de meu pai Antonio Branco Lefèvre (que tinha sido médico de Lobato) e de minha mãe, Dorothy Fineberg. Tatiana e Julio tiveram que começar do zero, criando uma escolinha de teatro para crianças (Teatro Escola São Paulo), pois não havia então atores
infantis disponíveis. Para arranjar alunos, convidaram os filhos dos amigos… E foi assim que, ainda em 1952, treinaram lá um Pedrinho para os primeiros episódios da série e que foi Sergio Rosemberg, filho de outro amigo do casal. Mas por alguma razão, provavelmente um conflito da agenda de ator com a de
estudante… no inicio de 1953 Sergio deixou o Sítio e foi substituído por outro garoto, Julio Simões, que atuou por alguns meses, mas já estava programado para sair e, em função disso, Julio e Tatiana tinham começado a procurar outro intérprete para o papel. E um belo dia, em visita à nossa casa, Tatiana olhou
bem para mim e para meus pais e disse: “Esse é o Pedrinho que eu quero”. Eu me espantava ao notar que nenhum colega da minha classe, no Mackenzie, tinha me visto na TV. Eles tinham um colega que, se fosse hoje, seria uma celebridade, e nem sabiam…
Para o papel de Narizinho o casal Gouveia logo tinha encontrado uma ótima intérprete, a Lidia Rosenberg, que apesar do sobrenome quase igual, não era parente do Sergio Rosemberg e sim filha de outro amigo da família. Para os papéis mais difíceis eles conseguiram atores profissionais, mais experientes.


Isto porque a TV era ao vivo e não se podia errar muito… Em primeiro lugar para o papel da boneca Emília, que foi brilhantemente interpretado pela atriz de teatro Lucia Lambertini… e também para os de Dona Benta (Suzy Arruda), de Tia Nastácia (Zeni Pereira) e de todos os outros, até do Saci Pererê,
interpretado pelo mesmo Paulo Matozinho que fez este papel no filme “O Saci”, da Cinematográfica Maristela, cujo diretor era meu avô materno, Benjamin Fineberg. Mas para os papéis coadjuvantes, como os convidados para as festas no Sítio, que deviam ser crianças, os Gouveia continuavam a apelar para os seus próprios filhos (Ricardo e André), para os filhos dos amigos e os irmãos e amigos deles, como meu irmão Fernando, que cuspiu fora, ao vivo, a (horrível….) marmelada marca Peixe que patrocinava o programa… e meu irmão menor Marcelo que, fantasiado de anjinho para o episódio da viagem ao
céu e com medo da altura, gritou, desesperado, ao vivo: “Socorro, me tirem daqui!”. E logo foi substituído como anjinho pela menina Lia Rosenberg, irmã da Narizinho…. Até meu amigo de infância, o depois famoso cineasta Jorge

Bodanzky, veio num episódio, fantasiado de mexicano. Este Pedrinho que eu era adorava os ensaios no TESP e as apresentações ao vivo na TV. Nos ensaios eu conheci Verinha Darci, mais novinha que eu, e que logo ficou famosa como intérprete do seriado “Pollyanna”, também dirigido pelos Gouveia e que teve um enorme sucesso. Tanto que meu avô Benjamin a convidou para umas férias no Grande Hotel de São Pedro, que ele administrava, como forma de atrair mais hóspedes. Ele anunciava que “Pedrinho e Pollyana estarão no hotel!”… E nos estúdios eu conheci de perto outros artistas que por lá atuavam, alguns já começando a ficar conhecidos… como o Lima Duarte, que ninguém poderia adivinhar que um dia viria a ser considerado como o melhor ator da TV brasileira de todos os tempos…. Tudo maravilhoso, eu já com um ano de “carreira”, com o caminho aberto para me tornar um ator, quem sabe até “global” nos anos que viriam… quando no início do ano escolar de 1954, minha mãe resolveu me tirar da TV… “Esse negócio de televisão está atrapalhando os estudos do menino”, disse ela, complementando: “E para que serve isso se ninguém tem esse aparelho de TV em casa? Melhor ler os livros de Lobato…”

Para o papel de Pedrinho, Julio e Tatiana tiraram então a sorte grande, botando como Pedrinho o David José, ator super talentoso, que ficou no Sítio da Tupi até 1958. Ele sim, ficou famoso de verdade e com muita justiça é o mais lembrado Pedrinho da era Tupi. Quem o substituiu, até 1960, foi o André Gouveia, filho do Júlio e da Tatiana e super amigo meu em toda nossa infância e adolescência e que, para enorme tristeza nossa, faleceu num acidente de motocicleta na França, em 1971. Deste quinto Pedrinho eu tenho eterna saudades.